Seis anos depois, o ‘manelismo’ deixou de criticar Pedro Passos Coelho apenas no pequeno ecrã para passar a atacá-lo na arena política. Manuela Ferreira Leite é a primeira subscritora da lista de Nuno Morais Sarmento à assembleia distrital do PSD/Lisboa.
A antiga presidente do PSD esteve ontem na apresentação da candidatura do seu ex-colega no Governo de Durão Barroso, num hotel em Lisboa, assim como também no jantar que recebeu Rui Rio na capital, nesta terça-feira, onde Morais Sarmento também esteve à mesa.
Ferreira Leite – antecessora e crítica acérrima da liderança de Passos – toma assim partido no futuro de uma distrital que também já foi chefiada por si.
O SOL sabe que Morais Sarmento foi incentivado por Rui Rio a encabeçar uma lista à assembleia da distrital, marcando uma posição contra a lista única (mas à comissão política da distrital) liderada por Pedro Pinto, deputado e ex-presidente da JSD muito próximo de Passos Coelho.
Resumindo: a antecipação das eleições na maior distrital do país para antes das eleições autárquicas – contra a recomendação prévia do Conselho Nacional do partido – acelerou a saída do incumbente, Miguel Pinto Luz, e reduziu a margem para os distantes de Passos tentarem ganhar a distrital. A solução encontrada foi de meio-termo, entre caminhos. Não conseguindo contrariar a unanimidade da lista de Pedro Pinto à estrutura, pois conta com o apoio da atual direção nacional do PSD e do próprio antecessor (Pinto Luz), os críticos dessa linha optaram, noutra abordagem, por apresentar uma lista à assembleia dos militantes da distrital e não para a direção – internamente denominada como comissão política.
Nuno Morais Sarmento, como cabeça dessa lista, não arrisca o confronto direto – e possível derrota – contra Pedro Pinto, mas não deixa de representar um nome de peso na história recente do partido, com uma distância assumida a Passos Coelho e uma proximidade não desmentida a Rui Rio. E há militantes entusiasmados, nomeadamente os mais desgostosos com as sondagens recentes do partido a nível local e com a dinâmica pouco presente de Teresa Leal Coelho. «As pessoas queriam uma cara e agora têm uma. A maioria dos militantes não saber, nem quer saber, se é para a comissão política ou para a assembleia distrital. Querem é mostrar o seu descontentamento», adianta um apoiante da lista de Sarmento, que jantou esta terça-feira na antiga FIL. «Já tinha estado com Manuela Ferreira Leite quando foi presidente do partido. É bom vê-la de volta».
Dito de outro modo: Passos segurou o partido, potenciando a distrital de Lisboa para Pedro Pinto; e Rui Rio mostrou as garras, incentivando Sarmento a apresentar-se à assembleia da mesma distrital e com o apoio de Manuela Ferreira Leite. A velha guarda, então, já pensa em congresso. E algum PSD vai procurando futuro no passado.
Os antigos na antiga FIL
No jantar desta terça-feira, no Centro de Congressos de Lisboa, Rio falou sobre as causas económicas e políticas da crise. O anfitrião foi o antigo vice-presidente da concelhia de Lisboa, Rodrigo Gonçalves, entretanto ‘purgado’ do PSD local pela direção passista, sendo que o jantar já estava marcado antes da antecipação das eleições para a distrital.
Estiveram também presentes o deputado Feliciano Barreiras Duarte – igualmente em crescente distanciamento de Passos nos últimos 18 meses –, o ex-ministro Luís Mira Amaral, o ex-ministro Ângelo Correia, o ex-ministro António Capucho (expulso do partido por Passos), o ex-secretário de Estado José Arantes, o ex-secretário de Estado José Amaral Lopes, o ex-líder da distrital de Lisboa Pedro Roseta, o também ex-presidente da distrital lisboeta António Preto, o ex-deputado André Pardal, o ex-adjunto de Balsemão Patrício Gouveia e o ex-candidato presidencial Henrique Neto – à excepção deste último, todos com presença antiga no PSD.
Todos com o termo ‘ex’ antes dessa presença e a maioria terá o nome na lista de Morais Sarmento à assembleia distrital. A sala contava com duas centenas de inscritos.
A organização do evento, a cargo de Rodrigo Gonçalves, tem um porquê e não é despiciendo. Gonçalves, que ganhou preponderância no aparelho laranja apadrinhado por António Preto, garante deste modo tornar-se o interlocutor de Rio na capital.
Afastado por Passos e Pinto Luz das listas para as eleições autárquicas deste ano devido a controvérsias judiciais expostas numa investigação publicada no Observador, o dirigente _era vice-presidente de concelhia de Mauro Xavier – o líder concelhio que se demitiu do PSD/Lisboa dizendo que não voltaria «a votar Passos», sendo que Xavier é outro dos sociais-democratas envolvidos na promoção de Rui Rio como alternativa a Passos para o próximo congresso.
Há cerca de um mês, António Preto, próximo de Manuela Ferreira Leite há mais de dez anos e também ele antigo presidente da distrital lisboeta, que será disputada dentro de uma semana, fez esclarecer ao SOL que nunca voltaria à atividade partidária ou política.
«Ao longo dos últimos seis anos, apesar de totalmente afastado da vida política interna do PSD, fiz questão de estar sempre presente nalgumas ações de campanha eleitoral ou com ela conexas (legislativas e autárquicas). E, apesar disso a minha presença nunca foi sublinhada, nem entendida como um regresso», escreveu Preto.
O certo é que não deixa de ser coincidente o facto de Gonçalves, um homem de Preto, apoiar Sarmento. E Preto, um homem de Ferreira Leite, a fazer o mesmo. Sempre com Rui Rio nos bastidores, onde, aliás, deve permanecer até aos resultados das autárquicas. «Depois, sim, mostrará a cara e acelera para o congresso [no primeiro trimestre de 2018]», prevê a mesma fonte, que requereu anonimato. «Já ninguém tem dúvidas que será candidato a presidente do partido». No jantar, Ferreira Leite sentou-se à direita de Rio. Bem a jeito para os fotógrafos que depois tiveram que sair. À semelhança dos eventos em que o antigo presidente da Câmara do Porto tem discursado, as portas fecham-se à imprensa.
Na página de candidatura deMorais Sarmento, este assina uma carta em que justifica o seu assumir de posição: «Não colaborámos nem subscrevemos muitas das escolhas feitas, algumas vezes apenas explicadas pelas pequenas disputas internas de poder, e não pela escolha dos mais aptos e mais preparados para servir a comunidade», considerando o processo como responsável por um não prenúncio de «resultados promissores», e como responsável pela divisão de «estruturas e afastar militantes». É preciso por isso, do seu ponto de vista, «voltar a mobilizar os militantes, voltar a unir o partido e voltar a apresentar aos portugueses uma proposta motivadora e de futuro, para Portugal».
A veia nacional da estratégia está, assim, tudo menos oculta.
A herança de Lisboa
A história, todavia, não começa só aqui. Os ventos ‘rioístas’ não chegaram a Lisboa só com o verão. Na realidade, estão lá desde o último Natal.
A faceta problemática da concelhia do PSD/Lisboa começou a surgir em finais do ano passado, quando Rodrigo Gonçalves organizou um (outro) jantar em que desafiava Passos Coelho a ser ele próprio o candidato à Câmara Municipal de Lisboa.
Os convidados destacavam-se e a grande parte coincide com o repasto desta semana. Todos sociais-democratas distantes de Passos Coelho: Ângelo Correia , Pedro Rodrigues, Francisco Moita Flores, Feliciano Barreiras Duarte, António Preto e Luís Alves Monteiro, que é sócio de Rui Rio na empresa Boyden. Mauro Xavier, por sua vez, estava a regressar de viagem profissional.
A maioria dos presentes nesse jantar/comício que desagradou substancialmente à direção de Passos foi dirigente do partido desde a primeira candidatura do atual líder, em 2008. Barreiras Duarte fora seu chefe de gabinete até Passos Coelho ir para primeiro-ministro, Xavier fora seu diretor de campanha na segunda candidatura, em 2010, Ângelo Correia fora o seu ‘padrinho’ interno no PSD, Moita Flores fora dos primeiros autarcas a defender Passos ainda durante o consulado de Manuela Ferreira Leite e Pedro Rodrigues fora chefe de gabinete de Poiares Maduro durante o Governo PSD/CDS liderado por Passos. Hoje, estão todos afastados do presidente do partido por discordância política ou quezília pessoal. A presença no primeiro jantar de desafio não era, portanto, coincidência.
Se em dezembro a separação entre a sede nacional e esta ala lisboeta se oficializou, seis meses depois, assinaram-se os papéis. Rui Rio segurou a caneta. Ferreira Leite foi a notária. Morais Sarmento a noiva, António Preto o padrinho e Gonçalves o menino das alianças.