Em abril, a Polícia Judiciária (PJ) recebeu uma denúncia anónima com uma lista de civis, que trabalhavam no polígono militar de Tancos, e que estariam alegadamente envolvidos em tráfico de armas para o exterior. A denúncia vinha acompanhada com os números de telemóveis dos nomes dos denunciados.
Primeiro, a denúncia foi parar ao Porto – uma vez que a maioria dos nomes da lista era do norte. O Porto não se considerou territorialmente competente para investigar e mandou para Leiria. Mas Leiria também não considerou que o assunto devesse cair na sua alçada e enviou para Lisboa.
Finalmente, o Ministério Público de Lisboa pediu autorização ao juiz para fazer escutas aos nomes que constavam da denúncia anónima. Mas não teve autorização para as fazer. O juiz pediu que a Polícia Judiciária fizesse mais investigação e recolhesse mais elementos de prova antes de autorizar as escutas. O Ministério Público não recorreu do despacho do juiz Ivo Rosa.
É nesta lista que se baseia agora o novo inquérito aberto pelo Ministério Público – Joana Marques Vidal, a procuradora-geral da República foi posta a par do que se passou com o antigo e investiga agora várias pistas, incluindo a hipótese das armas terem ido parar a uma rede terrorista.
Marcelo colocou-se em alerta político máximo, ainda que o nível de alerta de segurança do país se tenha mantido em moderado. Quando soube do assalto a Tancos, convocou para um almoço o primeiro-ministro António Costa e o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, como o SOL noticiou na edição da semana passada.
Durante a semana, o Presidente da República tomou o comando das operações, com António Costa ausente do país em férias. As férias já estavam marcadas e Costa não viu motivo para as desmarcar depois do que se passou em Tancos, apesar da chuva de críticas da Oposição.
O Conselho de Estado e o Conselho Superior de Defesa vão reunir no dia 21 de julho, com Tancos como prato principal. Marcelo admitiu ontem que as reuniões são ordinárias e já deviam ter acontecido, mas que foram adiadas por causa dos incêndios de Pedrógão Grande.
O limite dos poderes do PR
Com Costa a banhos em Palma de Maiorca, Marcelo fez o papel que corresponderia ao primeiro-ministro. Foi a Tancos, para onde teve que ser deslocado também o ministro da Defesa, que era suposto estar presente numa visita do primeiro-ministro em exercício, Augusto Santos Silva, aos serviços de informações, acompanhado por uma delegação ministerial. Azeredo foi obrigado a faltar à convocatória do primeiro-ministro em exercício para ir a correr para Tancos acompanhar a visita daquele que se revelaria o verdadeiro primeiro-ministro em exercício – o Presidente da República. Ontem, Marcelo assumiria que foi «até ao limite dos seus poderes».
Questionado pelos jornalistas, Marcelo evitou grande conversa sobre o caso de Tancos, a não ser isto: «Eu, como Presidente da República e como Comandante Supremo das Forças Armadas, disse há uma semana já exatamente o que pensava».
«E fiz, a seguir, ao longo da semana, o que entendi que devia fazer. Porventura, sendo interpretado como indo até ao limite dos meus poderes, uma vez que não há precedente de tomadas públicas de posição do Presidente da República e do Comandante Supremo das Forças Armadas sobre este tipo de matérias, no momento em que ocorrem e na fase que ainda decorre». Sem dúvida que, a determinada altura desta semana, poder-se-ia pensar que estávamos em França, onde o Presidente da República tem poderes executivos e nomeia o Governo.
PR quer escrutínio total das Forças Armadas
Marcelo Rebelo de Sousa está preocupadíssimo com o caso de Tancos, mas não defende nem a demissão do chefe do Estado-Maior do Exército, nem a queda do ministro Azeredo Lopes. Não será por pedido expresso do Presidente que as duas cabeças, que estão a ser insistentemente pedidas tanto pela Oposição como no seio do Exército, cairão.
O Presidente, segundo fontes de Belém, defende que as Forças Armadas sejam alvo de total escrutínio, assim como todos os outros poderes. É evidente que o facto de um assalto destas dimensões ter ocorrido num dos mais importantes polígonos militares do país, faz recair sobre a instituição militar um enorme peso, para além da «humilhação» do chefe de Estado-Maior do Exército, como o próprio confessou aos deputados da Comissão Parlamentar de Defesa. Estão em causa suspeitas de que um processo destes não poderia ser montado sem a participação de oficiais.
O tom de Marcelo tem sido particularmente duro. Na visita a Tancos disse: «A minha posição como Presidente da República e como Comandante Supremo das Forças Armadas, pensando no prestígio de Portugal e das Forças Armadas, na autoridade do Estado e na segurança das pessoas é muito simples: tem de se apurar tudo de alto a baixo, até ao fim, doa a quem doer e apuramento quer dizer apuramento de factos e das responsabilidades. Eu já disse isso uma vez, duas vezes, digo terceira vez. Não posso dizer mais uma quarta».
O Governo, através de Augusto Santos Silva, concordou com o que chamou de «palavras sábias do Presidente da República».
O Ministério Público, na terça-feira, anunciou que tinha aberto inquérito aos acontecimentos de Tancos. As suspeitas de que as armas poderão vir a ser usadas em atentados terroristas é admitida pelo Ministério Público.
No comunicado oficial da Procuradoria-Geral da República diz-se que a Justiça está a investigar a «prática dos crimes de associação criminosa, tráfico de armas internacional e terrorismo internacional», entre outros.
«Na sequência de análise aprofundada dos elementos recolhidos, o Ministério Público apurou que tais factos se integram numa realidade mais vasta», lê-se no comunicado.
Com o primeiro-ministro ausente, o Governo viveu provavelmente a semana politicamente mais dura desde que tomou posse. Não só o PSD e o CDS foram violentíssimos, como os parceiros PCP e BE assumiram posições duras. «Como é que um país que gasta mais em Defesa, em percentagem do PIB, do que a Alemanha, a Dinamarca, a Holanda ou a Bélgica não é capaz de ter dinheiro para guardar um paiol?», perguntou ontem a líder do BE, Catarina Martins.