“Quis saber quem sou/O que faço aqui/Quem me abandonou/De quem me esqueci…” cantava Paulo de Carvalho às 22 horas e 55 minutos do dia 24 de Abril de 1974 através dos_Emissores Associados de Lisboa. A Revolução estava em marcha com “E Depois do Adeus”, escrito por José Niza. Era como se dissesse: “Firmes nos seus postos!”
Três dia antes, o Campeonato Nacional da I divisão disputava-se em clima igualmente revolucionário. Eu explico! Eu explico! O Sporting ia na frente da classificação e deslocava-se ao campo do último, o Beira-Mar. Vai daí, um empate. Um empate!!! Com três pontos de exclamação, pois então, tal a surpresa da coisa. Sabe-se como Aveiro é terra de leões. Isto é, de sportinguistas – curiosamente, também de belenenses. Por isso, o velhinho Mário Duarte, ali rodeado pelas frondosas árvores do parque dos antigos franciscanos do Convento de Santo António, ficou ainda mais verde. Havia gente até dependurada dos ramos das tílias, segundo consta. Talvez exagero…
O Sporting tinha Dinis e Marinho e Yazalde, e Nelson e Wagner mas era a tarde de Inguila. E de Soares e Carlos Marques. E da sorte de Damas que viu Edson chutar uma bola na trave. Enervou-se o keeper. Ouviu das boas atrás de si, porque também alguns beira-marenses faziam barulho, perdeu a tramontana e vai de apanhar um calhau, atrás da baliza, e atirá-lo ao público. Confusão instalada. Que de nada servia os propósitos leoninos, condenados a perder um ponto (1-1 no final, golos de Yazalde e Alemão, na segunda-parte) para o Benfica que, na Luz, recebia a Académica e ficava só a um pontinho de distância do comandante e rival.
Fartura em tons de vermelho: 5-0. A Académica de Vala (tão recentemente falecido quase anoninamente), de Manuel António, Vítor Campos, Brasfemes, Norton de Matos, atropelada sem piedade pelos golos de Nené (2), Toni e Vítor Baptista.
Claro que toda a gente fala, e continuará a falar, da viagem do Sporting a Magdeburgo, para jogar a meia-final da Taça das Taças, com a comitiva impedida de regressar a Lisboa por causa do encerramento do aeroporto. Mas esse já se transformou num tema pisado e repisado, mastigado até á exaustão.
Falemos, por isso, desses clubes que enxameavam a I Divisão e desapereceram no limbo das divisões secundárias e terciárias. A CUF, de Capitão-Mor, e Conhé e Manuel Fernandes, recebendo o Boavista de Bernardo da Velha, Amândio, Mário João e Taí (0-0), condenada ao desparecimento em pouco tempo por via da nacionalização da Companhia União Fabril, dos Mellos do Barrreiro.
O Montijo, na aflição da descida, com João Alves, esse mesmo, das luvas pretas, Francisco Mário e Carolino, levando três em casa do Vitória de Setúbal de luxo: Rebelo, Mendes, Matine, Octávio, Câmpora, Duda, Arcanjo e José Torres, o Bom Gigante. O Oriental de Quim (o Cruyff de Marvila), Móia e Sapinho, lutando bravamente com o Belenenses de Pietra e Murça, de Quinito e Freitas e do grande Gonzalez, perdendo à justa (2-3) na Azinhaga dos Alfinetes.
E o saudoso Barreirense, batendo-se nas Antas até ao último suspiro (0-1), com um FC Porto a lutar com o Vitória de Setúbal pelo terceiro lugar. O golo foi de Nóbrega, mas os azuis e brancos tinham o paraguaio Cubillas, e Rolando, Rodolfo e António Oliveira.
22 de Abril. Fechava-se a jornada 27. O Sporting viria a ser campeão. O primeiro campeão da Liberdade. Barreirense e Montijo seriam despromovidos. Yazalde marcou golos como ninguém. O tempo passou e os alcatruzes da nora da vida trouxeram outros clubes, outras realidades, outras cidades, novas regiões ao futebol em Portugal. A margem sul de Lisboa desapareceu aos poucos, o Minho reforçou-se, o norte conquistou uma hegemonia que duraria épocas a fio.
“E depois do amor/E depois de nós/O dizer adeus/O ficarmos sós”, cantava o Paulo de Carvalho antes de ser a vez de Zeca Afonso e de Grândola Vila Morena.
Antes do Depois do Adeus. A Revolução saía à rua. O povo unido recusava-se a ser vencido. Na letra de Niza não há “depois do adeus”… Só ganhar e perder. Como no futebol.