Um crescimento económico de 2,8% no primeiro trimestre do ano e a saída do procedimento de défice excessivo. Bons feitos deste Governo?
São tudo boas notícias! Se Portugal cresce 2,8% é uma boa notícia, problema é que em 2016 crescemos 1,4%. Aquele número, quando a Europa cresce muito mais – Espanha nos 3.2%, Irlanda acima dos 5% -, já parece menos boa notícia, já parece pouco. O problema do crescimento deste trimestre [os 2,8%] é que, citando a música do momento, vamos ter de “amar pelos dois” (risos): vamos ter de crescer pelos dois anos, ou seja, por aquilo que não crescemos em 2016. O grande problema do crescimento económico é que quando se perde uma oportunidade para outro país muito dificilmente a recuperamos.
E quanto ao défice?
É uma enorme, enorme, vitória dos portugueses. Portugal chega a este valor de défice com um enorme sacrifício dos portugueses e convém não esquecer que baixámos o défice de mais de 11% (2010) para abaixo dos 3% já em 2015.
E 2% logo em 2016…
Exato, e a única crítica que faço aí é que em 2015 este Governo se deveria ter esforçado mais para garantir que Portugal saía do Procedimento por Défice Excessivo (PDE). Nós poderíamos ter saído do PDE em 2015. Devíamos ter saído no ano passado e o Governo politicamente não o quis fazer. O mérito é dos portugueses.
E é durável? Vamos conseguir manter-nos fora do PDE?
Aí é preciso voltar ao crescimento: o que é curioso no que temos hoje é que este crescimento nega e desmente tudo o que ouvimos a esquerda dizer durante muito tempo. Estivemos anos a ouvir que ‘só podíamos crescer com um grande índice de investimento público’ e agora temos o nível de investimento público mais baixo das últimas décadas e mesmo assim conseguimos crescer. A esquerda dizia até que era impossível ter consolidação orçamental, cumprir o défice e ter crescimento económico ao mesmo tempo, mas afinal foi possível… Diziam também que era impossível ter uma legislação laboral mais flexível sem um aumento de despedimentos e de desemprego, mas com essa reforma estrutural, feita em 2012 e com efeitos a partir de 2013, o código de trabalho ‘para despedir’ foi verdadeiramente um código de trabalho para contratar. Há um conjunto de medidas que começam agora a dar frutos, essa é uma delas. Agora, é preciso perceber quanto tempo é que essas reformas sobrevivem.
Está a dizer essas reformas estão em perigo com esta solução de Governo?
A reforma laboral está sempre em perigo porque nós percebemos claramente que o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista Português e uma parte significativa do PS não gostaram dessa reforma.
Mas não lhe tocaram…
Ainda não tocaram, mas esse perigo está em cima da mesa.
E não lhe tocaram porque prejudicaria os indicadores?
Prejudicaria o investimento, a confiança, o emprego e a sustentabilidade que passa por aqui. Mas há uma segunda coisa que é absolutamente fundamental: um país que não reforme é um país que a prazo está condenado a não crescer. Nós temos, neste momento, o Governo mais imobilista da União Europeia, temos um primeiro-ministro que diz arrepiar-se quando ouve a expressão ‘reformas estruturais’. Hoje, quando olhamos para o crescimento económico em Portugal vemos que este se deve a essas reformas. Falámos no trabalho, mas também no turismo. Hoje, Portugal é um pouco o campeão europeu do turismo, com aspetos muito positivos. Os nossos agentes turísticos tiveram uma extraordinária capacidade de aproveitar uma oportunidade aberta: a lei do turismo foi desburocratizada, liberalizada num conjunto de aspetos e conseguiram-se ultrapassar alguns grupos de interesse da área. É a prova de que quando temos coragem enquanto país para fazer reformas conseguimos resultados.
O Governo anterior fez as reformas e este colhe os frutos?
Eu poderia dizer algo que não deixa de ser verdade: quem nos colocou em défice excessivo foi um Governo do Partido Socialista. E basta olhar para a bancada deste Governo e consegue-se ver quem nos colocou onde estivemos. António Costa, Santos Silva, Caldeira Cabral…
Mas a direita fala em 2011 e as pessoas ouvem ‘resgate’ e pensam na direita. Faz sentido estar na oposição em 2017 a falar em 2011?
Os países têm memória. Em 2010 também fomos apresentados como campeões do crescimento e em 2011 pediu-se um resgate. Não se criaram, na altura, condições para sustentar esse crescimento. Isso também se aplica hoje. Um país que pare a sua necessidade de reformar é um país condenado a ficar para trás. Os países com que concorremos na União Europeia estão verdadeiramente a reformar. É assim que se prepara o futuro.
O primeiro-ministro, António Costa, devia ter uma palavra com o Governo anterior sobre a saída do PDE?
Mais uma vez, é preciso dizer que não foi o esforço de um Governo, foi um esforço efetivo de um povo, especialmente a partir de 2011 e felizmente com alívio a partir de 2014. O que me choca é não ouvir uma palavra do primeiro-ministro relativamente às pessoas, aos trabalhadores e aos empregadores. Este Governo não teve a humildade de perceber que o verdadeiro herói desta vitória se chama povo português.
O Governo anterior também não terá sido imobilista em 2015, por ser ano eleitoral?
Não acho isso. Houve uma série de matérias laborais, da formação profissional e do apoio ao emprego que se conseguiram fazer em 2014 e 2015. No turismo também, na dimensão do Estado também. É normal que quando se está muito próximo de um ato eleitoral se diminua a atividade de um país: acontece em Portugal como em todos os países que vão a eleições. Não se perdeu ímpeto reformista, mas também não se iam fazer grandes reformas a semanas das eleições…
Quando a oposição critica o Governo por não estar a cumprir com o programa – consumo interno, investimento público, etc. – está a criticar o Governo por fazer o mesmo que ela faria, não é?
Mas o ponto não é uma crítica nessa matéria. O ponto é, resumidamente, que o discurso de ‘alternativa’, afinal, não existia. Não tinha adesão à realidade.
Em que medida?
A forma que nós tínhamos para crescer era continuar a apostar efetivamente nas exportações. Eu lembro-me do PS, do BE e do PCP dizerem que só exportações e turismo não eram suficientes. Neste momento, é precisamente à base disso que estamos a crescer. Depois, quando olhamos para as medidas que foram revertidas, vemos que ficaram pior.
Por exemplo?
Com aquilo que está a acontecer nos transportes públicos, vemos que a lógica de investimento, de abertura a capital privado e de recuperação, foi revertida. Hoje, os transportes públicos estão muito piores do que estavam há dois anos atrás.
Para si, o Governo beneficia mais da conjuntura ou das suas políticas?
O ponto é que não beneficiamos o que podíamos ter beneficiado. Estamos com uma conjuntura muito favorável a nível internacional: o petróleo está a níveis historicamente baixos, as taxas de juro também historicamente baixas – mesmo que não tão baixas quanto os nossos congéneres -, e há um cenário de crescimento internacional a nível efetivo. Mas repare que em 2016, Espanha cresceu 3,2% e Portugal apenas 1,4%… É menos de metade.
E agora?
Agora devemos fazer por crescer o que não crescemos no ano passado e procurar sustentar esse crescimento. Fazer previsões seria imprudente. Muita gente não conseguiu antever cenários até do ponto de vista eleitoral, quer nos Estados Unidos, quer no Brexit…
Não falhámos também em antever o sucesso desta solução de Governo – a ‘geringonça’? O investimento privado ia embora mas ficou, o défice era impossível mas não foi, o Governo ia cair e subiu 10% em sondagens…
Se olharmos para a globalidade do investimento em 2016, caiu e caiu a níveis a que não estávamos habituados. Sobre as sondagens, nós, no CDS, caímos num caldeirão quando éramos pequenos e ficámos bastante imunes a essa ciência… (risos). Outro ponto mais importante é que alguém que prometera fazer coisas substancialmente diferentes está a fazer isto. E aí perguntar ao Bloco de Esquerda e ao PCP: como é que apoiam um Governo que não faz investimento público?, que contém o défice como contém? Eu durante muito tempo ouvi que não teríamos crescimento económico se não negociássemos a dívida pública, e agora crescemos sem renegociar a dívida e onde estão o Bloco e o Partido Comunista?
Não estão a fazer assim tão diferente do que o anterior Governo?
O facto é que, afinal, a alternativa não existia. O modelo de desenvolvimento económico que está em prática é o que ganhou as últimas eleições legislativas. Nós também devolveríamos rendimentos, também reduziríamos a taxa do IRS e a fiscalidade, portanto a diferença não é de opção, mas de tempo. Assumimos isso muito claramente.
E não há alternativa porque Bruxelas não o permite?
Não é uma questão de ideologia, é uma questão de economia, de realidade. O crescimento deste Governo parece muito forte porque é homólogo a um crescimento muito fraco, de 2016. Nós olhamos para a Europa e vemos que os países que crescem sustentadamente são aqueles que se inseriam nesse modelo: exportações, captação de investimento e sensibilidade em política fiscal.
Mas no segundo semestre de 2016, o crescimento já foi superior ao homólogo…
É verdade, mas porque o primeiro semestre foi muito fraco e a globalidade do ano também. Foi inferior a 2015.
O facto de ambos os governos tentarem cumprir com as metas europeias tem mais a ver com bom senso económico que com opções políticas, então?
Ter finanças públicas em ordem é um motivo de crescimento. Os países mais endividados têm maiores dificuldades no crescimento: é uma regra económica. A dívida não fomenta o crescimento, a dívida é um entrave à liberdade que o país tem. O que é plausível de perguntar é se podemos aproveitar a liberdade que a saída do PDE nos dá para fazer reformas. A Polónia fez isso mesmo.
E que reformas, agora que o país está mais solto?
Por que não aproveitar para finalmente reformar a Segurança Social, dando-lhe maior sustentabilidade a longo prazo? O dinheiro da Segurança Social não é do Estado, é de quem trabalha todos os dias para o seu futuro. A sua gestão tem de ser mais eficaz e responsável.
Ainda lá fora, tivemos um ano de Brexit e Trump e agora temos um ano em que sobrevivemos às eleições na Holanda, em França e, ao que tudo indica, sobreviveremos também à ida às urnas na Alemanha. Haverá agora lugar para maior consenso europeu?
Tem de haver. A Europa percebeu que tem que reformar muitas das suas regras. Tem de, antes de mais, concluir a arquitetura da Zona Euro. Isso é fundamental para um país como Portugal, nomeadamente no que diz respeito ao mecanismo de supervisão bancária. Ainda estamos a meio da ponte. Por outro lado, a Europa enquanto Europa vive hoje num mundo que está a mudar rapidamente…
Em que sentido?
O Brexit terá uma consequência forte, diminuindo a componente atlântica da União Europeia. O Reino Unido tinha o papel de equilibrar, como contrapeso do eixo franco-alemão. O que não pode acontecer – até porque nunca aconteceu até hoje – é deixar-se algum país para trás quando este cumpre com os critérios para avançar na construção europeia. Neste momento, discute-se muito sobre uma eventual separação dentro da Zona Euro: um país que queira estar no pelotão da frente não pode deixar de estar por imposições de outros. Destruiria completamente um valor que nos últimos anos foi muito maltratado no quadro da União: a solidariedade.
A partir de quando deu por isso?
Quando houve a divisão entre os países do norte e os países do sul sobre a crise das dívidas soberanas. Os supostos ‘credores’ de um lado e os supostos ‘devedores’ do outro. Quando o sr. Dijsselbloem falou da lógica de ‘gastar tudo em mulheres e álcool’ isso ficou ainda mais evidente. É uma quebra de solidariedade.
E vê esperança noutro tipo de discurso?
Em França. Prestamos muita atenção à sra. Le Pen, que tinha um discurso protecionista, contra a globalização, contra a União Europeia, que curiosamente é protagonizada pelo Partido Comunista, pelo Bloco de Esquerda e, em parte, por algumas pessoas do Partido Socialista aqui em Portugal. Mas houve outro discurso, reformista internamente e para a Europa, o de Emmanuel Macron.
Não é mais difícil promover uma agenda para a Europa quando se é político num país como Portugal do que quando se tem a dimensão da França?
Portugal, neste momento, tem uma posição que pode ser privilegiada. É um país que conseguiu efetivamente descer de 11% de défice para 2%. Um país que fazendo reformas estruturais voltou a ter crescimento económico. Um país que demonstrou que era possível dar a volta.
Foi difícil ser governante e europeísta quando a Europa sofria da falta de solidariedade que referiu?
Foi muito difícil porque as pessoas são as primeiras a sentir essa falta de solidariedade. A Europa esteve francamente mal em alguns momentos. Muitas vezes Bruxelas, que é muito fechada e muito aritmética, não percebeu as dificuldades que as pessoas estavam a passar nem a grande hipocrisia política que passava no seu discurso.
Hipocrisia?
Nós tínhamos dirigentes europeus a dizer uma coisa e agentes a fazer exatamente o seu contrário. Esse contraste foi muito evidente para as pessoas.
E o Governo chamava à atenção para isso?
Muitas vezes. Muitas vezes o Governo recusou propostas sem sentido, desligadas da realidade portuguesa.
Tais como?
As soluções de crescimento económico não são uma folha de Excell para impor de igual forma em todos os Estados. Eu nunca alinhei na ‘eurofolia’, fui sempre bastante calmo nessas matérias porque a construção europeia tem processos positivos. Não é possível ter uma união de 27 Estados em que cada um faz o que quer. Mas não tenho dúvidas que hoje, para Portugal, seria muito pior estar fora da União Europeia do que é estar dentro da União Europeia.