Nicolas dos Santos estava na praia de São João da Caparica quando viu uma avioneta a voar baixinho, a aterrar na areia molhada, a colher um homem (de 56 anos) e uma menina (de oito), a provocar o pânico entre veraneantes a banhos.
Correu na direção da avioneta já imobilizada na beira-mar e posicionou-se de costas para os pilotos que acabavam de sair, fisicamente ilesos, da aeronave que terminara a manobra de emergência. E de frente para os banhistas que logo se juntaram, muitos em fúria.
Com frieza e educação invulgares, impôs a presença imponente dos seus dois metros de basquetebolista, sem movimentos bruscos, sem gritar, sem ofender ninguém.
Foi a sua extraordinária e corajosa ação que impediu que à tragédia havida se juntasse o linchamento e a violência generalizada naquele areal.
Minutos antes, em estado de necessidade perante uma falha do motor, o experiente piloto comunicara à torre de controlo que iria aterrar na praia. Para salvar a própria vida e a do seu instruendo.
A experiência do piloto do aparelho resultou provada na incrível capacidade para aterrar de forma tão segura para ele e para o seu instruendo na improvisada pista pejada de gente como em qualquer tarde normal de Agosto, evitando a areia seca, a água e os pontões que delimitam as praias da Caparica.
Não sei o que vai na cabeça de alguém naqueles minutos, naquelas circunstâncias.
Provavelmente, a instintiva reação de simplesmente salvar a vida – a sua e a do seu instruendo.
Mesmo que para tanto tenha de ter tido consciência de que só por milagre não vitimaria inocentes veraneantes – sobretudo porque, se o motor falhara, nem o barulho da máquina daria qualquer alerta.
Emocionalmente, para quem descansado a apanhar sol, a brincar na areia ou a banhos no mar que estava chão naquela tarde, foi um cenário de horror equivalente ao que terão vivido as vítimas daqueles terroristas ou tresloucados que entram com carros, carrinhas ou camiões multidão dentro, como aconteceu em Nice, em Londres ou em Nova Iorque.
Juridicamente, cabe à Justiça agir e bem decidir sobre as responsabilidades penais e cíveis que estarão em causa – trata-se, à primeira vista, de caso típico de dois homicídios com dolo eventual (e não mera negligência) em que o piloto do avião terá agido em estado de necessidade.
Socialmente, e independentemente do grau de censura que julguemos dever atribuir aos dois tripulantes da avioneta, não pode deixar de enaltecer-se a nobreza do comportamento de Nicolas dos Santos. Porque digna de um cidadão simplesmente exemplar.
Percebendo nova tragédia iminente – de uma agressão ao linchamento é um ápice -, não se acobardou.
Foi altruísta e corajoso. Cada vez mais exceção na sociedade em que vivemos, em que a cobardia egoísta do salve-se quem puder é, infelizmente, regra.