Aviso ao leitor: vai ler um dos artigos mais horríveis que escrevi. Refere-se a um documentário que passou há dias na SIC Notícias sobre algumas práticas que estão na moda entre a juventude japonesa. A repórter era uma bonita polaca – alta, loura e de ar angelical -, cuja imagem contrastava ainda mais com os horrores que ia mostrando.
Em Tóquio há uma espécie de estabelecimentos onde as pessoas convivem com animais. Podem ser cães, gatos ou outros. Na reportagem, era um local de gatos. Entrava-se numa sala onde havia dezenas de gatos à solta, de várias raças. Um catálogo continha as fotografias dos animais, com as suas características e respetivas preferências (designadamente em matéria de comida). O cliente escolhe então um gato, compra a ração de que ele gosta e passa depois umas horas (ou o dia inteiro) em convívio com ele e a dar-lhe comida à boca.
Há clientes que vão lá todos os dias. Impossibilitados de terem animais em casa (por falta de espaço, discordância do cônjuge, etc.) frequentam esses locais para desfrutar da sua companhia. Saberão aquelas pessoas conviver com outras pessoas – ou estarão condenadas à solidão e já só têm animais para conviver?
A respeito de solidão, é vulgar as mulheres contratarem acompanhantes – por uma, duas, três horas, etc. – mas muitas vezes só para lhes darem conselhos. No plano sexual, os japoneses são aparentemente mais contidos do que os europeus. Um dos acompanhantes dizia que nunca tinha feito sexo com uma cliente, e adiantava mesmo que era tímido nesse aspeto.
Outra extravagância que existe em Tóquio – mas esta mais conhecida – são os hotéis-cápsula. Como o espaço na capital japonesa é muitíssimo reduzido, os hotéis não têm quartos: têm cápsulas onde o cliente se enfia para dormir umas horas. Fica como se estivesse engavetado, quase não podendo mudar de posição.
Mas os maiores horrores são as intervenções no corpo. Tenho falado noutras crónicas de modas absurdas, como os piercings nos sítios mais improváveis, as cristas no cabelo, à índio, ou as tatuagens cobrindo amplas superfícies da pele. Só que isto, ao pé do que se observa no Japão, é uma brincadeira.
Há estabelecimentos em Tóquio onde se faz tudo aquilo e muito mais. Em vez de um piercing na orelha, por exemplo, fazem um buraco no lóbulo e depois abrem- -no e esticam-no ao máximo, até lá caber uma argola do tamanho de um prato.
E em vez das ‘conservadoras’ tatuagens fazem cortes na pele – que, depois de sarados, formam desenhos com as cicatrizes.
Mas uma das modas mais populares nos dias de hoje consiste em injetar substâncias debaixo da pele para simular tumores. As ‘vítimas’ ficam, por hipótese, com altos na cabeça tipo quistos. Cada pessoa pode ter um ou vários. E usam-se muito os bagels: espécie de donuts em relevo na testa. E há quem pregue no couro cabeludo porcas metálicas, onde depois são aparafusados cones também metálicos, tipo espinhos.
Mais radical é a deformação completa de metade do rosto, também por injeção de um gel subcutâneo. O paciente fica com parte do rosto informe, monstruoso, transformado numa massa de carne.
Outra prática muito em voga é a língua bífida. A língua é cortada ao meio, sendo aplicadas imediatamente compressas para estancar a hemorragia e evitar que as duas metades voltem a unir-se. Os que se sujeitam a esta operação ficam com uma língua bifurcada, como a das cobras.
Mas a moda mais horrível de todas, que ultrapassa todos os limites do horror, são as automutilações. O dono de uma loja especializada em deformações corporais explica que há indivíduos que, para serem diferentes, mandam cortar dedos ou mesmo uma mão inteira.
Naquela reportagem temos a sensação de que o ser humano chegou ao fim da linha. A nossa civilização está notoriamente em declínio. Já teve uma ascensão, um apogeu e está na decadência. E se isso é observável no Ocidente, em lugares como o Japão o declínio é mais notório.
O Japão foi um laboratório do capitalismo onde tudo se passou mais rápido. Num território onde a população vive acanhada, fechada numa ilha, tudo é mais concentrado e potenciado. Por isso, estes fenómenos de decadência são mais evidentes.
Da solidão que leva ao convívio exclusivo com animais, ao desespero de não saber mais o que fazer para se diferenciar do que deformar o rosto ou cortar uma mão, tudo são sinais de uma civilização que não tem muito mais caminho à sua frente.