Não houve grande discussão. Os seis homens portugueses que acabavam de aterrar em Bruxelas concordaram: o jantar dessa noite seria num restaurante de comida portuguesa.
Saiu-se rapidamente do aeroporto patrulhado por forças militares. Entre o hotel e o estabelecimento de ementa compatriota, lamentou-se a primavera belga – que sabia a inverno lusitano – e brincou-se:
“Estamos agora entrar na Segunda Circular”, soltou um dos veteranos da indústria do táxi, ao contemplar uma via rápida igualmente cinzenta e preenchida. “Ponha lá na rádio Amália, que isso é que é a rádio do táxi” – e outra piada.
A princípio, por força do hábito, a carrinha alugada ainda circulou na faixa BUS, mas essa nostalgia não durou tanto quanto outras.
“O único canal de televisão em que se fala português é a TV Record”, partilhou outro membro da comitiva.
Tão longe do seu país, mas ainda levando Portugal consigo.
“O meu filho adora viajar. Se ele pudesse não fazia outra coisa! Em três anos, viajava o que eu viajei a vida toda. Mas eu não gosto…”, comprova um dos seis.
A Antral (Associação Nacional dos Transportadores em Automóveis Ligeiros) foi a Bruxelas instituir a Aliança Europeia do Táxi com os seus homólogos italianos e espanhóis. A soma dos membros da Antral com a Federação Espanhola do Táxi e a Unidade do Radiotáxi de Itália ronda os cerca de 100 mil motoristas de táxi.
De manhã, assinaram-se e acordaram-se os estatutos num cartório notorial belga. Nas celebrações, Florêncio de Almeida, presidente da Antral, escaparia habilidosamente a um beijo nas faces de um gigante dirigente italiano. No que toca a cumprimentos, os portugueses ficaram-se pelo aperto de mão com palmadas nas costas.
Aos 73 anos, o líder veterano não planeia parar. Olha para o dia-a-dia com satisfação e não receia o futuro.
“O empreenderorismo é uma questão de feitio, o que eu sei é o que o trabalho dá saúde”, sorri ao i.
O táxi sob ataque e a atenção da comissão europeia
Durante a tarde, a recém-formada aliança europeia do táxi foi também recebida no Parlamento Europeu. Estiveram presentes eurodeputados dos três países do sul da Europa, assim como David Sassoli, vice-presidente do Parlamento Europeu e membro da Comissão dos Transportes e do Turismo.
Sassoli saudou a vinda dos profissionais do setor ao Parlamento Europeu, a criação da Aliança e não foi de modas:
“O mercado do táxi está sob ataque”, destacando a importância da concorrência justa de modo a assegurar os direitos dos “agentes europeus” num cenário em que, diz Sassoli, “há violações das regras europeias”.
“A Europa esta numa fase difícil da sua relação com os cidadãos, mas não devemos ter medo”, tranquilizou o eurocrata.
Para Sassoli, “a questão do setor de serviços no mercado único” é importante, na medida em que será necessário”decidir regras de mercado” e “mais eficácia”.
O vice-presidente do Parlamento Europeu assegurou os dirigentes do táxi de que o assunto “despertou a atenção da Comissão Europeia”.
Florêncio de Almeida, por outro lado, veio lembrar que o setor dos táxis é “um dos mais regulamentados na economia de hoje” e que “não será possível ter concorrência justa visto que estas plataformas não estão reguladas». “Sem regulação, como vamos competir?”, inquiriu o dirigente o português.
O mesmo jogo não pode ter regras diferentes
Fernando Ruas, eurodeputado do PSD presente na sessão, destacou os táxis como “fonte de coesão social”.
“O Parlamento Europeu é diretamente eleito pelos cidadãos” e nesse sentido Ruas considera-o a instituição ideal para “promover o associativismo”, incentivando a Aliança Europeia do Táxi a acolher mais Estados-membros. “É um gosto continuar um nome dos amigos dos taxistas”, admitiu o social-democrata.
Ao i, Fernando Ruas, afirmou que o facto de “os profissionais de táxis e as suas associações quererem fazer a assinatura de uma grande associação na casa da democracia europeia é muito importante”. “A forma clara e muito justa como colocam o problema” é um “objetivo que todos partilhamos”, disse.
“Eu não imagino um campo de futebol em que duas equipas joguem com regras diferentes…» atirou, sem referir as novas plataformas rivais do setor táxi, como a Cabify ou a Uber.
A Aliança Europeia do Táxi visa apoiar regulações no que toca à sustentabilidade e à qualidade do serviço do setor.
Loreno Bittarelli, líder dos taxistas italianos, apelou a um protagonismo da “tecnologia, da qualidade, do ambiente e da segurança”. Miguel Ángel Leal, da Federação Espanhola do Táxi considerou que o modelo atual “não protege os direitos vigentes”, nomeadamente em questões de segurança e eficiência.
Carlos Zorrinho, do Partido Socialista, esteve presente no almoço mais tarde realizado.
E para Freixo de Espada, quem o leva?
De regresso ao hotel, José Faria Monteiro, vice-presidente de Florêncio de Almeida, contou ao i: “A minha mãe começou a trabalhar num táxi em 1964. A lei permitia andar de ‘meia-manga’ de 1 de maio a 31 de outubro”, relembrou ele, que preferiu a profissão aos estudos e não está arrependido. “Tive uma vida muito boa. Continuo a gostar de conduzir”.
Ao verem um colega belga parar o seu táxi em pleno cruzamento, reclamou-se, mas não se buzinou. Ao verem um civil parar o carro na passadeira, exclamou-se: “Respeitam os pedestres. São uma sociedade evoluída”.
A conversa continua, já a chegar ao destino de regresso, e do banco de trás da comitiva ouve-se:
“O táxi nunca vai acabar. Pergunte à Uber se vai para Freixo de Espada à Cinta”.
Ontem, precisamente, o tribunal da Relação de Lisboa deu razão à Antral no processo que impede a Uber de operar em Portugal.