Gomas e pizzas à porta da escola. Mais que proibir, falta prevenção

Relatório da Organização Mundial da Saúde, que será apresentado hoje, revela que os jovens portugueses tendem a alimentar-se pior com a idade. Até têm cortado nos doces, mas não estão a comer mais fruta e vegetais. Adolescentes portuguesas são as menos ativas fisicamente

São 14h45, está quase a soar o toque para o regresso às aulas depois do intervalo para o almoço. A cinco minutos da hora de entrada, um grupo de raparigas compra as últimas gomas para o lanche. “Estamos mesmo atrasadas, não podemos falar agora. Viemos só comprar umas gomas para comer depois das aulas”, atiram antes de sair a correr.

Golfinhos, ursinhos, garrafas de coca–cola, pulseiras comestíveis, morangos, ovos, ossos: há todas as gomas no interior da cafetaria próxima da Escola Básica 2,3 Dom Fernando ii, no centro de Sintra. Todos os dias, vários adolescentes passam por lá para encher os bolsos de gomas e comer croissants antes, durante e depois das aulas. O i tentou falar com as funcionárias do estabelecimento, que se recusaram a prestar declarações, remetendo um esclarecimento para a proprietária. Esta não respondeu aos pedidos de contacto. O certo é que a Croissant e Companhia parece ser um dos sítios mais frequentados pelos alunos daquela escola, à procura de algo doce para ir comendo durante as aulas.

Ali perto, junto à Escola Secundária de Santa Maria, na Portela de Sintra, vários estabelecimentos vendem comida: um restaurante chinês, snack-bares com hambúrgueres e pizzas, cafés com pastilhas e gelados e até um Pingo Doce com refeições já prontas. “Os miúdos vêm aqui comer salames, folhados mistos, travesseiros de chocolate… Não há muitos a fazer uma alimentação equilibrada. Até quando pedem um prato um bocadinho mais saudável, enchem-no de ketchup e mostarda”, disse ao i Bruno, gerente do restaurante Mira Serra, mesmo à porta do liceu.

Os alunos frequentam este espaço de segunda à sexta, já são clientes conhecidos da casa – tanto os mais bem-comportados como os mais ousados: “Alguns até álcool tentam consumir aqui. Mas nós estamos atentos e pedimos sempre o documento de identificação antes de vender uma bebida alcoólica, só vendemos a quem já tem idade para consumir.”

Em Portugal, a legislação só proíbe a oferta de álcool nas imediações das escolas, mas o decreto-lei de 2007 que regula a instalação e funcionamento dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas remete a delimitação dos perímetros para as autarquias. Está também proibida a venda ambulante de alimentos à porta da escola, mas os restantes produtos alimentares só são controlados dentro dos recintos escolares. Ainda assim, em 2015, um estudo da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto revelou que muitos bares escolares continuavam a ter alimentos proibidos, como folhados.

Cá fora, não há regras e não falta procura. Bruno explicou ao i que, normalmente, os rapazes têm menos atenção aos hábitos alimentares. Mesmo assim, algumas raparigas almoçam quase todos os dias hambúrgueres. “Aparecem vários alunos aqui que se nota que têm peso a mais. Alguns são mais atléticos porque fazem desporto, mas até esses comem coisas que não fazem bem”, conta. O responsável garante que o restaurante vende refeições mais saudáveis, mas os adolescentes optam sempre por comer pratos mais calóricos. “Nós optamos por comer tostas, hambúrgueres e pizzas porque são as opções mais baratas e acessíveis”, explica André Vacas, de 18 anos, aluno da Escola Secundária de Santa Maria. “Há aqui um espaço, o Saladas [Casa do Largo é o verdadeiro nome do restaurante], que, como o nome diz, vende saladas, mas não são baratas”, diz Guilherme Galhardo, de 16 anos. Analisando o menu deste estabelecimento é possível constatar que a maioria das saladas custa 3,30 euros, mas os cachorros são opções mais em conta: para além de ser algo que os adolescentes admitem ser mais saboroso e apelativo, os preços variam entre 1,70€ e 2,10€.

Ponto de situação 

Um novo relatório da Organização Mundial da Saúde, que será apresentado hoje no arranque do Congresso Europeu de Obesidade, no Porto, revela que os índices de obesidade dos adolescentes portugueses estão dentro da média e que os números têm vindo a estabilizar desde 2002. Margarida Gaspar de Matos, relatora nacional e coordenadora em Portugal do inquérito HBSC-Health Behaviour in School–Aged Children, cujos últimos dados de 2014 foram usados na análise internacional, explicou ao i que os indicadores mais preocupantes e onde Portugal está mais acima da média surgem entre os rapazes mais novos, de 11 anos (6.o ano).

Mas os dados nacionais suscitam algumas reflexões: se é verdade que os jovens portugueses até têm estado a consumir menos doces e refrigerantes do que no passado, não estão a comer mais vegetais ou fruta e tendem a alimentar-se pior com a idade.

O descontentamento com as refeições nas escolas é uma das queixas habituais quando repetem o inquérito, diz Margarida Gaspar de Matos, investigadora da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa. “Há a obrigação de oferecer alimentos saudáveis nas escolas, mas os miúdos queixam-se da terrível confeção e do mau sabor e aspeto da alimentação”, diz a autora. “Queixam-se da agitação e da falta de bom ambiente social nas cantinas”, acrescenta, defendendo que devia haver mais preocupação em servir alimentos bem confecionados num “bom ambiente, cuidado e limpo”. Margarida Gaspar de Matos alerta também para que a venda de gomas e hambúrgueres na periferia das escolas acaba por ser uma solução que os jovens encontram, mas por não estarem satisfeitos com a oferta na escola.

Os dados comparativos sobre atividade física também não trazem ainda as melhores notícias. As adolescentes portuguesas, tendo em conta os inquéritos a jovens de 15 anos (10.o ano), são as que praticam menos atividade moderada- -vigorosa entre os 27 países analisados. Só 5% apostam um pouco mais a sério no exercício, enquanto nos rapazes da mesma idade a percentagem é de 18%. “Desde 1998, pelo menos, que temos este perfil, e muito tem sido feito em termos de políticas públicas, o que só quer dizer que não está a ser bem feito”, diz Margarida Gaspar de Matos, avançando algumas explicações. “Acho que se tenta promover a atividade física do ponto de vista de levar ‘quem gosta’ a praticar mais, mas nunca se pensou a sério no que faz com que os que não praticam comecem a praticar”, diz a especialista, apontando fatores dissuasores. “Quanto a mim, é a associação da atividade física a ‘competição feroz’, ao estilo arruaceiro e pouco diferenciado intelectual e culturalmente, ou ao estilo superficial e obcecado com o corpo e com as performances”.

Mas também há problemas relacionados com a higiene, aponta Gaspar de Matos, lembrando que há escolas que não têm condições para o duche depois das aulas de Educação Física. “Para promover a atividade física, os profissionais e os responsáveis pelas políticas públicas têm de ver o mundo através das dificuldades e falta de motivação dos que não praticam, e não pelos olhos dos que ‘são do clube’.” O mesmo com a alimentação, alerta a autora, defendendo que está na altura de perceber o que leva os miúdos a rejeitarem a comida na escola e a procurar alternativas cá fora.

Cafés Nascem como cogumelos 

Segundo o primeiro relatório do Inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico, divulgado este ano, aproximadamente dois terços da população adulta com mais de 25 anos (67,6%) sofriam de excesso de peso, sendo a prevalência de obesidade de 28,7% (IMC≥30).

O excesso de peso na infância e na adolescência tem sido avaliado em estudos que cobrem diferentes faixas etárias. Por exemplo, o estudo Childhood Obesity Surveillance Initiative (COSI), que abrange crianças com seis, sete e oito anos de idade, aponta para 31,6% das crianças portuguesas com excesso de peso em 2013, ainda assim menos do que em 2008 (eram 37,9%). Já um estudo em Vila Nova de Gaia, que abrangeu mais de 8 mil crianças dos 3 aos 13 anos no ano letivo de 2013/2014, apontou para uma prevalência de excesso de peso de 37,4%, números que colocam Portugal acima da média europeia em termos de obesidade infantil.

Entre os adolescentes, os números são menos alarmantes e os investigadores concluem que, com a idade, o excesso de peso e a obesidade tendem a diminuir. 18,2% dos adolescentes dos 11 aos 15 anos têm, ainda assim, excesso de peso e um em cada dez dizem estar a fazer dieta. O excesso de peso na adolescência é um fator de risco não só para a obesidade em adulto mas para outras doenças, como diabetes ou problemas do foro cardiovascular. Neste relatório que será apresentado hoje, a OMS avisa que quatro em cada cinco adolescentes que se tornam obesos continuarão a ter problemas de peso na idade adulta.

Se os últimos balanços nacionais sugerem que a obesidade está estacionária entre os jovens, o facto de a envolvente continuar a não ser propícia às melhores escolhas gera preocupação também nas escolas. Os diretores acreditam, porém, que falta sobretudo prevenção e também trabalho em casa.

Se no período de maior crise notaram mais alunos a chegar à escola sem tomar o pequeno-almoço em casa, hoje sentem que há mais alunos que acabam por ir comer fora. “Há alunos, e os pais nisto são culpados, que em vez de comerem na escola, onde têm uma alimentação completa e controlada (com sopa, prato, sobremesa) vão comer fora, ao café da esquina. Todas as escolas têm cafés nas redondezas e, por tuta e meia, comem porcarias. É isso o almoço deles. Muitos pais podem não saber, mas há muitos que são coniventes”, diz Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, lamentando a falta de fiscalização.

Ainda assim, o dirigente acredita que a proibição deste tipo de oferta nas imediações das escolas não ia funcionar. “O café ficar a 100 ou a 200 metros não resolve o problema. Os alunos, para comerem porcarias, deslocam-se. Seja 200, 300, 500 metros… não lhes custa nada. O que tem de haver é mais sensibilização junto dos pais e dos alunos, mas nesta idade não é fácil”, diz Filinto Lima, que acredita que é preciso intervenção política e da sociedade, mas que os pais também não se podem alhear. Mas também há um problema de desigualdades sociais a ter em conta, aponta. “Sinto que são aqueles miúdos que, em casa, não sabem se à noite há jantar que comem pior.”

Também Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, admite que, apesar do esforço das escolas, ainda há muitos jovens que acabam por fazer uma alimentação com excesso de calorias.

As máquinas de vending foram limitadas, mas nos arredores da escola não falta oferta. “O maior problema é que num raio de 100 a 200 metros há cafés e estabelecimentos comerciais que vendem estes alimentos. Crescem como cogumelos.”

Manuel Pereira também acredita que não é a proibição que fará milagres, até porque isso, hoje, já não limita aqueles a quem os pais tentam controlar os passos. “Mesmo aqueles que não têm autorização de sair combinam com os outros e pedem que lhes comprem. Por incrível que pareça, é mais fácil educar ou falar com os alunos sobre isso com os produtos perto da escola, debaixo dos nossos olhos.”

Educar pais e famílias é o caminho, aponta o diretor. “Os pais vão-se demitindo, ou porque não têm tempo para os filhos, ou porque não têm paciência.”

O problema parece ser a dificuldade em apreender as mensagens.

Patrícia, de 15 anos, tem luz verde para sair: almoça sempre fora com as amigas. Diz que não costuma ter fome, por isso almoça apenas uma merenda ou um arroz no restaurante chinês. No entanto, anda sempre acompanhada de um saco cheio de gomas, que guarda dentro da mala. “Fico muitas vezes tonta, por isso tenho sempre algumas gomas comigo para comer quando me sinto mal. São os meus pais que as compram”, diz.

A amiga Raquel, de 16 anos, também costuma almoçar fora. Diz que a comida no refeitório é muito boa, mas prefere sair da escola e comer alguma coisa num estabelecimento ali perto. “Peixe, saladas e sopas são o tipo de coisas que como em casa. Quando estou nas aulas como mais batatas e hambúrgueres, é mais barato.”

A maioria dos adolescentes com quem o i falou ontem em Sintra, uma pequena amostra daqueles que hoje são retratados no estudo da OMS, admitem que não se preocupam com a saúde e que, na hora de escolher o almoço, não refletem sobre as quantidades de açúcar, sal e gordura que estão a ingerir. “Só penso a curto prazo, em comer algo que me deixe satisfeito para aguentar o resto das aulas”, diz André.