Luís Coutinho, ex-administrador da PT, afirmou aos investigadores da Operação Marquês que José Sócrates se opunha à OPA da Sonae – ao contrário do que este ainda recentemente afirmou. E revelou que, após ter votado a favor dessa OPA, contrariando a posição governamental, foi chamado pelo ministro Mário Lino, que o repreendeu pela posição adotada.
Esta questão voltou recentemente a ser objeto de polémica depois de Paulo Azevedo, líder da Sonae, ter dito que «estavam todos feitos» para chumbar a OPA.
Sócrates respondeu a Azevedo num artigo do DN, afirmando que «o Governo da altura assumiu uma posição de estrita imparcialidade, nem contra nem a favor da OPA». E adiantou que quem fez pressão junto do Governo foi o presidente da Sonae, solicitando-lhe que revisse a sua posição e desse instruções à Caixa para apoiar a OPA. «Respondi-lhe que o Governo não o faria e que se manteria fiel à sua conduta inicial de estrita neutralidade», escreveu Sócrates.
Mas em declarações aos investigadores, o então administrador da PT Luís Coutinho refuta por completo essa versão.
Administrador fora convidado pelo Governo
Tendo sido convidado para administrador não executivo da empresa em 2006, pelo próprio ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Mário Lino, Coutinho esclareceu que votara a favor da OPA por sua iniciativa, pois apesar de nomeado pelo Estado era um administrador independente. Mas essa posição de ‘rebeldia’ seria verberada pelo ministro, depois da Assembleia Geral em que a operação foi chumbada por 46,6% contra 43,9%.
Coutinho afirmou que os restantes administradores votaram contra a OPA por receio de perderem os seus lugares e também por obediência aos acionistas que representavam, em particular o BES, que tinha dois membros no CA: Joaquim Góis e Amílcar Morais Pires.
E recordou o reforço prévio da posição de alguns acionistas, como a Ongoing, que meteu na administração da PT os seus principais elementos: Nuno Vasconcelos e Rafael Mora. Este grupo, sustenta o MP, terá sido aliás financiado por Ricardo Salgado com o objetivo de reforçar a sua presença no capital da PT.
Vara teve contribuição decisiva
Para o chumbo da OPA foi ainda decisivo o voto da Caixa Geral de Depósitos, detentor de 5,11% do capital. O representante da CGD foi Armando Vara, que o MP suspeita ter recebido um milhão de euros de ‘luvas’.
Luís Coutinho diz, no entanto, que o chumbo aconteceria de uma maneira ou doutra, pois o Governo recorreria à golden share para reprovar a venda.
O Ministério Público suspeita que Sócrates também recebeu ‘luvas’ do saco azul do BES para se opor à OPA – facto que abriu caminho ao ‘uso’ posterior da PT num conjunto ruinoso de negócios em que acabou destruída. Destes negócios terão beneficiado, segundo a investigação, vários indivíduos em Portugal e no Brasil, designadamente o próprio Sócrates, Ricardo Salgado, Zeinal Bava, Henrique Granadeiro, Lula da Silva e José Dirceu.
Na sequência do chumbo da OPA – informou ainda Luís Coutinho –, foram deliberadas pela administração da PT medidas de compensação dos acionistas, como a distribuição de um dividendo extraordinário (o que satisfazia a necessidade de liquidez do BES, então já a atravessar uma grave crise) e a separação da PT Multimedia, operação que, tal como a primeira, também gerou ganhos vultuosos aos detentores do capital da operadora.
A OPA seria ainda contrária aos interesses do BES por outra razão: por estar em cima da mesa o projeto de criação de um grande grupo lusófono de comunicações – onde se iria diluir a posição do banco liderado por Ricardo Salgado, que perderia influência na gestão.
Reunião entre Granadeiro e Dirceu na herdade de Monsaraz
No seu depoimento aos investigadores, Luís Coutinho revela que, meio ano depois da OPA frustrada de 2007, Henrique Granadeiro e José Dirceu encontraram-se na herdade que o português possui próximo de Reguengos de Monsaraz, tendo estado presente também o advogado Abrantes Serra – que servia de intermediário a José Dirceu, antigo chefe da Casa Civil de Lula da Silva (entretanto condenado no seu país por tráfico de influências e enriquecimento ilícito).
Note-se que o escritório de Abrantes Serra esteve envolvido, com Henrique Granadeiro, no esquema de faturas forjadas que serviram para o BES pagar ‘luvas’ a Dirceu, que atingiram 217.875 euros. Dirceu e Granadeiro voltariam a encontrar-se em Nova Iorque para falar dos negócios brasileiros, reunião em que também participou Luís Coutinho (que já tinha estado presente na anterior).