No dia 12 de agosto de 2003, o então primeiro-ministro Durão Barroso declarou que «o país deve colocar como prioridade da sua ação o repovoamento florestal, um tratamento mais moderno e eficaz da nossa floresta». A declaração feita há 14 anos, após uma vaga de incêndios sem precedentes que levou à morte de 21 pessoas, não é muito diferente daquela que foi feita por António Costa agora ao prometer dar “grande prioridade” à reforma da floresta. Durão prometeu apresentar até Outubro desse ano uma reforma estrutural no sentido de garantir «uma floresta mais racional, mais ordenada, criadora de riqueza». Costa defendeu que a floresta «tem de ser tratada, ordenada e certificada».
Ao todo arderam, no Verão de 2003, cerca de 300 mil hectares de floresta. O balanço foi trágico com a morte de duas dezenas de pessoas nos muitos incêndios que afetaram o país. O governo declarou «a situação de calamidade pública» e atribuiu a tragédia «a uma vaga de muito calor, com temperaturas superiores a 40 graus, acompanhadas de níveis de humidade na atmosfera muito baixos, acrescidas de ventos de grande intensidade e com a ocorrência de trovoadas secas». O comunicado, aprovado numa reunião extraordinária do Conselho de Ministros, no início do mês de agosto, previa «apoios excecionais» para as «as famílias que perderam as suas fontes de rendimento».
‘A meteorologia não explica tudo’, diz Ferro Rodrigues
A dureza do calor não convenceu, porém, a oposição. «A meteorologia não explica tudo», disse ao jornal Público Eduardo Ferro Rodrigues, que era o secretário-geral do PS. O atual presidente da Assembleia da República, numa visita á área ardida, ouviu dos bombeiros muitas queixas de «falta de meios» para combater os incêndios.
Ao mesmo tempo, Vieira da Silva, dirigente socialista e atual ministro da Segurança Social, anunciava ao mesmo jornal que iria reunir com autarcas e garantia que «quase nada correu bem». O agora ministro apelava, no dia 11 de agosto desse ano, que era tempo de «fazer um balanço da atuação do governo».
PCP e BE criticam atuação do governo e falta de meios
O PCP, pela voz de Luísa Araújo, também rejeitava que as condições climatéricas fossem a única explicação para «a dimensão catastrófica dos incêndios que têm atingido o país». A dirigente comunista apontava o dedo ao «desinvestimento dos sucessivos governos, e também do atual governo, nos meios de prevenção permanentes» e acusava o executivo PSD/CDS de ter feito «uma má avaliação sobre o que estava em causa, sobre a dimensão da calamidade, reagiu tardiamente e de forma insuficiente, sendo evidente no terreno uma enorme falta de meios humanos e materiais».
O editorial do Avante! atacava o primeiro-ministro por ter apelado a que a tragédia não fosse transformada em divergências político-partidárias. «Trata-se, isso sim, de não permitir que os habituais discursos ostensivamente emocionados e, até, com lágrima ao canto do olho, logrem o esquecimento coletivo de responsabilidades».
O Bloco de Esquerda também apontava o dedo aos «sucessivos governos». Francisco Louçã falou em «óbvia negligência» dos governos que «ficam à espera que o verão do seu consulado seja mais fresco que o anterior».
O Partido Ecologista ‘Os Verdes’, num extenso comunicado sobre os incêndios desse ano, manifestava «o profundo sentimento de revolta que sente perante o que está a acontecer e que poderia ter sido evitado».
O então ministro da Administração Interna Figueiredo Lopes rejeitou as acusações feitas pela oposição. «É natural que existam críticas. Mas há uma que não posso aceitar: que o Governo tenha demorado a reagir ou que esteve ausente».
Guilherme Silva era, em 2003, líder parlamentar do PSD e garante que a reação à tragédia que afetou quase todo o país não foi muito diferente daquela a que assistimos nas últimas semanas. «Se nós formos comparar aquilo que foi dito e as questões que se colocaram já nessa altura, há 14 anos, não diferem muito das preocupações que tem sido manifestadas com esta situação, que tem uma gravidade mais relevante», diz ao SOL Guilherme Silva. O social-democrata recorda-se de reunir com Durão Barroso e de «ele estar muito preocupado com as consequências políticas» dos incêndios.