José da Cruz Viegas, Emílio de Carvalho, Albano dos Santos, António Couto, António Rosa Rodrigues, Cândido Rosa Rodrigues, Daniel Queirós dos Santos e Henrique Costa. Fora aqueles que rumaram a outros destinos. Contas feitas, dava para uma equipa de futebol ou, melhor dizendo, era pessoal necessário para se constituir um onze inicial. Acima, apenas mencionados nomes daqueles que há 110 anos rumaram do Sport Lisboa para o Sporting. Fundado em 1906, os verdes-e-brancos, a mudança dos oito jogadores deu-se ainda antes de ser disputado o primeiro dérbi lisboeta que só viria a ser jogado no primeiro dia do mês de dezembro desse 1907, o ano preciso dessas transferências.
No Campo da Quinta Nova, em Carcavelos, as equipas apresentaram-se assim:
Onze do Sport Lisboa: João Persónio; Luís Vieira e Leopoldo Mocho; António Alves, Cosme Damião e Marcolino Bragança; Félix Bermudes, António Costa, Eduardo Corga, António Meireles e Carlos França.
Onze do Sporting: Emílio de Carvalho; Queirós dos Santos e José Belo; Albano dos Santos, António Couto e Nóbrega de Lima; António Rosa Rodrigues, Cândido Rosa Rodrigues, Jacob Eagleson, Cruz Viegas e Henrique Costa.
Ganhou o renovado Sporting, e há, por isso, quem acredite que a rivalidade tenha começado aqui. Embora na altura o adversário maior das águias fosse o Internacional…
Se em qualquer desporto podem ser encontradas as chamadas regras de ouro, no futebol uma delas é certamente a proibição de um jogador aceitar ser transferido para um clube rival. Pelo menos, para os adeptos essa será uma atitude ética e moralmente reprovável e punível, por isso, nas devidas instâncias… nos estádios, claro está, quando esses encontros se proporcionarem. Vem esta conversa a propósito do caso mais recente, Fábio Coentrão.
“Feito de Sporting” Formado no Rio Ave, o internacional português chegou à Luz em 2007. Com breves passagens pelo Nacional e pelos espanhóis do Saragoça em 2008, foi no Benfica de Jorge Jesus que Coentrão se projetou para os grandes palcos do futebol mundial. Sagrou-se campeão nacional em 2009/10 pelos encarnados e arrecadou duas Taças da Liga de Portugal. Chegou como ala, mas foi como lateral-esquerdo, posição em que se estreou na primeira jornada desse ano glorioso, quando entrou aos 68 minutos em jogo contra o Marítimo, quando o Benfica perdia em casa por 1-0, que brilhou. Desde então o jovem promessa não parou e prova disso foi a contratação feita pelo Real Madrid, de José Mourinho, em 2011, por 30 milhões de euros. Na altura, Coentrão tinha 23 anos.
Apesar dos oito títulos conquistados ao lado do companheiro de Seleção, Cristiano Ronaldo, (duas Ligas dos Campeões, dois campeonatos, uma Taça, uma Supertaça, uma Taça UEFA e um campeonato do mundo FIFA-KLUB), a passagem pelo Santiago Bernabéu ficou essencialmente marcada pelas constantes lesões do Figo das Caxinas, nome pelo qual Coentrão ficou conhecido na altura em que alinhava pelos vila-condenses dada a magia quando tocava na redondinha.
Foi sem bilhete de volta, mas prometeu que se regressasse à liga portuguesa só jogaria de águia ao peito. “Contrariando rumores de que irei jogar no Sporting, e apesar do respeito que tenho pelos clubes portugueses, em Portugal só jogo no Benfica”, escreveu no seu Facebook em 2015, primeiro ano em que começaram a surgir rumores de que o lateral-esquerdo poderia estar a caminho de Alvalade. Promessa quebrada, publicação apagada.
Depois do primeiro treino com o plantel leonino e de vestir, pela primeira vez a camisola verde-e-branca, Coentrão confessou: “Já vesti muitas camisolas, mas sempre fui feito de Sporting”.
As reações por parte dos adeptos do tetracampeão nacional não tardaram: “Não esquecemos o que fizeste por nós, mas os assobios na Luz esperam por ti. RUMO AO PENTA! Não é por terem treinadores/jogadores campeões, que vai fazer de vocês um”, pode ler-se numa publicação feita pela claque benfiquista, No Name Boys. Um post que até contou com a aprovação de Renato Sanches através de um ‘like’ na fotografia partilhada nas redes sociais. Toto Salvio, outro dos ex-companheiros de Coentrão no clube da Luz, preferiu comentar a contratação ‘polémica’ realçando a lealdade de outros cinco colegas ao clube. “Por isso há que valorizar muito pessoas como Luisão, Jardel, André Almeida, Lisandro, Fejsa e muitos outros”, escreveu no Twitter.
Mas Fábio Coentrão está longe de ser o primeiro ou, com toda a certeza, o último “traidor”, como são comummente apelidados os jogadores após mudança de casa para um clube rival.
Do figo das Caxinas ao “Pesetero” Já deixou os relvados há 8 anos e apesar de ser um dos melhores futebolistas da história o percurso de Luís Figo também ficou inevitavelmente marcado pela sua mudança do Barcelona para o maior rival em solo espanhol, o Real Madrid. Chegou em 1995 ao emblema catalão onde alcançou dois campeonatos de Espanha e mais uns quantos títulos entre Taças e Supertaças. Mas em 2000, altura em que já colecionava seis títulos de melhor futebolista do ano em Espanha, decidiu pegar nas chuteiras e rumar ao Bernabéu, numa transferência à data recorde de 60 milhões de euros. A razão para essa troca de camisola, que ficou registada pela alteração do número 7 para o 10, continua a ser, até aos dias de hoje, uma pergunta recorrente destinada ao internacional português.
“Parti do Barcelona por motivos familiares, económicos e por falta de reconhecimento [em Camp Nou]”, disse o melhor jogador do mundo em 2001 depois de ser questionado por uma jornalista… catalã, à margem da Gala Laureus, no ano passado. Na altura confessou: “Normalmente não falo a jornais catalães, mas como és bonita vou fazê-lo. Não tenho nada contra o Barça, são vocês que têm algo contra mim”.
A verdade é que os adeptos blaugranas não mais perdoaram a ‘traição’ ao extremo que ficou até aos dias de hoje com a alcunha de ‘pesetero’ na Catalunha, em alusão à então moeda espanhola e a uma mudança simplesmente concretizada por… motivos económicos, defendem.
O desagrado e a insatisfação dos adeptos de Camp Nou ficou eternizado através de um momento insólito no clássico espanhol em 2002, quando o antigo ídolo do Barcelona regressou, pela segunda vez, à antiga casa e foi recebido com uma cabeça de porco em pleno relvado. O jogo na altura chegou a ser parado por razões de segurança.
De Rui Águas a André Carrillo Exemplos de mudanças não faltam. Rui Águas, é apenas mais um. Adorado no Benfica mudou-se em finais da década de 80 para o clube da Invicta. Em entrevista ao SOL, em abril deste ano, admitiu: “Saí do Benfica para o Porto porque fui ganhar 11 vezes mais”, e confessou que nas redes sociais ainda é “normal [chamarem de traidor]. Pessoalmente só quando voltei ao Benfica [1990 a 1994] e as coisas corriam mal, de vez em quando voltava a história do traidor”.
Mais recentemente mas no mesmo sentido, Benfica-Porto, deram-se ainda as mudanças dos uruguaios Cristian Rodríguez e Maxi Pereira. No ano passado, Rodríguez, recordou ao jornal espanhol Marca a receção quando regressou à Luz para disputar um clássico. “Lembro-me particularmente do jogo que fiz na Luz, quando fui para o FC Porto. Quando cheguei ao estádio atiraram-me cebolas podres, e cada vez que tocava na bola, o estádio vinha abaixo! Ia bater um canto e atiravam-me coisas”, disse o médio que conquistou uma Liga Europa ao serviço dos azuis-e-brancos, em 2011. Situação semelhante acontece cada vez que Maxi regressa a casa, tendo o lateral-direito inclusivamente levado os seus antigos adeptos à ‘loucura’, no mau sentido da palavra, quando no segundo clássico da época conseguiu marcar o único golo do FC Porto assegurando a igualdade da partida. João Moutinho, no entanto, deverá continuar a ser uma das transferências mais polémicas. O médio que se mudou para os leões nas camadas jovens e chegou a ser capitão da equipa saiu para o FC Porto em 2010 sob declarações fortes e pouco simpáticas do então líder de Alvalade. “Não podíamos continuar cá com uma maçã podre, por isso não podíamos tomar outra decisão para não correr o risco de contaminar o plantel”, disse José Eduardo Bettencourt à data da transferência. Os jornais desportivos nacionais, como A Bola ou o Record, chegaram a escrever que o atual jogador do Mónaco terá dito que nunca mais vestiria a camisola de Alvalade.
Fácil torna-se também encontrar exemplos na travessia da segunda circular. Simão Sabrosa, joia da formação leonina, saiu em 1999 para o Barcelona. Oito anos depois regressou à liga portuguesa para assinar pelo Benfica e nesse ano afirmou: “O que gostaria era que o Benfica ganhasse o título. Acredito numa vitória do Benfica em Alvalade e, se tiver de ser para roubar o título ao Sporting, melhor ainda”. Os adeptos não mais esqueceram a troca e essas declarações do homem que em tempos afirmou que devia “tudo ao Sporting”. “Eu sou benfiquista, a partir do momento em que me tratam mal no Sporting e bem no Benfica, e depois de tudo o que vivi no Benfica, sou benfiquista”, adiantou em 2015.
Na época finda, os últimos dois casos foram Lazar Markovic, extremo ex-comandado de Jorge Jesus no Benfica, que veio reforçar o Sporting, tendo saído posteriormente na missão ‘emagrecimento do plantel’, e, no sentido oposto, André Carrillo que desde que aterrou na Luz já somou três troféus: campeonato, taça e supertaça. O peruano chegou, em jeito de provocação, a enviar um abraço a Bruno de Carvalho durante os festejos alusivos ao tetracampeonato das papoilas saltitantes no Marquês de Pombal.