O novo joguete de Kim Jong-un

Prossegue a rápida marcha militar da Coreia do Norte. O regime pode pela primeira vez atingir o solo dos EUA.

O míssil que o regime da Coreia do Norte disparou para o espaço no começo da semana não foi apenas mais um teste de provocação e fogo de artifício. Trata-se de muito mais do que isso: é o seu primeiro engenho intercontinental, uma inovação transformadora, um salto de gigante nos seus ambiciosos planos de sobrevivência por destruição mútua, um valioso argumento avisando que derrubar Kim é impossível sem morrerem centenas de milhares de pessoas e uma nada disfarçada mensagem aos inimigos norte-americanos, dizendo que o seu arsenal nuclear não vai a lado nenhum e que o regime pode sentar-se à mesa dos graúdos para negociar. Isto de acordo com os dados preliminares, claro, que sugerem que o novo míssil Hwasong-14 é capaz de atingir pelo menos o Alasca e o Havai. Por outras palavras, os Estados Unidos estão finalmente ao alcance do reino ermita, que pode ainda não ter a tecnologia necessária para instalar uma das suas dez ou vinte ogivas nucleares no novo míssil, mas que, dependendo das estimativas, não demorarão muito mais do que dez anos a consegui-lo. A ameaça pode não ser iminente, mas já ninguém a contesta. Não é uma questão de ‘se’. É uma questão de ‘quando’.

Os serviços de informação americanos tendem a errar no ‘quando’. Como recorda o especialista em armamento do New York Times, David Singer, as agências de espionagem subestimaram o programa nuclear soviético na década de 50, o chinês dos anos 60, o indiano nos 70 e o paquistanês nos anos 80. Também o fizeram com os programas nuclear e balístico da Coreia do Norte, abrindo portas a um avanço alucinante para a marcha militar da dinastia Kim. A primeira bomba nuclear norte-coreana foi testada em 2006 e desde então o regime conseguiu contornar as mordazes sanções internacionais ao longo de uma década e desenvolver contra a vontade de aliados e contra operações de sabotagem americanas uma campanha balística que atingiu esta semana o seu apogeu. O regime vinha prometendo-o e cumpriu-o. O feito não é tanto uma surpresa como o tempo que demorou a consegui-lo. «Só não chamaria ao teste uma surpresa simplesmente porque os norte-coreanos têm há muito o grande objetivo de criar um míssil balístico intercontinental» explica Michael Elleman, do respeitado think-tank 38 North, que observa a política e a marcha militar norte-coreana. 

Existe uma boa dose de dúvidas em redor do Hwasong-14, construído aparentemente com partes coreanas e não com sobras de material soviético dos tempos da Guerra Fria, como é habitual. Não está provado ainda que o míssil seja verdadeiramente intercontinental – as agências russas negam-no, mas americanos, japoneses e sul-coreanos não -, o dispositivo pode falhar em futuros lançamentos e há indicações de que o camião que o transporta tem de o instalar primeiro numa pequena base descartável, o que atrasará disparos em tempos de guerra. A tecnologia é imperfeita, mas parece ser suficiente para alcançar mais dos 5500 quilómetros de distância que se exigem dos aparelhos intercontinentais: voou 39 minutos num ângulo exageradamente inclinado, afim de não sobrevoar outros países, atingiu pelo menos 2500 quilómetros de altitude e caiu com uma velocidade de cinco quilómetros por segundo no Mar do Japão.

O inaceitável

O novo míssil muda tudo e não muda nada. Cria mais urgência em Washington, sim, e o Presidente americano prometeu esta semana uma resposta mais «severa» do que as do seu antecessor, Barack Obama, cujo plano da «paciência estratégica» com a Coreia do Norte parece ter sido um tiro no pé. As possíveis respostas ao regime coreano, no entanto, continuam a ser tão más hoje como eram antes do teste do míssil intercontinental. Não há nenhuma estratégia de bombardeamentos cirúrgicos ou operações militares limitadas que não resulte na perda de dezenas de milhares de vidas na Coreia do Sul e Japão. A China, o pilar económico e diplomático do regime norte-coreano, continuará a travar quaisquer sanções que possam derrubar a dinastia de Kim e causar uma avalanche de refugiados – e, provavelmente, a chegada de tropas americanas e aliadas a uma das suas fronteiras. Xi Jinping até convenceu o novo Presidente americano de que Pequim conseguiria conter Kim, quando ambos se encontraram num resort de Trump na Florida, mas o magnata admitiu esta semana que o comércio entre os dois países aumentou 40% desde esse momento e pareceu colocar uma pedra na breve lua de mel sino-americana. «Tínhamos de tentar», escreveu no Twitter, sem abrir mão sobre o que poderá tentar para punir Pyongyang. 

Setores em Washington parecem concluir agora que têm de aceitar o «inaceitável». Os antigos ministros americanos da Defesa vêm dizendo publicamente que não há nada a fazer contra o programa nuclear coreano a não ser – na melhor das más hipóteses – congelá-lo. «Aprendam a viver com uma Coreia do Norte que tem mísseis intercontinentais», argumentavam esta semana os autores Ankit Panda e Vipin Narang, dizendo que os EUA devem reconhecer Pyongyang como um Estado nuclear, parar os exercícios militares que tanto iram o regime e exigir que ele pare novos e mais alarmantes testes do que o desta semana.