Há um ponto em que BE e PCP alinham com PSD e CDS nas críticas ao governo: o fraco investimento público preocupa tanto as bancadas mais à esquerda como as mais à direita. O consenso fica-se, porém, pela constatação de que os níveis de investimento no Estado estão historicamente baixos – em 2016 ficaram a níveis de 1995. Em tudo o resto, esquerda e direita estão em desacordo. E esse desacordo é suficiente para que BE e PCP continuem a apoiar o governo e garantam amanhã com os seus votos que os projetos de resolução do CDS sobre o Programa de Estabilidade e o Programa Nacional de Reformas serão chumbados.
Se à direita gostariam de ver “reformas estruturais” e impostos mais amigos das empresas e dos investidores, à esquerda apontam-se as regras orçamentais europeias como um “espartilho” que impede um maior investimento público e um maior crescimento económico.
10 mil milhões de lucro “O país não é feito de números, mas de pessoas”, afirmou o líder da bancada parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, questionando o objetivo de alcançar em 2021 um saldo primário de 10,7 mil milhões de euros inscrito no Programa de Estabilidade desenhado por Mário Centeno.
Para o BE, não faz sentido que o Estado fique com este “lucro” depois de pagar as suas despesas e o use para fazer face aos juros da dívida e manter uma almofada financeira, em vez de investir este dinheiro nos serviços públicos. “O governo vem propor neste PE, para cada ano até 2021, um bloqueio da despesa pública. A despesa pública vai crescer abaixo do PIB. Ou seja, nos próximos cinco anos, o Estado vai gastar 19 mil milhões abaixo daquelas que seriam as suas possibilidades”, notou Mariana Mortágua, que considera que esta é uma “política errada”.
BE e PCP aproveitaram mesmo o debate parlamentar sobre o Programa de Estabilidade e o Programa Nacional de Reformas para começar a discutir medidas para o Orçamento do Estado para 2018.
“É preciso reverter o saque fiscal do anterior governo, impedir que as pessoas de mais baixos rendimentos comecem a pagar IRS, é preciso aumentar escalões e reduzir a taxa de imposto dos escalões mais baixos e intermédios”, lembrou o deputado do PCP Paulo Sá. “Como é que estas medidas orçamentais são compatíveis com o espartilho orçamental?”, quis saber o comunista.
Mário Centeno não foi, contudo, claro na resposta. Centeno evitou explorar o tema do investimento público e coube ao ministro do Planeamento e Infraestruturas, Pedro Marques, lembrar que está previsto para este ano um aumento de 35% no investimento público.
O ministro das Finanças preferiu simplesmente garantir à esquerda que o governo pretende honrar os seus acordos. “Este governo tem cumprido todos os compromissos internos, todos os compromissos que assumiu na Assembleia da República, todos os compromissos que assumiu com os parceiros sociais, mas também todos os compromissos externos”, garantiu o governante perante a insistência dos deputados do BE para que se comprometesse com o aumento – que não consta destes programas – do salário mínimo nacional para os 600 euros até ao final da legislatura.
Ao contrário do que aconteceu no ano passado, desta vez, António Costa não veio ao parlamento apresentar o Programa Nacional de Reformas e o Programa de Estabilidade – uma ausência que mereceu o reparo de Luís Pedro Mota Soares, do CDS, que lamentou que o primeiro-ministro não tenha tido “o vagar de vir à Assembleia da República apresentar o seu PNR”.
Mota Soares lamentou que o governo tenha “perdido o ímpeto reformista” e atacou o facto de Costa ter dito numa entrevista que até se “arrepia” quando ouve falar em reformas estruturais. “O que nos arrepia é o investimento público ter caído para níveis de 1995”, criticou o centrista.
“O PNR não apresenta uma única reforma estrutural”, concordou a deputada social-democrata Maria Luís Albuquerque, que acha que estes programas são “uma oportunidade perdida”.
Para os ministros Mário Centeno e Pedro Marques, estas críticas da direita são apenas fruto da frustração de o diabo, afinal, não ter aparecido e de os indicadores económicos serem todos positivos. “As previsões de todos os que viam e anunciavam o descalabro falharam, em especial daqueles que apelaram ao sobrenatural. Estavam todos errados”, afirmou o ministro das Finanças. “É com expetativa, portanto, que ainda aguardamos que o líder da oposição cumpra o que prometeu quando, há mais de um ano, lhe perguntaram o que faria se a estratégia resultasse e respondeu: ‘Com certeza passaria a recomendar o voto no PS, no PCP ou no BE’”, lembrou o ministro do Planeamento e Infraestruturas.