“Houve jornais que ainda foram enviados à censura no dia 25 de Abril”

Arons de Carvalho era colaborador do jornal “República”e soube da revolução um dia antes.

Arons de Carvalho era colaborador do “República”, um jornal ligado ao Partido Socialista, e revela que vários jornalistas tiveram conhecimento com antecedência do 25 de Abril. O ex-secretário de Estado da Comunicação Social diz que se viveu “um ambiente de euforia” na redação do jornal dirigido por Raul Rego.

Os jornais foram surpreendidos pelo 25 de Abril ou já existiam informações, através dos militares, de que poderia acontecer alguma coisa?

No jornal “República”, eu soube um dia antes, no dia 24, e havia várias pessoas no jornal que sabiam disso. Isso não era assumido publicamente, nem na própria redação, mas as pessoas conversavam e algumas sabiam. Eu soube através do Álvaro Guerra, que tinha ligações ao PS e esteve envolvido no 25 de Abril. Na véspera disse-me e contou-me até como é que iria ser a senha.

Como é que esse dia foi vivido no jornal?

Nós já não mandámos nada para a censura. Aliás, o jornal “República” estava a cem metros da censura e nós assistimos à invasão e destruição da censura. O jornal “República” era um sítio privilegiado para obter informação e muitos de nós jornalistas ou colaboradores, como era o meu caso, passaram lá o dia todo.

Como era o ambiente na redação do jornal?

De grande euforia. O jornal “República” no dia 25 de abril fez questão de pôr na primeira página: “Este jornal não foi visado por qualquer comissão de censura”. Houve outros jornais que ainda enviaram documentação para a censura.

No próprio dia 25 de Abril?

Sim. Eu sei disso, porque a sede da censura foi atribuída ao Partido Socialista e, numa visita às instalações com o Manuel Serra, em maio de 1974, deparei-me com o gabinete do diretor dos serviços de censura – que não tinha sido invadido e destruído – tal como ele tinha sido deixado no dia 25 de abril. Havia em cima da mesa os tais linguados, que eram as folhas que eram submetidas à censura, por parte dos jornais e algumas delas eram notícias sobre movimento militares. Creio eu que eram do “Diário de Notícias” e do “Século”.

Existiam dúvidas ainda em alguns jornais sobre o que estava a acontecer.

Exatamente. Alguns jornais continuaram a enviar para a censura, até que os censores fugiram na manhã do dia 25.

Foi grande a transformação dentro dos jornais?

Sim. Aquela linguagem subliminar para tentar tornear a censura, às vezes para tentar enganar o censor, essa linguagem cessou. Os jornais passaram a utilizar uma linguagem mais frontal e mais direta, mas estou convencido de que os jornalistas mais velhos tiveram mais dificuldades em adaptar-se. Já era permitido dizer tudo ou pelo menos muitas coisas com grande frontalidade e sem qualquer rodeio.

Houve um jornalismo mais militante a seguir ao 25 de Abril.

Naquela altura, os jornalistas podiam ter cor partidária. Hoje em dia nós não conhecemos jornalistas que afirmem: eu sou militante deste ou daquele partido. Naquela altura os jornalistas podiam ser militantes, dirigentes, deputados… Havia deputados que eram jornalistas. Os jornalistas afirmavam a sua cor partidária e isso hoje é inadmissível. Havia um alinhamento partidário mais ou menos aceite por parte dos jornais. O “Diário” era do PC, o “República” e a “Luta” do PS. O “Tempo” e o “Dia” eram mais ligados ao PSD ou ao CDS. Isso mudou completamente.

Os jornais venderam mais nos tempos que se seguiram ao 25 de abril?.

Não tenho dados concretos, mas as tiragens dos jornais aumentaram muito. Houve uma tendência muito grande para os jornais terem maior difusão. As tiragens aumentaram bastante.