«Podes enganar algumas pessoas o tempo todo e toda a gente durante algum tempo, mas não consegues enganar toda a gente»
Abraham Lincoln
O chumbo do Tribunal de Contas ao empréstimo de 100 milhões de euros solicitado pela Câmara de Lisboa ao BEI, para concretização do plano ‘Lisboa XXI’ — anunciado em Outubro de 2016 com pompa e propaganda –, é o cartão avermelhado que faltava para se perceber o exagero e o desajuste com a realidade das obras em curso em Lisboa, que afetam todos os dias, há pelo menos um ano, milhares de lesados.
Dos 430 milhões de euros anunciados, foi assumido que 250 milhões viriam do Fundo Europeu de Investimento e que 280 milhões seriam aplicados pelo município de Lisboa. Com recurso a crédito a vinte anos. Com o cartão avermelhado entretanto recebido aos 100 milhões pedidos, a Câmara de Lisboa já reduziu o pedido. Primeiro, para 57 milhões; depois, para 51 milhões.
O argumento principal do Tribunal de Contas foi que o município de Lisboa está excessivamente endividado. E que não tem condições para fazer face a um compromisso desta envergadura. Todos gostamos de fazer mudanças, alterações, obras, nas nossas vidas familiares, profissionais, coletivas e no espaço público. Mas gostamos de as entender. Que façam sentido. E que sejam mesmo necessárias, úteis e que realizadas com a equidade que se impõe.
Mas tudo o que é demais e fora de tempo não presta. E Lisboa é o exemplo do exagero de obras e de propaganda fora de tempo, que faz de milhares de cidadãos de todas as idades e condições sociais vítimas de uma espiral de obras.
Ainda por cima, obras fora das prioridades nuns casos, desnecessárias e megalómanas, noutros casos, e com uma simultaneidade questionável. A legião de lesados pelas obras em Lisboa é grande. Como também é grande o número de lesados pela propaganda sobre as mesmas obras, numa volúpia de cartazes, outdoors, suportes de papel e plástico diversos, dispersos pelas ruas, bairros e sei lá mais o quê de Lisboa.
A cidade pode estar a mudar. A mudar o âmago do seu espaço público, a reforçar o pendor pedonal, a alterar a sua mobilidade, a transformar-se em território de turistas. Mas tudo isso deveria ser feito com peso e medida.
E o pior é que não é só em Lisboa que tal acontece. Em ano de eleições autárquicas, não há concelho, grande, médio, ou pequeno, que não experimente os caminhos do obreirismo dispensável e da propaganda.
É certo que nem todos exageram como Lisboa. Daí fazer sentido que se acautele, em legislação aplicável, os deveres de imparcialidade dos autarcas em ano eleitoral (a Lei 169/99 não o prevê), que se aprofunde o regime de gestão limitada nas autarquias locais (Lei 47/2005), que se aprofunde o respeito pelos princípios gerais do Direito Eleitoral, previstos no Art.113 da Constituição da República, atinentes à observância estrita de princípios como o da imparcialidade.
Separando o tempo pré-eleitoral e o tempo de exercício de funções autárquicas. Temos em vigor um quadro jurídico débil. E o que existe não protege convenientemente os lesados destes exageros. Impõe-se pois, também, alterações à Lei 1/2001, mas também ao Código do Procedimento Administrativo, em matérias tão díspares como as das garantias efetivas dos particulares.
O Presidente da República, enquanto professor de Direito, tem profusa e pertinente matéria sobre esta problemática. Neste particular, ao contrário do que acontece com os governos da República, os executivos autárquicos (sobretudo os municipais e nem tanto os de freguesia) devem ser mais limitados por lei nas suas pulsões de propaganda e de obreirismo, ambos eleitoralistas. E isto para proteger os gastos de dinheiros públicos, bem como os direitos de cidadania de que tantos cidadãos se vêem usurpados, transformando-se em lesados crónicos dos territórios onde vivem e ou trabalham.
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