A corrente de indignação depois de o “Correio da Manhã” ter divulgado o vídeo com conteúdos sexuais explícitos, alegadamente filmado na Queima das Fitas do Porto e que está já a ser investigado por suspeita de abuso sexual, chegou à Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Depois de vários apelos nas redes sociais para que a situação fosse reportada às autoridades, a ERC confirmou ontem ao i ter recebido mais de 500 participações. Foi aberto um inquérito para “analisar a transmissão pelo órgão de comunicação social ‘Correio da Manhã’ de um vídeo em que é visível um alegado abuso sexual sobre uma jovem”, disse em comunicado a ERC.
Em declarações à agência Lusa, o diretor do jornal, Otávio Ribeiro, justificou a divulgação das imagens como tratando-se de “um facto relevante e polémico, protegendo a identidade” dos envolvidos, e assinalou que “sem notícias não há reflexão”.
As imagens, que mostram uma rapariga a ser masturbada por um rapaz num autocarro, perante a chacota de outros passageiros, circulavam nas redes sociais há vários dias mas não tinham suscitado ainda uma tomada de posição das autoridades, isto porque a investigação de crimes de violação e abuso sexual contra vítimas maiores de 16 anos está dependente de queixa.
Em 2014, o Bloco de Esquerda chegou a propor que estes crimes passassem a ter natureza pública, ou seja, a dispensar a participação. A alteração ao Código Penal, em 2015, não foi tão longe, mas impôs penas mais pesadas para estes crimes, passando a incluir entre os crimes sexuais situações em que as vítimas sejam constrangidas a praticar sexo, mesmo sem violência ou ameaça grave.
Segundo o “Correio da Manhã”, a PJ está no terreno a investigar o vídeo. Já a PSP do Porto disse não ter recebido qualquer queixa da vítima. A Procuradoria-Geral da República, contactada pelo i, não informou se foi aberto um inquérito em torno das imagens agora públicas.
A Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), sob alçada da Presidência do Conselho de Ministros, decidiu entretanto apresentar queixa no DIAP da comarca do Porto contra incertos para que seja averiguada responsabilidade individual, considerando que as imagens apontam para “comportamentos de prática de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual”. A CIG também apresentou queixa no DIAP da comarca de Lisboa contra o “CM”.
Antes de ser claro o que se passou no autocarro, ontem, as associações que trabalham com vítimas de violência eram consensuais em relação a que a gravação do vídeo e posterior divulgação apontam para um crime de devassa da vida privada, que pode ser punido com pena de prisão até um ano. A CIG diz ainda que as imagens divulgadas indiciam a prática de crime contra a honra.
Para Daniel Cotrim, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, mais do que tornar a debater se a violação deve ser crime público, importa avançar com mais medidas de apoio às vítimas e acautelar os seus sentimentos de vergonha, medo e represália. Já Elisabete Brasil, da UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta), entende que o crime de violação poderia assumir natureza pública, desde que o processo pudesse ser parado, por vontade da vítima, a qualquer momento. A responsável sublinha ainda que a divulgação das imagens é um ato de violação contínua que importa punir. “No fundo, com a emissão de imagens, estamos a reproduzir o crime.”