Índia: a dimensão de um nome.
É na Índia que está Luís Norton de Matos, seleccionador dos sub-17 que irão disputar, em casa, o Mundial que se desenrola de 6 a 28 de Outubro próximos. Uma experiência única da qual fala com entusiasmo.
Como surgiu a hipótese indiana?
A possibilidade surgiu por parte de um treinador português que me perguntou se estaria interessado em treinar a selecção da India de Sub 17. Fiquei surpreendido mas não hesitei na resposta. Poder participar num Campeonato do Mundo, independente do escalão, não se pode recusar.
Que atractivos encontraste nela?
A oportunidade e o desafio. Sempre gostei de dificuldades e de objectivos “impossíveis”. É a missão mais difícil da minha vida futebolística. Tenho noção disso.
Financeiramente interessante?
Não é mais aliciante do que a realidade em Portugal da maioria dos clubes da I Liga. Mas do ponto de vista emocional e de respeito pela figura do treinador é de uma enorme riqueza. A paz de espírito não tem preço.
Que realidade foste encontrar?
Fui encontrar um enorme entusiasmo e uma grande vontade do país em desenvolver o seu futebol, sendo a organização do Mundial em Outubro um passo importante para a divulgação deste desporto ainda com pouca visibilidade e pouca estruturação competitiva nos escalões de formação. Mas a realidade do futebol deste país está ainda muito longe da realidade da maioria dos países do resto do mundo
Quais as ambições da Índia para o Mundial?
A primeira grande preocupacao dos dirigentes é ver diminuir o enorme fosso competitivo existente entre a selecção indiana e a grande maioria dos outros países. Por outro lado esperam progressos individuais dos jogadores e na organização colectiva, traduzida em melhor qualidade de jogo. Eles têm consciência que a dificuldade é enorme e que será um feito extraordinário conseguir uma vitória.
Vês miúdos com futuro internacional?
Esta é a primeira grande selecção indiana em escalões jovens. Alguns deles surpreenderam-me pela qualidade,nada inferior aos jogadores europeus ou Sul americanos. Se puderem ter a possibilidade de ir para o estrangeiro ainda com idade junior acredito que possam ter sucesso. Existe muita qualidade inata. O grande problema destes jogadores é a ausência de competição regular. Por exemplo: um jogador europeu com 17 anos muitas vezes já tem 10 anos de competição num clube. Essa experiência é algo que nenhum treinador do mundo pode dar em alguns meses de trabalho. Por isso o jogador indiano é ingénuo nos duelos, pouco eficaz na finalização e comete muitos erros que só a experiência competitiva corrige. O lado positivo é uma concentração maxima, uma atitude inexcedível, um ritmo intenso, muita velocidade e uma vontade enorme de aprendizagem.
Que faltará ao jogador indiano para poder jogar na Europa?
Sobretudo que acreditem nas suas possibilidades e dar a oportunidade de virem para a Europa ainda como juniores. (18 anos).
Estás instalado onde ? Goa? Delhi?
Eu comecei o meu trabalho há quase três meses. As primeiras semanas estive em Goa, onde analisei 50 jogadores. Desses jogadores escolhi 25 para uma digressão pela Europa. Já passamos por Portugal, França, Itália e Hungria(até dia 16 Junho). Depois Espanha ate 30 de Junho. O clima na Índia neste momento (até final de Agosto) torna impossível trabalhar em condições. Mas a base é Goa e penso que começamos o Mundial em Delhi, onde estagiaremos nas últimas semanas que precedem o jogo inaugural( 6 de Outubro).
Como te adaptaste?
Em Goa a adaptação é muito fácil . Boas condições de trabalho, tranquilidade no dia a dia e um povo muito simpático e acolhedor, para além de uma energia muito positiva que nos faz sentir bem. Local propício para uma boa introspecção da alma, um melhor conhecimento do “eu” e actualização de conhecimentos através da leitura. Sinto uma grande paz interior que me dá um enorme equilíbrio emocional.
Que sentes mais falta?
Só sinto falta da familia próxima, porque sempre me habituei aos rituais e hábitos famíliares desde a infância. Apesar dos meios tecnológicos que atenuam as ausências em qualquer parte do globo, a noção da enorme distância aumenta essa necessidade. Falta-me a química dos contactos físicos, dos cheiros, da intensidade dos olhares, da espontaneidade dos gestos….
Já tiveste outras experiências no estrangeiro. Esta difere em quê?
Todas as minhas experiências no estrangeiro foram diferentes mas com um denominador comum: avidez de vivenciar experiências diferentes. Como jogador estive 3 anos a viver na Bélgica, onde me fiz homem e onde amadureci como jogador. Tive a felicidade de ter conhecido a Bíblia do Futebol dessa época personificada em Ernst Happel , o meu grande guru do treino. Como treinador fiz um percurso diferente da maioria dos treinadores quando vão para o estrangeiro: criei o meu próprio clube de futebol- Etoile Lusitana- em África, no Senegal, direccionado para a formação de jogadores. Foram 5 anos intensos em que tive a gratitude de ganhar vários torneios de prestígio na Europa e de ver jogadores formados por mim atingirem a I Liga de países como Portugal, França, Italia ou Belgica. Chamaram-me maluco quando comecei o projecto porque era algo que não estava ao alcance da maioria dos treinadores por esse mundo fora. Esta ida para África abriu-me as portas de seleccionador da Guiné -Bissau ( também me chamaram louco por aceitar este cargo)onde ajudei a criar as estruturas da selecção nacional , juntamente com o Treinador Helder Fontes ,através de uma logística profissional até então inexistente e a mudanca de mentalidade em relaçao aos jogadores chamados a servir a selecção . Foi uma renovação completa, com incidência em muitos jovens, que serviu de preparação para este país conseguir qualificar-se para a CAN (Campeonato das Nações Africanas), o que aconteceu 4 anos depois, tal como tinha previsto. Foram 18 meses de grande felicidade num país que me recebeu como um familiar seu. Agora a Índia é outro desafio que aceitei perante a incredulidade de muita gente, mas não tenho dúvidas que as experiências anteriores têm bastantes pontos em comum e foram muito importantes para a compreensão e desenvolvimento deste novo desafio. A diferença mais flagrante entre este projecto indiano e os outros é a participação num Campeonato do Mundo.
Ponderas continuar por aí depois do Mundial?
Gostava de continuar na Índia , na continuação deste projecto, porque tenho um projecto global para o futebol indiano e sei exactamente qual o caminho a seguir para o desenvolvimento do futebol jovem indiano nos próximos 6/7 anos, altura em que a Índia terá equipas de selecção bastante competitivas e capazes de bater o pé a qualquer selecção do planeta. Mas isto só será possível se se criarem infra estruturas e quadros competitivos adequados a essa evolução.
Que opinião tens do campeonato da Índia nestes novos moldes?
Era inevitável que a Índia tivesse um único campeonato. Vai tornar o futebol mais competitivo, vai trazer mais gente aos estádios, vai divulgar novos ídolos e gerar mais investimento de gente interessada em desenvolver o futebol.
Como combater a ditadura do críquete?
Num pais com cerca de 800 milhões de habitantes abaixo dos 35 anos, o Mundial de sub 17 é um marco importantíssimo se se souber dar-lhe continuidade. Esta selecção indiana vai ser um exemplo para o país, os seus jogadores vão ganhar uma dimensão de heróis, independentemente dos resultados, e há que saber aproveitar isso no imediato. E o imediato é dar condições a esta selecção de continuidade para o próximo Mundial de sub 20. Ao mesmo tempo haver plano para desenvolver numa lógica de uniformidade e continuidade os escalões de sub 11, sub 13, sub 15 e sub 17.
Achas que os clubes portugueses devem apostar em ter academias na Índia?
Tal como na China os clubes portugueses terão grande interesse em apostar neste mercado indiano. A marca “Futebol Português” ( equipas de clube,seleccoes, jogadores, treinadores, directores desportivos…) é das mais valorizadas no Mundo e este é o momento de apostar. É um mercado gigantesco que abre enormes possibilidades às receitas de marchandising , de televisão. Sobretudo se os clubes souberem “ler” a antecipacao do futuro. Há muita forma de lá chegar se se souber tirar partido do talento dos indianos, integrando alguns deles nas suas academias de formação. Fazer protocolos e parcerias com clubes. Participar o capital social de clubes. Antecipar o futuro deverá ser o lema.