Os dias não estão fáceis para Adalberto Campos Fernandes. O ministro da saúde enfrenta a sua primeira greve de médicos com uma adesão de 90% no primeiro dia – segundo os sindicatos – isto ao mesmo tempo que os enfermeiros começaram também uma greve de zelo, por tempo indeterminado.
A greve de dois dias antecede a tolerância de ponto atribuída pelo governo a toda a função pública, o que resulta em três dias seguidos de perturbação nos serviços hospitalares. E o braço de ferro entre os médicos e o ministro, por causa do corte do pagamento das horas extraordinárias e do número de horas do trabalho suplementar, parece estar para durar. De um lado, Adalberto Campos Fernandes diz que não negoceia com os médicos “sob pressões” e, do lado oposto os sindicatos avisaram ontem que não admitem ser tratados como “um grupo de garotos” que “brincam às negociações”, acusando o ministro de encarar as negociações “com ligeireza”.
Os médicos já fizeram entretanto saber que, caso as negociações não sejam desbloqueadas nas próximas duas semanas, os protestos vão subir de tom. Em cima da mesa está uma nova paralisação, a recusa de horas de trabalho extraordinário além do limite definido ou a recusa de fazer urgência, no caso dos médicos que já tenham ultrapassado a idade em que podem dispensar o serviços (55 anos às urgências durante o dia e 60 anos durante a noite). No que toca à greve em curso, ontem a única reação do governo chegou pela voz do primeiro-ministro, a quem os médicos entregaram uma carta no início da semana. Confrontado pelo PSD no parlamento, durante o debate quinzenal, António Costa admitiu que gostaria de ter feito mais no setor e garantiu que irá continuar as negociações dentro do calendário previsto, que termina em setembro, até que seja alcançado “um acordo justo, razoável e sustentável”.
Os dois maiores sindicatos dos médicos – o Sindicato Independente e a Federação Nacional dos Médicos – agendaram a greve há cerca de um mês, depois de terem reunido com o governo durante o último ano para negociar um conjunto de medidas. Em causa está a limitação do trabalho suplementar a 150 horas, em vez das atuais 200, a imposição de um limite de 12 horas de trabalho em serviço de urgência, a redução do número de utentes por médico de família e a reposição do pagamento de 100% das horas estraordinárias.
Consultas remarcadas para o próximo mês Até ao momento, o ministério não divulgou quantas consultas e cirurgias serão desmarcadas por causa dos dois dias de greve e da tolerância de ponto, amanhã.
Contactados pelo i, alguns dos maiores hospitais do país esclarecem que a atividade adiada está a ser remarcada para este mês e o próximo. O Centro Hospitalar Lisboa Central, a que pertence por exemplo o Hospital de S. José, garante que a atividade terá lugar ainda em maio. No Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, as consultas e cirurgias já desmarcadas foram reagendadas, em média, para daqui a um mês. “O reagendamento foi feito de acordo com critérios clínicos”, disse ainda fonte oficial do centro hospitalar.
Também o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, Alexandre Lourenço, confirmou que as consultas e as cirurgias marcadas foram afetadas pela greve. Mas, de forma a evitar uma maior perturbação nos serviços do SNS e nos utentes, muitas acabaram por ser antecipadas ou remarcadas por iniciativa dos médicos que aderiram ao protesto.
Enfermeiros em greve por tempo indeterminado A par da greve dos médicos arrancou ontem também um protesto dos enfermeiros por tempo indeterminado, que conta com o apoio da Ordem.
Mas, no caso dos enfermeiros, o protesto não passa pela paralisação total do trabalho. Ou seja, continuam a trabalhar mas cumprindo apenas com o mínimo exigido nas suas funções e sem pressa para dar mais assistência aos doentes. É a chamada greve de zelo. “Na prática, só acabaremos de cuidar de um doente quando este tiver recebido todos os cuidados, independentemente do tempo que demorar. Não vamos andar a correr”, disse à agência Lusa o presidente do Sindicato dos Enfermeiros, José Azevedo.
Estes profissionais de saúde acusam o ministério de falta de diálogo e de não acolher as reivindicações sindicais. Em causa está a diferença salarial entre enfermeiros com as mesmas funções que resulta da falta de categorias na carreira.