Na terça-feira, dia 11 de abril, à noite a Vanessa esparramou-se no sofá e decidiu ver a entrevista de Macron à RTP. Não é que a Vanessa ande a seguir com minúcia as presidenciais francesas mas, na realidade, apesar de estar uma noite de lua cheia e semi-Verão, ela escolheu o sofá. A partir de uma determinada idade, na ausência de um cão, o sofá corre seriamente o risco de se tornar no melhor amigo do homem. Neste caso, de uma mulher. O apego a objetos inanimados pode trazer imensa felicidade e a velha ideia do ser gregário, do homem ser um animal social, está sobrevalorizada – ou como se diz agora, em inglês que é mais giro, overracted.
– Eh pá, decidi escrever uma carta ao Macron.
Eu, que gasto pouco dinheiro em copos e em mulheres, tirando a minha subsistência e um ou outro almoço que pago à Vanessa, tenho o terrível defeito dos países do Sul que é considerar insuportável um telefonema antes das 10 da manhã. Juro que gostava de não ser assim: um madrugador tem sempre uma superioridade moral que me custa não atingir. Isso e uma boa dona de casa. Falhei nos dois campos. E enquanto eu pensava que a Vanessa, conhecendo-me há mais de 20 anos, devia saber perfeitamente que nunca me poderia telefonar antes das 10 e ainda matutava no sonho perturbador que me tinha ocupado a noite, a Vanessa anunciou-me a sua decisão.
– Vou votar Macron.
– Tu não votas em França, pá.
– É como se votasse. Escolhi-o.
– Mas a propósito de quê?
– Há coisas que eu gosto nele. E não é assim tão de direita como se dizia.
– Ele diz que não é de esquerda nem de direita.
– Vou escrever-lhe uma carta.
– A que propósito?
– Apetece-me. Não é normal que às pessoas lhes apeteça escrever cartas?
Lembrei-me logo do estado em que estava Moses Herzog quando desatou a escrever cartas a toda a gente, do Presidente dos Estados Unidos a tipos menos importantes. Saul Bellow também não devia estar em bom estado, porque dizem que Herzog é a sua novela mais autobiográfica (não são todas?) mas pelo menos ainda veio a ganhar o Nobel. O estado da Vanessa parecia-me mais preocupante.
Há bocado recebi no mail a seguinte carta dirigida a Emmanuel Macron. A Vanessa pedia-me a opinião antes de a pôr no correio tradicional. Resolvi não a dar.
«Mon cher Emmanuel Macron. Pardonne-moi por não continuar esta carta em francês. Je suis da geração que em Portugal já não estudou francês, mas mesmo assim muito mais nova que a Brigitte, a sua mulher. Arranje um tradutor, por favor ou s’il vous plaît. A minha questão é esta: desejo sinceramente a sua eleição como Presidente de França. Acho que vai ser fundamental para mudar as mentalidades. Não tanto por ser um independente, um europeísta, um liberal e não sei que mais. O que me interessa é que o facto de continuar casado com uma mulher mais velha 24 anos pode criar uma alteração epistemológica nas relações amorosas com que nós, mulheres, sonhamos há muito tempo. Se o seu caso fizer escola, as mulheres com mais de 40 anos (ou qualquer coisa a mais) poderão sonhar com um futuro melhor. Confesso-lhe que não me importava de namorar com o tipo como o senhor, ou que pelo menos tivesse a sua idade, 39 anos, benza-o Deus. Os homens da minha idade, e isto é chato de dizer, ou são casados ou irremediavelmente malucos. E a partir de uma certa idade, uma pessoa perde a pachorra para namorar homens casados. Urge que uma mudança seja posta em marcha. Ou, como v. diz, en marche! Ici au Portugal precisamos do seu exemplo. Muitos bisous. Vanessa».