Carros desfeitos, hortas destruídas e jardins arrasados. Os javalis têm dado dores de cabeça a agricultores de norte a sul do país. A Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza admite um aumento do número de indivíduos desta espécie em todo o território nacional, mas rejeita que exista uma praga em Portugal. Agricultores e caçadores discordam e dizem que, “na prática”, estamos perante um caso preocupante que está a pôr em causa a subsistência de quem vive da terra.
José Vilhena, um agricultor e caçador alentejano, disse ao i que, há pouco tempo, um homem e um bebé estiveram envolvidos num acidente com um javali em Porto Covo. As vítimas não sofreram ferimentos graves, mas tiveram prejuízos com os danos na viatura. “Isto acontece todos os dias. Está a tornar-se cada vez mais preocupante”, afirmou.
Ricardo, um habitante de Ilhas, perto de Arraiolos, sofreu na pele as consequências de um encontro não com um, mas vários javalis. “Estava na estrada quando cerca de dez javalis atravessaram a via. Bati num e despistei-me, acabando por sair da berma. O javali morreu e o meu carro ficou danificado. O arranjo custa cerca de 3500 euros”, contou ao i o agricultor, que notificou a ocorrência à GNR e esteve na Câmara Municipal de Arraiolos a tentar saber se terá direito a alguma ajuda. “Só daqui a uma semana é que saberei se irão auxiliar-me”, acrescentou.
Contactada pelo i, a GNR disse não ter recebido muitas queixas quanto a incidentes envolvendo javalis, mas admitiu que, face ao que é exposto pelas populações, este é um tema que tem gerado uma maior preocupação entre as comunidades que vivem junto aos habitats destes animais. Esse receio leva várias pessoas a tomarem medidas e a inventarem os seus mecanismos para travarem os avanços dos animais. “A GNR já chegou a ter de libertar javalis que estavam presos em armadilhas. Um dos casos mais recentes ocorreu em Odemira”, explicou o major Ricardo Vaz Alves, chefe da Repartição da Natureza e Ambiente da GNR.
“No último mês ocorreu um episódio de atropelamento de javali em Portalegre, no concelho de Castelo de Vide. Temos noção de que ocorrem vários casos semelhantes, mas não fazemos o tratamento estatístico, a não ser que sejam animais selvagens protegidos, como o lince”, explicou.
José Batista, do movimento Mais Caça, disse ao i ter conhecimentos de várias situações preocupantes de pessoas que ficaram sem os seus meios de transporte ou sem as suas culturas e que não têm direito a qualquer indemnização. “Não há indemnização, a não ser que a pessoa tenha seguro contra todos os riscos. Sei de um caso de um casal de motards que teve um acidente com um javali. As pessoas estiveram dois meses de baixa e o seguro cobriu as despesas hospitalares, mas não os danos na mota”, revelou.
O líder do movimento Mais Caça acusa o governo de inércia e defende que é essencial que haja mais momentos de caça, e que Portugal deve seguir o exemplo de Espanha: “Em Portugal há montarias entre outubro e fevereiro, existindo até zonas onde esta atividade não se pratica. Em Espanha está a ser planeada a possibilidade de fazer esperas [noturnas] todos os dias, não só nos períodos de lua cheia. Nós sugerimos ao ministro da Agricultura e ao secretário de Estado que seja permitido realizar batidas aos javalis com uma maior frequência, principalmente nos locais onde estes animais são vistos mais vezes”, sugere José Batista.
Não se pode falar numa praga
Samuel Infante, especialista da Quercus, explicou ao i que tem existido um aumento da população de javalis em território nacional, mas que não se pode falar numa praga. “Fruto do aumento das populações em Espanha, do abandono agrícola e da expansão das áreas florestais, as populações [de javalis] em Portugal também aumentaram”, explicou ao i.
Este especialista defende também que o problema está na vegetação existente na floresta portuguesa (com um grande número de eucaliptos e pinheiros, que não alimentam estes animais) e na falta de predadores – no norte, os lobos acabam por manter o equilíbrio no que diz respeito ao número de javalis existentes no ecossistema, mas em zonas como o centro, onde são registados os casos mais preocupantes no que diz respeito ao aumento populacional, o homem é o único predador. “O homem desequilibrou o ecossistema – com as monoculturas de eucalipto e pinheiro (que não têm tanta comida para estes animais), com os incêndios e com a falta de predadores. Como não têm como se alimentar nos eucaliptais, estes animais descem às hortas ou a zonas perto das aldeias em busca de comida. Se houvesse carvalhais, zonas com bolota ou cogumelos, com frutos silvestres, com outro tipo de solo, os animais alimentavam-se e não pressionavam tanto as zonas agrícolas”, afirma.
Samuel Infante diz que o problema existe de norte a sul do país, mas que a maioria dos problemas têm sido registados na região Centro. Uma das zonas que tem sido mais comentada quanto à invasão de javalis é a Arrábida, um local de turismo e onde os animais começaram a conviver com quem quer apanhar sol e dar mergulhos no mar. “Há uns anos soubemos de casos de turistas que alimentavam os javalis na praia”, recorda o major Ricardo Vaz Alves. No entanto, a Quercus desvaloriza o caso da Arrábida: “Na zona da Arrábida, basta dois javalis aparecerem e 30 pessoas tirarem fotografias para ser notícia. É uma zona que tem mais visibilidade do que outras, mas o caso acontece em muitas outras serras.”
Praga ou não, José Batista afirma que muitos agricultores e caçadores estão descontentes com a situação, exigindo que algo seja feito e que o Estado assuma a responsabilidade pelo que se está a passar: “Se há um acidente com vítimas mortais, o ministro da Agricultura é responsável por negligência. É necessário tomar medidas. Não se pede a extinção dos animais, mas sim a sua correção.”