Juan Pablo Escobar tinha 16 anos quando, a 2 de dezembro de 1993, o seu pai, o famoso traficante de droga Pablo Escobar, foi morto. Tinham falado ao telefone momentos antes. No período que se seguiu, Sebastián, a sua mãe e a sua irmã foram assediados e ameaçados pelos rivais do seu pai, acabando por ter de abandonar a Colômbia por motivos de segurança. Apenas conseguiram asilo em Moçambique, onde passariam pouco tempo, vindo depois a fixar-se na Argentina.
Desde que em 2014 escreveu Pablo Escobar, O Meu Pai (ed. Planeta), onde mostrava o barão da droga em privado e as suas excentricidades, como o jardim zoológico privado que mandou instalar na fazenda Nápoles, Juan Pablo tem andado em tournée pelo mundo a apresentar o livro e a dar conferências em que conta a sua história. Ao sucesso da obra seguiu-se o sucesso ainda maior da série da Netflix Narcos, à qual apontou vários erros. Um pouco como resposta, acaba de lançar Pablo Escobar – O Que O Meu Pai Nunca Me Contou (ed. Planeta), um retrato onde, explica, «quem tem mais voz são os inimigos do meu pai, os que o odiaram».
Desde que lançou o primeiro livro que não tem parado de viajar por todo o mundo. Não se cansa?
Não. Gosto de saber como diferentes países, culturas, pessoas entendem a minha história – e a do meu pai. O meu pai claramente é um personagem internacional, a sua história também, e interessa-me saber como outros o veem.
Mas não gostou da forma como a série Narcos o mostrou…
A única coisa que gostei nisso foi que me ajudou a vender muitos livros. O que lamento é que há uma grande quantidade de jovens em todo o mundo que querem ser ‘narcos’ graças à Netflix, porque mostraram uma imagem glorificada da atividade criminal do meu pai. E juntaram a esta história um glamour que ela nunca teve. A relação que o mundo tem com a história do meu pai vai além do interesse. É mais um fanatismo. E a forma como outros estão a contar a história do meu pai está a incitar toda uma geração a querer ser como Pablo Escobar. Os jovens pensam que ser ‘narco’ está na moda, é cool.
Mas acha que uma série de televisão tem de ter um caráter moral?
Se a série te diz que está a contar a verdade, sim. O que acontece é que a Netflix vende a série ao mundo dizendo «esta é a verdadeira história». Quando alguém protesta, respondem: «É ficção». Assim é muito cómodo… Mas é grave porque cria-se uma geração de jovens com uma falta de valores humanos porque a história não está bem contada.
Viu todos os episódios?
Obviamente, se não não falaria.
Mas não retira nenhum prazer…
Não, não desfruto nada. Eu vivi esta história na pele, não através da televisão.
Ofereceu-se para ajudá-los?
Seis meses antes de começar a rodagem da primeira temporada ofereci acesso sem restrições a todo o meu arquivo.
A troco de dinheiro?
Grátis não ia ser… Não ia ajudar a Netflix a ficar mais milionária enquanto eu fico pobre. Mas obviamente optaram pela versão da DEA para encobrir a responsabilidade do establishment norte-americano na corrupção interna que permitiu ao meu pai ser tão poderoso.
E pensa que esses erros foram intencionais?
Claro que sim. Têm uma intenção política claríssima. Vamos em duas temporadas e ouviste alguma vez o nome de Barry Seal? A DEA [Drug Enforcement Agency, a agência antidrogas americana] escreveu esta série e esquece-se do próprio Pablo Escobar americano que era o Barry Seal [piloto de aviões que passava droga para os EUA e que tirou uma foto incriminatória para Pablo Escobar]? É um pouco estranho. Esqueceram-se de contar que alguns dos agentes cobravam dinheiro ao meu pai para permitir a entrada de cocaína nos Estados Unidos? Que curioso!
E gosta do ator que faz o papel do seu pai?
Não. Respeito a sua atividade como ator mas não gosto, porque o meu pai não era assim. Ou pelo menos não se aproxima. E na outra série [Pablo Escobar: El Patrón del Mal], pior ainda. É uma caricatura do meu pai.
Diz neste livro que o seu pai era um «bandido duro e insensível» mas um pai carinhoso. Há momentos especiais na sua infância?
Tenho muitas recordações de brincadeiras, sobretudo de quando era mais pequeno. O meu pai ensinou-me a andar de bicicleta, de mota, jogávamos futebol, tentou inculcar-me essa cultura do desporto. Educou-me com valores humanos que ele próprio não praticava. Encorajou-me a estudar, a que fosse uma pessoa diferente dele, dizia que eu tinha de aproveitar as oportunidades de educação que ele me podia pagar e que ele próprio não tinha tido. Temos muitos vídeos, muitas fotos de viagens que fizemos juntos. E mesmo que ele estivesse a trabalhar no escritório, se eu chegava, toda a gente tinha de esperar porque eu era a prioridade. Muitos filhos, hoje, se querem ver os pais têm de esperar que eles venham do trabalho. A diferença é que eu podia ir vê-lo e ele parava de trabalhar.
O seu pai trabalhava em casa?
Não, tinha sempre os escritórios fora de casa.
Mas era um pai presente?
Muito presente, mesmo na clandestinidade ligava, perguntava por nós, mandava cartas, gravava cassetes. Estava sempre presente.
O seu pai gostava muito de futebol.
Sim, era um fanático. Adorava jogar e ver as partidas ou ouvir os relatos pela rádio.
Chegou a ir ao estádio com ele?
Algumas vezes, sobretudo quando inaugurava os campos de futebol nos bairros da periferia de Medellín. Não foram poucos – construiu mais de 50 campos.
Na escola os professores davam-lhe boas notas por medo do seu pai?
Pelo menos um par de pontos davam-me, de certeza! Mas a verdade é que sempre fui um aluno como os outros, nunca usei o poder do meu pai ou do apelido para conseguir nada. Até porque queria ser mais um, não queria distinguir-me.
No livro anterior falou sobre os presentes caros que o seu pai lhe comprava. Como não se tornou um menino mimado e caprichoso?
É um milagre. Não tenho explicação, é um milagre.
Por falar em milagre: o seu pai era crente?
Um dia que lhe perguntei se acreditava em Deus, respondeu-me: ‘Deus é uma parte íntima de cada ser humano’. E não disse mais.
E como conciliava essa ideia de um Deus íntimo com as suas ações?
Isso também gostava de o saber, mas não tenho nenhuma ideia. Julgo que, em todo o caso, o meu papá deu sempre prioridade às suas ambições pessoais.
Neste seu livro refere-se várias vezes a Deus. É crente?
Não é questão de acreditar ou não. Tenho as fotos que provam que só um milagre nos pôde salvar da violência que vivemos [referência ao atentado ao edifício Mónaco, na madrugada de 13 de janeiro de 1988, em que o teto lhe caiu em cima com a violência da explosão]. Mesmo que não quisesse, acabava a acreditar. Quando sobrevivemos a todos os atentados e todas estas coisas, percebemos que há algo para lá da vida, coisas que não têm necessariamente a ver com questões esotéricas mas diria que têm que ver com energias da mesma engrenagem universal a que eu também pertenço.
Vai à igreja?
Não. Julgo que mais importante do que ir à igreja é seres um homem bom, um homem de paz, um homem que respeita os outros e as suas ideias, os seus valores, as suas famílias. Não tens que ir a uma igreja para legitimar isso, o que importa, quanto a mim, são as tuas ações, não a igreja a que pertences, ou a religião que professas.
E a Bíblia, lê?
Claro, já a li muitas vezes. O livro do Apocalipse, sobretudo.
Como fez para encontrar todas estas pessoas com quem se encontrou para fazer este livro?
Cresci com estas pessoas, fui criado entre bandidos. Alguns destes foram as minhas amas, então fui às cidades onde moravam, fazia um par de perguntas e consegui encontrá-las.
Ofereceu-lhes alguma coisa para que aceitassem falar consigo?
Um café. Pessoas que antes não quiseram falar, agora aceitaram, porque perceberam que eu não conto histórias para a seguir vir dizer metam este na prisão, não há nenhuma intenção política nem de vingança.
Refere aqui aqueles que foram vítimas da violência do narcotráfico. Mas nunca fala das outras vítimas, os toxicodependentes. Não pensa neles e nas suas famílias?
Claro que penso. A toxicodependência não discrimina, não distingue se és narcotraficante ou filho do Presidente. A toxicodependência chega a todos por igual. Conheci milhares de famílias afetadas por este problema e a minha família não foi alheia a essa realidade, um tio meu morreu por abusar das substâncias ilícitas. Vi como isso destruiu a sua família, os seus filhos, a sua empresa – perdeu tudo. Estou muito consciente dessa realidade. O que se passa é que não conheço a fórmula para ajudar os outros a sair dos seus problemas de adição. Levámos o meu tio a toda a parte para fazer reabilitação. Esteve na Argentina, em Cuba, na Colômbia, de todos esses sítios saiu com um diploma a dizer que estava recuperado.
Mas não estava…
Não há uma fórmula para sair disso. Como poderia atrever-me eu a falar de coisas das quais nem os cientistas sabem como sair? Tenho fotos do meu tio com o diploma de honra de todos os centros de reabilitação. Mas assim que lhe entregavam o diploma, continuava a consumir. Não há solução, não há vacina contra isso. Não me recuso a falar sobre isso, agora não me venham dizer ‘Sou viciado por causa do teu pai’. Ninguém é viciado por causa do meu pai, é viciado porque decidiu ser viciado. Não porque há um Pablo Escobar que vende drogas. O meu pai não ameaçou ninguém para comprar drogas.
Depois da morte do seu pai, passou por enormes dificuldades. Nessa altura pensou que ser filho do maior traficante de drogas era uma maldição?
Não sou filho do maior traficante de droga. Sou filho do mais conhecido. Há traficantes muitos mais poderosos e mais ricos do que o meu pai que não se conhecem. E normalmente são os chefes dos cartéis das cidades dos Estados Unidos. O meu pai foi apenas o mais publicitado.
Mas nunca pensou que o seu apelido era um estigma e que preferia ter nascido com outro nome?
Nunca renunciaria ao amor e à presença do meu pai na minha vida. Mesmo que me caia o mundo em cima, não renuncio, nem por nada nem por ninguém.
Diz aqui ao seu filho para nunca confiar nos tios do lado do avô porque só há maldade nos seus corações.
Não vai encontrar outra coisa. Por que não lhes perdoa como outros perdoaram a si e até ao seu pai?
Todos os dias lhes perdoo. E todos os dias me atacam. Vou perdoar-lhes até ao fim dos meus dias. Mas uma coisa é perdoar, a outra é esquecer. Para que exista a reconciliação, não basta haver o perdão de um lado, tem de haver a intenção de parar a violência. E desse lado da família essa intenção não está nem estará em muitos anos, estão cheios de maldade. Para te dar uma ideia de quem é esta família, a ovelha branca, o menino bonito da família era o meu pai. Isso dá-te uma dimensão de quem são eles. Sou uma pessoa que acredita em segundas oportunidades. Mas aqui vamos na oportunidade 500 e continua tudo na mesma.
E continua a dar-lhes oportunidades?
Chega a um ponto em que não podes ser tão estúpido que continues a fazê-lo, porque qualquer oportunidade que lhes dás vão tentar arranjar uma maneira de roubar-te ou matar-te. Chega a um ponto em que atinjo o limite.
Querem mesmo matá-lo?
Diria que mais do que qualquer inimigo do meu pai. Podia convidar para um churrasco todos os inimigos do meu pai e juro-te que passaríamos um bom pedaço, mas não posso fazer isso com a família do meu pai…
Mas quando anda na rua sente-se seguro ou não?
Todos temos um prazo de validade. Mas ninguém morre na véspera e eu aprendi a não deixar que o medo me paralise. No dia em que tiver de chegar a minha vez, chega.
Continua a exercer arquitetura?
Ainda recentemente estive na Lituânia e recebi uma encomenda para um escritório de advogados, mas a verdade é que a atividade está um pouco parada. Foi graças aos livros que garanti a educação do meu filho e a dignidade. Mesmo assim sou o que menos ganha. Como não glorifico o meu pai, vendo muito menos do que outros.
O que herdou do seu pai?
A papada [risos]. Mais a sério:como te dizia, creio que o meu pai dentro de casa era sempre uma pessoa presente, educada, respeitosa. Se eu não dizia ‘por favor’ ou ‘obrigado’ ele chamava-me a atenção, mas sempre com amor, nunca com violência. Também sou hoje o resultado da forma como me educou.