«A França muda mas uma grande parte dos franceses recusa a mudança. Isto explica tudo ou quase tudo»
Michel Gauchet, Filósofo
Já na sua obsessão antiamericana, Jean-François Revel chamava a atenção para muitas semelhanças entre os EUA e a França. Sobressaindo algumas no domínio da natureza do regime e do sistema político. Formalmente republicano. Mas de ritos e solenidades aristocráticas. De tradição e modo quase monárquico.
Recuando ao tempo mais recente, basta ter presente a pompa e a solenidade de François Mitterrand, laico e socialista, no exercício dos seus mandatos presidenciais. Dentro e fora de França (vejam-se as suas visitas a Portugal).
A França vive ainda (mesmo que não o assuma direta e formalmente) com saudades da luminosidade do seu passado. Enquanto potência europeia e mundial.
As eleições do passado fim de semana foram, apenas e só, a primeira volta das eleições presidenciais. A segunda volta, entre Marine Le Pen e Emmanuel Macron, também será apenas a segunda volta. Sim, porque a terceira e importante última volta serão as eleições legislativas de Junho. Onde a coabitação à francesa será colocada à prova.
A França, por vários motivos, tem sido (e é) um laboratório político para a Europa. No bom e no mau sentido.
É um país que só gosta do projeto europeu quando as coisas correm de feição. A PAC (Política Agrícola Comum) é bem o exemplo disso.
A França real, fora do cosmopolitismo de Paris, é uma França fechada sobre si mesma, tradicional, antiglobalização, nacionalista e devota a valores de vida, à esquerda e à direita, pouco comparáveis com a sociedade aberta.
Os representantes dos extremos (à direita e à esquerda) tiveram mais de 40% dos votos. Que representam o âmago do que pensa a França profunda, do povo e das pessoas desvalorizadas e espezinhadas pelos ditames da nova ordem (que começa a ficar velha) europeia e mundial.
Esta maioria tem sido travada no acesso à representação parlamentar por um método eleitoral (maioritário simples, a duas voltas) impróprio de um sistema político semipresidencial.
Não fora isso – se fosse um método proporcional ou o de Hondt –, outro galo cantaria.
A França é demasiado importante para a Europa para não ser valorizada e ouvida. Mas atenção: ao ser ouvida, é bom que a saibamos ouvir. É preciso que os europeístas militantes e os burocratas das suas instituições percebam que cada vez mais franceses não querem a Europa atual.
O que a França está a dar à Europa é um grande cartão amarelo. Se não quisermos perceber isso, e fizermos de conta que o senhor Macron vai ganhar e porá tudo debaixo do tapete, estaremos a adiar o problema.
Se eu fosse francês, na segunda volta votaria Macron. Mas sem entusiasmo. Até porque o senhor Macron parece-se muito com um político que também veio da esquerda e trabalha há vários anos para o senhor Putin, na Rússia: Gerard Schroeder.
O seu arzinho compostinho Pepsodent, de mão dada com a sua mulher sexagenária, provoca-me muitas interrogações. Mas adiante.
Abaixo Le Pen! Acima Macron! Mas viva o cartão amarelo da França à Europa. A Europa merece-o. E de que maneira. A marcha contra a Europa e alguns dos seus defensores engrossa. Vamos ver até onde. E quando será maioritária. À semelhança do que aconteceu com o Império Romano do Ocidente.
E deve dizer-se com frontalidade e alto e bom som: só existe este cartão amarelo à França porque o laico, republicano e socialista François Holande falhou em todo o seu mandato.
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