Ao fim de 37 anos a conduzir os destinos da Região Autónoma da Madeira, Alberto João Jardim abriu o jogo sobre pormenores da sua vida. Fala dos que o apoiaram e dos que o traíram, comenta boatos e faz elogios. É já sabido que destaca pela positiva Marcelo Rebelo de Sousa, Durão Barroso e Cavaco Silva e pela negativa Passos Coelho e Sócrates. Mas há detalhes mais surpreendentes que até agora não eram conhecidos – os louvores a Lula da Silva e as críticas ao SIS na Madeira. A TAP – uma companhia que «ninguém até 2015 meteu na ordem e que, à custa dos bolsos dos cidadãos portugueses, constitui um Estado dentro do Estado» – e a sua foto em cuecas também não escapam.
Amadorismo do SIS
Jardim conta no livro ‘Relatório de Combate’ como 20 anos depois de democracia o SIS ainda era uma estrutura amadora em Portugal, sobretudo na Madeira. «Grande fracasso de Lisboa é a bronca do SIS que rebenta em maio, na Madeira [espionagem ao procurador da República Marques de Freitas]. Com a extensão desse serviço à Região Autónoma, a sua direção foi entregue ao Dr. Evangelista, já de certa idade, membro do Gabinete do ministro da República General Lino Miguel, e que exercera funções semelhantes no Gabinete do Marechal Costa Gomes, quando este era Comandante-Chefe em Angola».
O fundador do PSD/Madeira chega mesmo a considerar caricato o trabalho dos serviços, uma vez que sempre que lia documentos classificados ficava com a impressão de já ter lido aquilo em algum lado: «Na Madeira, o SIS era caricato. Tinha o Dr. Evangelista um motorista-jardineiro que se fazia passar por Agente, espalhando ‘informações’ absurdas para risota de todos: o ‘Agente Gabriel’. As informações nos relatórios confidenciais do SIS eram quase sempre recortes de jornal».
Mas Jardim diz saber que além da compilação de notícias, também havia vigilâncias aos autonomistas sociais-democratas e à ‘Universidade de Verão’ no Porto Santo – «Chegámos a apanhá-los com a boca na botija», afirma. Diz ainda que tais diligências eram sempre com recurso a meios não sediados na Madeira.
Adianta que em junho de 1994 o PS chegou a dizer que Jardim também foi investigado. «Guterres até quis a convocação do Conselho de Estado, mas Mário Soares não se deixa levar».
As cuecas de Jardim
A polémica capa do Tal&Qual de 1997, em que Jardim aparecia de cuecas com o título «Exclusivo e explosivo» não fica sem referência no livro ‘Relatório de Combate’. Segundo Jardim o jornalista e o fotógrafo foram convidados para a noite do desfile de carnaval com a condição de que nada do que ali se passasse podia ser publicado: «O leitor coloque-se no meu lugar. Estar numa farra carnavalesca e, a despropósito, alguém lhe fala da Assembleia da República. Claro que a resposta é dada nos termos da paródia em que se está para o desfile e adequada ao absurdo dessa conversa ali».
O antigo presidente do Governo Regional justifica assim a frase que ganhou destaque nessa edição do Tal&Qual: «Que se f… a Assembleia da República».
O madeirense diz mesmo ter ficado surpreendido quando viu o que foi publicado: «Qual não é a minha surpresa quando uma manhã, dias depois, estando no Porto – fui a um jantar do PSD em Aveiro –, vejo o jocoso transformado em ‘entrevista’ política e uma foto minha, em cuecas, a vestir-me para o corso, foto que se via apanhada à falsa fé»
Lula, o presidente moderado
As revelações atravessam o Atlântico. Alberto João Jardim elogia neste seu livro o antigo presidente do Brasil Lula da Silva, considerando-o responsável pelo crescimento económico do Brasil. Crescimento que a sua sucessora Dilma Rousseff não conseguira manter.
Lula da Silva «frequentou ‘cursos’ de sindicalismo, gestão e economia nos Estados Unidos, tendo-se sempre revelado um Presidente muito moderado – mais até do que alguns discursos demagógicos da ‘direita’ brasileira –, nada se assemelhando ao agitador que eu [Alberto João Jardim] vi duas dezenas de anos atrás».
O madeirense acrescenta ainda que «infelizmente, um espetacular crescimento económico do Brasil, num ambiente consensual generalizado entre patronato e sindicatos, acabou por sofrer uma forte recessão na presidência da sua sucessora e ficar manchado por grandes escândalos de corrupção».
Jornalismo, FLAMA, Justiça e Farpas
No livro ‘Relatório de Combate’ são feitas críticas ferozes à Justiça, que Jardim diz funcionar com base em denúncias anónimas e à criação da Alta Autoridade para a Comunicação Social (atual ERC), por se tratar de uma monstruosidade: «É imprópria de um regime democrático, onde não tem de existir qualquer intervenção corporativo-administrativa na Liberdade de Imprensa, cabendo exclusivamente aos Tribunais garantir a legalidade».
Existe ainda uma referência sobre o antigo Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro. O antigo líder madeirense diz que se trata de uma pessoa «simpatiquíssima, mas que nunca conseguiu livrar-se de ser identificado com a impropriamente denominada ‘esquerda’».
Um dos detalhes que Jardim faz questão de frisar é que nunca pertenceu ao movimento FLAMA, que defendida a independência da Madeira.
O livro começa com duas farpas logo na introdução. Jardim dá conta de que o Governo Regional da Madeira recusou a doação dos direitos de autor desta obra para a região, agradecendo ao Instituto Social Democracia da Madeira tê-los aceitado, e elogia a editora Dom Quixote por não ter tido o medo que outras editoras tiveram para publicar este ‘Relatório de Combate’.