"Não há nada em que paire tanta sedução e maldição como num segredo», disse o filósofo Søren Kierkegaard. «É prudente não procurar saber segredos, e é honesto não os revelar», vaticinou Benjamin Franklin. «Tolo e muito tolo é aquele que, ao revelar um segredo a outra pessoa, pede-lhe encarecidamente que não o conte a ninguém», escreveu Miguel Cervantes. Todos os temos, os nossos e os que nos confidenciam. Fascinaram autores, como Freud, que tocou uma das feridas: com o segredo, vem a angústia de ser confrontado com a sua exposição. E se os outros podem sempre trair-nos, o problema é o que dizemos sem querer. «Qualquer pessoa que tenha olhos para ver e ouvidos para ouvir deve convencer-se de que nenhum mortal é capaz de guardar um segredo. Se a boca se cala, falam as pontas dos dedos. Traímo-nos por todos os poros».
Mas o que são afinal os segredos? Quão frequentes são? Ter um segredo faz bem ou mal? Uma equipa de investigadores da Universidade de Columbia publicou em maio na revista científica Journal of Personality and Social Psychology a resposta mais completa até à data. Começam por defender que é preciso rever a definição dos segredos. Para os autores, não são o que escondemos de outros durante interações sociais, mas a intenção de esconder informação de um ou mais indivíduos. E isso faz toda a diferença: um segredo existe mesmo que nunca haja um frente a frente em que se tenha de mentir ou omitir informação. E é porque existem desde esse primeiro momento que podem ser prejudiciais. Num conjunto de estudos, a equipa concluiu que são os períodos em que as pessoas estão sozinhas a matutar nos segredos que estão associados a maiores níveis de mau estar.
Cada pessoa guarda em média treze segredos
Michael Slepian, psicólogo social e um dos autores do artigo, explicou ao B.I. que a ideia de estudar a fundo este tópico surgiu há uns anos, quando estavam a analisar a forma como as pessoas lidam com coisas que não experienciam fisicamente. «O segredo é uma dessas coisas, as pessoas dizem por exemplo ‘carregar um segredo’. Descobrimos que muitas pessoas tinham uma sensação semelhante ao de andar com uma coisa pesada: quando carregamos peso físico, temos mais dificuldades em andar, andamos mais curvados. Com os segredos parece que havia o mesmo efeito.»
Estava dado o pontapé de saída para a investigação agora publicada. Ao todo, fizeram dez estudos, que envolveram cobaias recrutadas entre pessoas que passeavam no Central Park e inquéritos através da internet, num total de mais de 2000 participantes.
No artigo científico, disponível na íntegra da internet, os autores notam que, embora toda a gente tenha segredos, a literatura científica tem-se debruçado pouco sobre o assunto. Nos últimos 50 anos, identificaram apenas oito trabalhos na área da psicologia que mencionavam a palavra segredo no título. As explicações, admitem, são simples. Por um lado, é difícil medir e observar os efeitos de algo que está escondido. Por outro, acreditam que as anteriores conceções em torno dos segredos limitavam o campo de estudos: até aqui, recordam, os académicos tendiam a ver os segredos como ações deliberadas de esconder algo de alguém e não como a intenção de o fazer.
Nos diferentes estudos, analisaram 13.000 segredos, o que permitiu pistas inéditas sobre este fenómeno. Ao analisar segredos de mil participantes, começaram por definir 38 categorias de comportamentos ou questões de identidade que mais vezes parecem ser escondidas dos outros.
A lista é grande, mas inclui situações como ter magoado alguém, uso de drogas, sentir desejo, estar insatisfeito com a vida amorosa, ter tido um mau desempenho no trabalho ou escola, esconder uma gravidez ou uma crença. Ao confrontarem depois 600 participantes com estas categorias, em três estudos distintos, perceberam que em média as pessoas já tinham tido pelo menos 20 dos 38 tipos de segredos elencados e que, no momento do inquérito, tinham em média 13 segredos ativos. A análise permitiu perceber o que parece ser o segredo mais comum: pensar noutras pessoas que não os companheiros. Seguem-se comportamentos de natureza sexual, o ter dito uma mentira, ter quebrado a confiança de alguém, ter roubado, ser infiel emocionalmente, esconder algo relacionado sobre a história da família e questões financeiras.
Se esta classificação é inédita o mais surpreendente, diz Slepian, foi confirmar de onde vem o tal peso dos segredos. Estudos anteriores já tinham demonstrado que as pessoas usam grande parte do seu dia, quando estão a lavar a loiça ou presas no trânsito, para pensar em coisas que as angustiam como uma suspeita de doença ou um caso extraconjugal. Na investigação, confirmaram que as pessoas tendem a pensar duas vezes mais nos segredos quando estão sozinhas a matutar do que propriamente quando estão perante outros e têm de os esconder. E é sobretudo quando estão sozinhas que os segredos são associados a mais mau estar. Quão prejudicial pode ser um segredo guardado a sete chaves? Slepian admite que é difícil quantificar, vai depender do segredo. Mas espera que o estudo ajude as pessoas a pensarem de outra forma nisso. «Mesmo que não queiram partilhar o assunto com ninguém, se for algo que em que pensam muitas vezes, podem usar fóruns anónimos na internet para falar sobre o assunto».