Em menos de uma semana, o novo governo americano deu passos que transformam por completo a sua estratégia para a guerra civil síria, indicando que está disposto a afastar-se das suas promessas de retraimento militar, que é capaz de queimar pontes com governos com quem diz querer novas e mais saudáveis relações, e, por fim, sugerindo que tem a porta aberta a novos compromissos no Médio Oriente. Ou seja, a receita contrária à que Donald Trump propôs para recuperar a aparentemente perdida “grandiosidade da América” – a saber: deixar os assuntos dos outros países nas suas próprias mãos, restabelecer laços com nações que queiram combater organizações terroristas internacionais e focar sobretudo em restabelecer os equilíbrios económicos do pré-globalização.
É muito cedo para adivinhar uma viragem de políticas do novo presidente. Também não é sábio fazê-lo com um homem que já prometeu tudo e o seu contrário, repetindo, pelo caminho, que prefere operar no reino da imprevisibilidade. Mas existe pelo menos uma mudança à superfície. A embaixadora americana nas Nações Unidas, Nikki Haley, que há pouco mais de uma semana anunciava que o futuro de Bashar al-Assad era uma questão secundária na guerra, afirmou este domingo que não pode existir uma resolução do conflito sem a partida do ditador sírio, em relação ao qual os norte-americanos, sugeriu, podem estar dispostos “a fazer mais”.
Forçar a saída de Assad é um dos pontos mais contenciosos no conflito sírio. Os seus aliados russos e iranianos recusam-no, assim como o próprio governo. As numerosas – mas inconsequentes – negociações em Genebra empataram neste tema e mesmo os governos europeus que mais insistiam na partida do ditador no início do conflito começaram a abandonar a linguagem dura, apercebendo-se de que a oposição armada ao regime se radicalizou substancialmente nos últimos anos e que mesmo ela já não tem o poder que tinha quando ainda controlava Alepo. E não há país europeu interessado em repetir a vaga de refugiados sírios de há dois anos. Assad, por outras palavras, tornou-se uma espécie de mal menor.
Movimentos opostos
Mas as declarações de Haley e as dezenas de mísseis americanos tomahawk lançados desde o Mediterrâneo podem não significar muito no conflito. A embaixadora na ONU foi apenas uma de três grandes figuras governamentais a aparecerem este domingo à televisão americana para explicar a aparente mudança de postura no Médio Oriente. E os espetadores ficaram com um pouco de tudo. Rex Tillerson – o secretário de Estado que amanhã viaja para Moscovo para explicar as operações das últimas semanas – disse que o futuro de Assad deve ser decidido pelos sírios, repetindo a frase-chave em Teerão e Moscovo, por exemplo. Já o conselheiro para os assuntos de Segurança Nacional, H.R. McMaster – dizendo que, afinal, não serão os Estados Unidos a retirar Assad do poder – lançou um alerta à Rússia, dizendo que deve refletir sobre a razão de estar “a sustentar este regime homicida”.
Ação, reação
O governo americano até pode não se comprometer com uma postura certa. Trump, aliás, quase não voltou ao tema dos mísseis que lançou contra a base aérea de onde o regime parece ter lançado um ataque com sarin. Mas a decisão surpresa já tem consequências que indicam que a ação militar de Washington pode comprometer Trump no futuro. O governo russo redobrou a sua aliança com a administração síria, por exemplo, e Moscovo, em conjunto com Teerão, dizia este domingo que os Estados Unidos podem esperar retaliação com um novo ataque: “A partir de agora responderemos com força a qualquer agressor ou qualquer violação das linhas vermelhas, seja quem for”, lia-se num comunicado publicado este domingo pelas tropas aliadas de Assad. “E a América conhece a nossa capacidade de responder bem.”