Os últimos dados económicos têm sido animadores: desemprego a reduzir, economia a crescer. O que acha deste crescimento?
São dados animadores e é o caminho que tem de ser seguido, mas o principal é garantir a sustentabilidade destes indicadores. Os portugueses e os agentes económicos precisam de ter sinais positivos, precisamos de sair desta descrença dos últimos anos, não nos esqueçamos que o programa de ajustamento e a crise que vivemos desde 2008 tem sido muito marcante tanto para as empresas como para as famílias, o nível de confiança foi abalado.
Já está a mudar?
A solução governativa que temos hoje causou no início algumas angústias, pois assentava num modelo inovador, num acordo parlamentar com os partidos de esquerda. Ou seja, uma solução governativa que até aqui não tinha sido ensaiada. O governo avançou com algumas medidas e alguns anúncios que, em termos de confiança dos agentes económicos, provocaram alguma desconfiança. Também algumas reversões, quer das leis laborais, quer das privatizações causaram algum desconforto. Felizmente está ultrapassado e estes sinais animadores devem-nos dar confiança para fazer o caminho que temos de fazer que é tornar a economia sustentável. Não resolveremos os nossos problemas se não sairmos deste crescimento anémico em que nos encontramos praticamente há 16 anos. Portugal se não crescer 2,5% a 3% não conseguimos resolver os nossos problemas. É muito bom crescer 1,8% ou 2% porque é melhor do que crescer a 1% ou a 1,2%, mas não chega. Temos de criar condições, promover reformas, trabalhar todos em conjunto. Daí ser defensor do diálogo social e da concertação social como uma das plataformas fundamentais para que sejam feitas essas reformas, para continuar a apostar no investimento, dar condições para um ambiente favorável para atrair mais investimento, remover alguns obstáculos da burocracia, pôr a justiça económica a funcionar, dar um quadro de previsibilidade fiscal. E apesar das empresas terem conseguido de forma resiliente ultrapassar o Adamastor que foram estes últimos seis, sete anos temos hoje um quadro empresarial que ainda tem de ser ajudado porque algumas estruturas têm capital próprio desajustado, mas para isso é preciso gerar estímulos. O Estado tem de criar excedentes, folgas orçamentais para estimular a economia e reduzir a carga fiscal, como tal é necessário reduzir a despesa.
Defende a criação de estímulos. Essa ajuda seria financeira?
Defendo estímulos fiscais. A reforma fiscal foi interrompida. O anterior governo tinha negociado com o PS a reforma do IRC e foi interrompida, lamentavelmente, na minha opinião, por este governo. Havia aí um alívio fiscal que poderia ter sido encontrado gradualmente porque não poderia ser feito de um dia para o outro. Até porque a sustentabilidade das contas públicas não o permite, mas tinha uma perspetiva de redução gradual e uma previsibilidade fiscal. Se há fatores que os investidores privilegiam é a estabilidade fiscal, laboral e legislativa. Mas em cada Orçamento do Estado somos surpreendidos com novos impostos e com novos formatos dos impostos. Estamos a ter permanentemente aparições, permita-me a analogia, de novos impostos diretos e indiretos. Se compararmos a carga fiscal de uma empresa em 2016 com a que era em 2013 vemos que não foi apenas resultado daquilo que foi espelhado no Orçamento do Estado, além deste apareceram um conjunto de outros impostos que vieram onerar as empresas. E se compararmos 2015 com 2014 já acontece o mesmo.
Também tem vindo a defender a reestruturação da dívida…
É um tema que o governo, qualquer que seja, deve incorporar essa discussão na sua agenda. Essa reestruturação de alguma maneira tem vindo a ser feita, basta olharmos para o alongamento das maturidades. Lamentavelmente, quando falamos em reestruturação da dívida associamos, vai-se lá saber porquê, às vezes até por questões ideológicas, a perdão da dívida. São coisas completamente diferentes. Uma coisa é não pagar outra é olharmos para a dívida, termos a consciência que é demasiado elevada e que não temos capacidade de pagar nos mesmos moldes. Temos de encontrar forma de continuar a honrar os nossos compromissos através de um plano de amortização que vá ao encontro do nosso crescimento económico e é essa a reestruturação que defendo. Até porque, tal como acontece no nosso dia-a-dia, quando nos exigem esforços superiores à nossa capacidade entramos em incumprimento.
Defende um controlo da despesa, mas nem todas as medidas que têm sido anunciadas respeitam isso. É o caso, por exemplo, da reposição salarial da Função Pública, a redução para 35 horas semanais…
Tenho alguma dificuldade em perceber isso. Gostaria que fosse analiticamente demonstrado como é que a redução para as 35 horas semanas, por exemplo, não tem custos. Quando a medida foi anunciada pelo governo foi dito que ela não iria ter custos, mas está para ser provado que isso é verdade, porque ou temos pessoas a mais e, como tal, podemos reduzir horários, ou vamos ter de recorrer a horas extras para manter os serviços. Se há um objetivo que o governo tem de perseguir é a redução da dívida e da despesa. Temos de reformar o Estado sem afetar a sua eficácia, a sua eficiência, é um trabalho que deve estar nas prioridades do governo porque é através da redução da despesa que geramos condições não só para criar os tais estímulos para a economia como também para aliviarmos a carga fiscal, porque não temos condições para continuar a manter este monstro. É por aí que a política tem de ser definida e não como tem sido feita até agora, que é pela arrecadação de impostos. A estratégia é: se há défice então vamos aumentar os impostos. É uma solução saturada, os portugueses, quer empresas quer famílias, não têm flexibilidade para suportar mais carga fiscal.
É um caminho que tem sido seguido por todos os governos…
Lamentavelmente nenhum governo tem tido a coragem de fazer a reforma do Estado porque invariavelmente tem custos políticos em termos de votos.
E agora temos outras eleições à porta…
Não é por escondermos a realidade que ela não existe. Podemos varrer para debaixo do tapete, mas se não for corrigida vai estar sempre presente. Se a anulamos por questões ideológicas, por questões eleitoralistas, estamos apenas a empurrar o problema com a barriga. Portugal não tem muito mais tempo para continuar a empurrar com a barriga os seus problemas estruturais sob pena de adiarmos o nosso futuro.
O PM já veio revelar que Portugal vai sair do défice excessivo antes do verão…
Pelo menos, vem dar aos nossos credores uma garantia diferente, estando o país fora do défice excessivo credibiliza o país e dá confiança aos credores. É obviamente um bom sinal e que todos sem exceção e, aqui não devia haver clubismos porque é a questão nacional que está em jogo, devemos todos estar coesos, tal como acontece e, aí uso a linguagem futebolística, de ficarmos contentes com a vitória nacional. E quando digo todos falo de partidos, dirigentes sindicais, empresariais, Presidente da República para atingir esse objetivo.
O défice continua a ser o nosso calcanhar de Aquiles?
Sem dúvida. É termos uma despesa superior à receita, termos uma necessidade de recorrer a empréstimos, em que os custos desses empréstimos estão dependentes das agências de rating e da credibilidade que o país gera.
Bruxelas voltou a melhorar as previsões do défice mas deixou alertas à banca…
Temos um setor bancário que ainda regista alguma turbulência. Estamos melhores do que estávamos anteriormente. Temos finalmente uma estabilização do banco público apesar dos episódios lamentáveis em que esteve envolvido. Temos de ter um sólido banco público e deveríamos ter um ou dois bancos sólidos privados de preferência de capital português, mas que hoje já não é uma realidade, como todos sabemos. É fundamental que haja estabilidade do sistema bancário porque as empresas precisam dos bancos como os bancos precisam das empresas e esta fluidez entre as entidades tem de estar perfeitamente normalizada. Ainda existem alguns bloqueios e alguma dificuldade no acesso ao crédito. Se compararmos o crédito concedido às empresas em 2005/2006 com o montante que agora é concedido facilmente se verifica a desalavancagem que foi feita. A banca por razões várias tem sido um parceiro ausente de uma parceria que deve ser fluida. As empresas têm estado muito sozinhas, primeiro porque foram obrigados a essa desalavancagem, depois como têm capitais próprios desajustados apresentam sufocos de tesouraria complicados e aquelas que são viáveis economicamente têm de ser ajudadas. Mas para isso a banca tem de limpar os créditos mal parados. É necessário encontrar um veículo para isso.
O tal banco mau…
Só essa denominação mata a boa ideia. Não podemos com um adjetivo matar uma boa ideia. Não é um banco mau, é um veículo virtuoso que liberta as empresas deste sufoco que, mais uma vez, é uma dívida que não conseguem pagar com as condições que são impostas. Para isso é preciso reestruturar essa dívida de forma a que as empresas consigam por elas ter forma de pagar, libertando a banca do crédito mal parado que têm de registar. A CIP já apresentou formas de que como é que isso poderia ser feito, sei que o governo está atento a isso.
Acha que é possível encontrar esse veículo e implementá-lo até ao final da legislatura?
Acredito que brevemente teremos um veículo criado para resolver este problema e que neste momento é um dos grandes problemas que temos de resolver quer na banca quer nas empresas. Este veículo tem de ser operacionalizado e de ser posto em marcha. Acho que essa solução tem todas as condições para ser operacionalizada ao longo deste ano. Não será preciso esperar pelo fim da legislatura para que haja esse veículo, independentemente da designação que venha a ser encontrada. Mas não posso esconder que estou um pouco apreensivo com estas alterações acionistas que temos assistido, mas vamos acreditar que as alterações acionistas da banca privada portuguesa não possam trazer a prazo alguns efeitos perversos na cedência de crédito na relação banca/empresas.
Seria desejável que os bancos privados continuassem em mãos portuguesas?
Reconheço que me dava uma maior tranquilidade que pudesse existir músculo financeiro de capital português para que a banca privada tivesse uma componente de capital nacional no seu corpo acionista mais forte do que tem hoje. Esperemos que não tenha havido alterações na política de concessão de crédito, mas não vamos antecipar problemas.
Daí ser importante ter uma Caixa recapitalizada…
É importante ter um banco público com uma política bem definida de apoio às empresas nacionais, como parceiro financeiro que dê apoio concreto e real ao tecido empresarial e não numa lógica de mais um no mercado.
Mas tem sido envolvida em polémicas nomeadamente no que diz respeito ao fecho de balcões…
A Caixa tem de se reposicionar, tem de encontrar formas para ser sólida e de ter sustentabilidade futura e não com estes sobressaltos que tem vindo a ter. A empresa precisa de dar receitas, de ter resultados positivos para poder ajudar a economia. É preciso que faça essa reestruturação para depois poder assumir-se como um parceiro de futuro para as empresas portuguesas.
O governo quer fechar o Orçamento do próximo ano com os partidos de esquerda que o apoiam até ao verão. O que espera do próximo OE?
É preciso que promova o investimento, dê condições para que o país seja amigo do investimento, aposte no crescimento económico, estimule as empresas e a economia e que faça isso através da redução de despesa. Percebo a vontade deste governo e do Partido Socialista para concluir, antes do verão, as negociações em sede político-parlamentar porque em outubro temos as eleições autárquicas e o período eleitoral vai ser um período de desgaste. Em termos autárquicos, o PS, o PCP e o BE são adversários e admito que surja alguma crispação durante a campanha por posições estratégicas que os partidos têm para as vitórias que almejam. Percebo a necessidade de estrategicamente termos os dossiers arrumados antes desta crispação, é no mínimo ajuizado.
Mas há o risco das medidas a apresentar pelo governo serem condicionadas pelo apoio que precisa dos partidos de esquerda…
Mas o jogo político-partidário é isso. Podemos concordar ou discordar com as práticas partidárias. Discordo de algumas delas, mas percebo que estrategicamente os partidos políticos tenham os seus posicionamentos e os seus objetivos. Lamento é que, muitas vezes, sejam discordantes de uma política de crescimento económico e que devido à carga ideológica destorcem um objetivo. Gostaria que, até de alguma maneira utópica, houvesse uma convergência e que os partidos políticos conseguissem pôr os interesses nacionais à frente dos seus objetivos partidários. É tempo de coletivamente, independentemente da responsabilidade e posicionamento de cada um dos dirigentes nacionais, pôr o país à frente dos interesses menores de cada uma das partes.
Isso implica fazer cedências…
Claro, mas a concertação é isso mesmo. Não podemos ir para uma negociação seja ela qual for sem pensarmos que vamos ter de ceder porque a negociação é isso.
A negociação do OE é mais um teste para este governo se manter?
É um teste, mas espero que todos os partidos tenham em conta a realidade nacional. Penso que os partidos à esquerda do PS não têm interesse em promover eleições até porque acredito que não sairiam beneficiados. Sou daqueles que acredito que a legislatura vai chegar ao fim.
Mas ao início nem todos pensavam isso e há quem continue a não acreditar…
É verdade porque a solução era inovadora e inesperada. Até porque a prática dos partidos à esquerda do Partido Socialista era contra o próprio Partido Socialista. Mas já passaram dois e os sinais já nos mostraram que apesar das ideologias e apesar de serem adversários no campo político encontraram formas de dar estabilidade ao país no plano governativo.
Mas essas divergências foram sentidas no início do ano quando esteve juntamente com outras confederações e sindicatos a negociar o salário mínimo nacional…
As entidades patronais defendem que o aumento do salário mínimo é uma questão que deve ser discutida em sede de concertação social. Não pode ser definido por decreto, sendo certo que cabe ao governo definir o valor, mas também não é menos certo que o governo para o definir deve concertar com aqueles que o têm de pagar. Este governo assumiu a promessa que o Partido Socialista tem no seu programa que, até 2019, o salário mínimo atinja os 600 euros. Mas essa discussão terá de ser feita em concertação social, com indicadores credíveis que todos podem monitorizar, como a inflação, produtividade e crescimento económico. Feita a avaliação destes indicadores define-se o valor que obviamente é baixo e que tem de ser melhorado. E aí é que entra a negociação, passa-se de 557 euros para quanto? Para 580 euros? Ótimo se for isso que for revelado pelos indicadores, e se não for? E se os indicadores apontarem para 570 porque é que tem de ser 580 euros? É porque há uma promessa política do Partido Socialista que assim o é? Mas os parceiros sociais não estão envolvidos nessas promessas, queremos discutir com fatores realistas essa matéria. Claro que estamos disponíveis para discutir a componente social, mas é preciso ver as contrapartidas. E quando digo contrapartidas não é dizer aquilo que se diz que os patrões só querem aumentar o salário mínimo se tiverem benefícios desta e daquela natureza porque muitas empresas pagam já hoje na sua tabela salarial mais do que os 600 euros. Para muitas empresas o aumento do salário mínimo não é um problema e para as empresas que a CIP apresenta, na sua esmagadora maioria, a questão nem se põe porque praticam salários acima do salário mínimo.
Então o porquê dessa resistência?
Temos de ser racionais para aquelas que são confrontadas com uma concorrência perversa que não é asiática. Dentro da própria Europa enfrentamos concorrência da República Checa, Polónia, Hungria, Eslováquia, Eslovénia que praticam salários mais baixos do que os nossos. Se as nossas empresas não ganharem as encomendas em confronto com estas geografias perdemos encomendas, perdemos trabalho. Então o que é que devemos acautelar? É ter aumentos salários sustentáveis e não aumentos salariais que perigam a manutenção destas empresas que enfrentam esta concorrência perversa que ninguém regula. Como sabemos não há na Europa uma harmonização para um conjunto de matérias e estamos no mesmo espaço económico mas com regras diferentes.
Então quais são as contrapartidas que devem existir?
É termos em conta que a delta salarial pode pôr em causa a manutenção do emprego e até da própria empresa. É aqui que deve haver algum tipo de compensação para manter essas empresas. É ter a perceção que empresas em determinados tipos de atividade têm de ser acauteladas com medidas de compensação para não serem encerradas por aumentos anormais em termos de dimensão para o qual não estão preparadas nem conseguem incorporar face aos produtos e serviços que comercializam.
E para o próximo ano já algum valor definido?
Ainda não está definido, mas não sejamos ingénuos, sabemos que há da parte do governo o objetivo de atingir 580 euros. É uma discussão que tem de ser feita em concertação social, vamos fazê-lo e vamos ver o que resulta do tal diálogo social construtivo que é preciso fazer. Seguramente chegaremos a acordo, não sei com que base e em que condições.
Mas há sindicatos que querem 600 euros já para o próximo ano…
Mas esses sindicatos já defendiam 600 euros em 2015 e pela coerência das suas práticas vão continuar a defendê-lo. Mas temos de ser realistas entre aquilo que é o meu desejo e o que é a minha possibilidade.
Era de prever que a CGTP abandonasse a mesa de negociações?
A CGTP participa nas reuniões mas não subscreve acordos. Não sei se irá subscrever o próximo, não adivinho o futuro.
Neste momento estão em negociações para chegar a acordo para as reformas antecipadas…
Há propostas do governo e os parceiros quer sindicais quer patronais já apresentaram as suas posições. É um tema que está a ser discutido, mas que merece cuidado. A questão da sustentabilidade da Segurança Social é um tema que preocupa, felizmente com a redução da taxa de desemprego as receitas da Segurança Social têm vindo a ser reforçadas e o ministro disse há uns dias com agrado que as receitas cresceram acima do que era previsto, o que é um bom sinal. Mas temos de olhar para a sustentabilidade da Segurança Social e, mais uma vez, ter a lucidez de perceber entre aquilo que é o nosso desejo e aquilo que é a possibilidade e, a partir daí, saber o que é preciso ajustar. Tudo isto merece bom senso. Claro que longas carreiras contributivas merecem um cuidado especial porque aqueles que começaram a trabalhar aos 12 e 13 anos têm longas carreiras contributivas, já estão para além dos 60 anos e é preciso encontrar aqui alguma razoabilidade. Por isso, pedimos ao governo para indicar por grupo os valores que estão em causa para saber que implicações que isso tem. Por exemplo, se vou defender que todos aqueles que têm 60 anos e 40 de carreira contributiva podiam ir para a reforma sem penalizações, mas se estes números me vieram a demonstrar que têm um efeito enorme na Segurança Social em termos de despesa é preciso ter razoabilidade para medir esses efeitos.
Qual foi a proposta apresentada pela CIP?
Aquilo que temos defendido é que as longas carreiras contributivas, com mais de 60 anos e 40 anos de contribuições, deveriam ter uma avaliação própria para medir esse efeito, mas temos vindo a flexibilizar a nossa posição contando com os números que o governo vai apresentar. Mas temos de nos preocupar sempre com a questão da sustentabilidade porque também temos de pensar naqueles que só vão pedir a reforma daqui alguns anos. Não podemos ser egoístas e pensar só neste imediato.
É mais fácil todas as partes chegarem a acordo nesta matéria do que no salário mínimo?
É capaz de gerar mais consenso do que o salário mínimo porque o salário é um tema que até politicamente está sempre muito mediatizado e que está sempre na agenda.
Outro tema a tratar na Concertação Social diz respeito à desigualdade salarial entre homens e mulheres. O que poderá ser feito para combater esta discrepância?
É uma questão que também merece atenção e que estamos disponíveis para analisar e discutir. Não podemos manter desigualdades que por vezes se verificam, mas é um caminho que tem de ser feito, não podemos passar de oito para oitenta e vice-versa. Não vamos ser fundamentalistas e querer resolver este problema de um dia para o outro, até porque isto poderia trazer desajustamentos de massas salariais. É preciso encontrar formas corretas de resolver este problema, mas tal como acontece com outros, não pode ser resolvido por decreto. Só porque há um ou outro anómalo não podemos generalizar.
Surgiu a ideia que o governo poderia impedir as empresas que não pratiquem a igualdade salarial de entrarem em concursos públicos…
Como disse há coisas que não podem ser resolvidas por decreto. É preciso discutir em concertação a alteração dessas práticas.
Está à frente da CIP desde 2010, que balanço faz do trabalho?
Não vou advogar em causa própria, mas faço um balanço positivo. Os tempos mudaram, as exigências foram outras. Passámos por um programa de ajustamento, o país teve dificuldades acrescidas, temos hoje desafios quer sociais quer empresariais completamente diferentes. Mas acho que a CIP tem sabido responder a esses desafios, caricaturo com um farol à navegação do mundo empresarial e tenho conseguido que essa luz se mantenha acesa e tenho conseguido que essa luz seja até mais forte. A CIP é vista com uma reputação mais forte do que era no passado. Fui este ano a votos para o meu terceiro e último mandato e sinto-me orgulhoso de ter contribuído para as soluções que as empresas têm encontrado. Estou no último mandato e ainda bem que assim é porque defendo as limitações de mandatos porque é preciso trazer novas pessoas, novas ideias, novas atitudes. O que pretendo fazer agora é consolidar o que já tem sido feito, gostaria de unificar ainda mais o movimento associativo e empresarial porque está muito disperso. Temos muitas associações, muitas confederações quando comparado com outros países, como Espanha e Itália. Temos de ter a lucidez que a divisão só nos enfraquece, devemos fortalecer o movimento associativo em Portugal, dando maior coesão. Tenho falado com os meus colegas para encontrar um objetivo comum e uma voz coesa. É claro que há especificidades em cada atividade, mas há muitos temas que são comuns a todos nós e são transversais.
O ideal era ter menos associações e confederações?
Sim até porque os tempos estão a mudar e as próprias empresas desejam isso. Temos quer setorialmente quer regionalmente sobreposições que só nos enfraquecem. As empresas não podem continuar a suportar por muito mais tempo as quotizações para diversas associações. Diz-se que o homem ou muda por inteligência ou por necessidade e já estamos no tempo da necessidade. E a reestruturação do movimento associativo empresarial é uma das minhas inquietudes porque temos de inovar, acrescentar valor, responder às necessidades das empresas porque são para elas que trabalhamos.
Isso vai chocar com as mentalidades de alguns dirigentes associativos?
Admito que sim, mas tal como digo dos dirigentes partidários também o digo dos dirigentes associativos, aquilo que é o interesse coletivo deve ser superior aos interesses individuais.
Os empresários apontam-mo como um dos responsáveis pela revigoração da CIP…
Isso é sinal que estou a cumprir o objetivo. Nada é mais gratificante do que sentirmos que aquilo a que os propusemos e a confiança que depositaram em nós foi cumprido. É o melhor prémio que me podem dar.
Ao contrário dos anteriores líderes da confederação não tinha uma tradição familiar ligada à indústria. Isso dificultou o seu trabalho?
Não dificultou. Desde muito novo que tenho uma inquietação cívica, sou um cidadão inquieto, o que me faz participar em tudo, até em reuniões de condomínio. Sinto muito aquela expressão do presidente kennedy quando chegou pela primeira vez à presidência dos Estados Unidos: perguntem o que é que a América pode fazer por cada um de nós, mas o que cada um de nós pode fazer pela América. Cabe a cada um de nós enquanto cidadãos defendermos as nossas causas. Sou um lutador de causas e por isso participo e participo há muito tempo. Estive muitos anos à frente de uma comissão de trabalhadores que tinha como missão salvar a Lisnave contra tudo e todos. Fui líder daquela comissão de trabalhadores num ambiente sindical que me era adverso e consegui fazer o primeiro contrato social deste país. Foi feito na Lisnave e não foi feito na Autoeuropa como se diz. A memória é que já é curta, mas foi esse acordo que salvou aquela empresa. Sinto-me muito orgulhoso de ter sido o arquiteto do acordo que salvou a Lisnave.
Não sente que está agora do outro lado da trincheira?
Não estou. Sou um defensor de causas, das empresas, do emprego em prol do nosso país. Não estou do outro lado da barreira. Continuo a arquitetar pontes, a estreitar margens e o facto de eu estar certo não quer dizer que o outro está errado. Sei disso desde muito novo, sou de origens humildes, sei o que custa a vida, vivi durante muitos anos num quarto com os meus pais. Sou hoje empresário porque comprei a minha empresa sem dinheiro, deram-me condições para pagar que ainda hoje estou a pagar. Sei o que é ser empresário, pagar livranças, os salários que é preciso pagar ao final do mês, impostos que é preciso pagar. Sinto na pele o que é a dificuldade de ser empresário num país como o nosso, as dificuldades da nossa economia e o papel que nos é atribuído. Sou o quinto presidente da CIP e os meus quatro antecessores foram homens para o seu tempo e é-lhes reconhecido o papel que tiveram e foram os homens certos para aqueles momentos. O mesmo acontece comigo.
As exigências e as realidades são agora diferentes…
Sinto na pele o dia-a-dia das dificuldades do que é ser pequeno empresário, porque aquela ideia de que a CIP é a confederação das grandes empresas está errada. O tecido empresarial português é na sua esmagadora maioria composto por pequenas e micro empresas, cerca de 98%, sendo essa a realidade empresarial então como é que a CIP é o representante das grandes empresas? A esmagadora maioria das 115 mil empresas que representamos são pequenas empresas. É evidente que temos a Galp, a REN e a EDP, mas essas são as minoritárias em termos do mundo associativo. É por esta sensibilidade e é por esta experiência própria que sei o drama que é pagar o salário no final do mês, o IRS, o IVA num mercado adverso, num mercado altamente concorrencial com produtos oriundos de outras geografias e com outras práticas numa Europa que está desatenta a alguns fenómenos desta globalização em que vivemos. Ser pequeno empresário em Portugal é uma aventura, é preciso enfrentar enormes dificuldades diariamente. Um pequeno empresário é um trabalhador por conta própria, o dono é mais um trabalhador na empresa e é dali que tira o seu sustento e, às vezes, isso é esquecido. É como se os patrões fossem só os Belmiros Azevedos, os Soares dos Santos e é por isso que a CIP conseguiu em sede de concertação social que os pequenos empresários passassem também a ter direito a uma proteção social. E como é de legítima justiça que se faça.
A medida peca por ser tardia?
Sim, só há quatro anos é que está em vigor, demoramos anos a conseguir pôr isso na legislação.
Nunca se envolveu na política. Foi uma decisão consciente?
Fui convidado recentemente para me candidatar a três grandes câmaras na grande Lisboa, declinei os convites. Curiosamente foram feitos por três partidos diferentes. Reconheço que o trabalho da CIP pode ter uma forte componente política, mas em termos de trabalho político partidário não tenho nenhum apelo. Os desafios que tenho para quando terminar o fim do meu mandato são de ordem profissional e não político.
Está então completamente fora de questão?
Não adivinho o futuro, não posso dizer que desta água não beberei, mas depois de terminar o meu mandato aquilo que gostaria de fazer, uma vez que, devido à minha atitude cívica inquietante não foi possível, é dedicar-me aos afetos. Tenho tido pouco tempo para amigos, para a família e para os meus quatro netos que me dão energia acrescida. Também gostaria de ter mais tempo profissional porque tenho-me dedicado pouco tempo à minha empresa e isso de alguma maneira tem afetado. É nestes dois campos, os dos afetos e o profissional, que perspetivo o meu futuro.
E terminar o curso no Técnico que ficou para trás?
Fiquei no segundo ano de engenharia no Técnico, nessa altura a Lisnave deixou de pagar salários e com mulher e filhos fui obrigado a desistir. Não sei como é que teria aguentado sem a ajuda dos meus pais. Mas hoje com esta distância não era engenharia que em termos de licenciatura gostaria de concluir. Vejo-me agora mais noutras áreas, como sociologia, eventualmente economia, mas não engenharia, apesar de ser muito engenhoso, em casa sou um MacGyver.