O mistério da lista

Em algum país do mundo este assunto não seria objeto de especulação jornalística e de debate político?

O rumor circulava há muito tempo, mas não passava disso mesmo: um rumor.

Dizia-se à boca pequena que os 64 mortos da tragédia de Pedrógão eram uma ficção, pois as vítimas ascendiam a mais de 100. 

Na aérea atingida, muita gente – inclusive bombeiros – afirmava ter sido pressionada para não falar e garantia a existência de mais vítimas para além das noticiadas.

Até que uma empresária que se dedica a causas humanitárias, depois de fazer uma investigação por conta própria, apresentou uma lista de 73 nomes.

Foi uma posição séria: abriu o jogo.

Entretanto, estranhamente, as autoridades continuavam sem divulgar a lista oficial dos 64 mortos. 

Confesso que, na altura da tragédia, também estranhei que o número de vítimas tivesse de repente parado nos 64, numa altura em que o incêndio ainda estava ativo e a área ardida não tinha sido toda batida pelas autoridades.

Era previsível que, depois de extinto o fogo e de vistoriada toda a área, viessem a ser encontradas mais vítimas mortais.

Aliás, António Costa chegou a admiti-lo.

Mas não.

E aí ficou a suspeita de se tratar de um ‘número político’.

Como os 64 mortos já tinham provocado uma comoção enorme, era melhor ficar por ali.

Caso contrário, de cada vez que fosse anunciada uma nova vítima o estardalhaço seria enorme e o Governo teria de vir dar novas explicações.

Entretanto, deu-se o assalto a Tancos, e o que vimos?

A primeira semana foi de alarme, com demissões no Exército, declarações de militares a falar de ‘vergonha’, intervenções do PR a considerar o caso gravíssimo, e o MP a pôr a hipótese de o material ser utilizado em atentados terroristas.

Mas oito dias depois António Costa voltou de férias, a tropa deu o dito por não dito e considerou sucata o material roubado, os oficiais exonerados foram reconduzidos, e finalmente anunciou-se o encerramento do paiol de Tancos.

Passava-se assim uma espoja sobre o assunto, como se o roubo nunca tivesse acontecido.

E esta estratégia de menorização trouxe de novo à memória as vítimas de Pedrógão.

Será que ali fora usado o mesmo estratagema?

Teria mesmo havido ocultamento de vítimas para não causar alarme?

Passados mais uns dias, era aprovada uma diretiva segundo a qual os elementos da Proteção Civil e os bombeiros deixavam de poder falar dos incêndios no terreno, ficando o contacto com os jornalistas restringido ao comando central, em Carnaxide.

Esta medida foi designada como ‘lei da rolha’ e reforçou as suspeitas anteriores. 

Parecia haver uma estratégia de desdramatização e controlo da informação por parte do Estado.

E entretanto surgiu a tal lista de 73 nomes alegadamente falecidos.

A comunicação social agitou-se, o PSD e o CDS pediram explicações, a confiança no Estado tremeu.    

Foi nesta altura que o Ministério Público divulgou finalmente a lista de Pedrógão.

A questão que se põe é: por que não a divulgou antes?

Por que esperou 5 semanas, tendo de ser pressionado para a revelar?

Não fazendo qualquer sentido a invocação do segredo de Justiça, só encontro uma explicação: as autoridades receavam que a lista estivesse incorreta ou estivesse incompleta.

Ou seja, por um lado continuavam a garantir o número de 64 vítimas; mas, por outro,  não confiavam inteiramente nos dados de que dispunham.

Ora, perante isto, perante os rumores que nunca deixaram de correr, perante as pressões de que algumas pessoas se diziam vítimas para não falarem, perante o exemplo de como fora gerido o roubo de Tancos, as dúvidas não teriam razão de ser?

Em algum país do mundo este assunto não seria objeto de especulação jornalística e de debate político?

Vou mais longe: na maioria dos países democráticos, se ao fim de 40 dias não tivesse sido divulgada a lista de vítimas de uma tragédia, as suspeitas fervilhariam e o ruído seria enorme.

Apesar de tudo o que se disse, Portugal continua a ser um país de brandos costumes.

P.S. – Perante as dúvidas da oposição e a exigência da divulgação da lista de vítimas em Pedrógão, o PS partiu para um formidável  contra-ataque, acusando o CDS e o PSD (sobretudo este) de chocante imoralidade ao tentar fazer política com os mortos. Esta tática vem do tempo de Sócrates. Sempre que se vê em dificuldades, o PS passa da defesa ao ataque e desvia as atenções para os adversários. E agora até tem no PCP e no BE dois bons acólitos, especializados em ‘malhar na direita’. Até parece que o PSD e o CDS estão no Governo e são os responsáveis pelo que se passou em Pedrógão e em Tancos…