No mundo obscuro e mais ou menos contraditório da diplomacia norte-coreana, esta segunda-feira foi uma rara aproximação a um diálogo entre o bloco americano e o do regime da Coreia do Norte. Não que à primeira vista parecesse haver boa vontade entre os dois lados. A agência KCNA ameaçou durante a manhã os EUA com represálias “milhares de vezes” mais duras que as sanções redigidas por Washington e aprovadas sábado, unanimemente, no Conselho de Segurança da ONU. A emissora estatal afirmou que as novas medidas são uma “grave violação da nossa soberania” e pertencem a um “nefasto plano desenhado para isolar e manietar” Pyongyang. “Não há maior erro que o dos EUA pensarem que as suas terras estão a salvo do outro lado do oceano.”
As ameaças não são novas e usam muita da linguagem que vem ao de cima quando o regime se vê confrontado com os anuais exercícios militares perto da sua fronteira ou novas tentativas internacionais para apertar a sua economia e limitar os seus programas militares. No entanto, o que não é habitual é a abertura que o secretário de Estado Rex Tillerson demonstrou horas depois das ameaças da emissora norte-coreana. O chefe da diplomacia americana indicou que o seu governo está disposto a entrar em negociações com Pyongyang assim que o regime suspender os ensaios nucleares e balísticos.
A simples alusão a negociações tem sido um tabu na diplomacia norte-americana, que não quer dar sequer a impressão de reconhecer a Coreia do Norte como um Estado nuclear, o que aconteceria ao sentar-se à mesa com enviados de Kim Jong-un. O governo de Obama insistiu em impor a condição de o regime se livrar das ogivas atómicas já construídas para recomeçar os encontros multilaterais interrompidos em 2009.
Esta segunda-feira, Rex Tillerson pareceu baixar a barra para aceitar um diálogo. “O melhor sinal que a Coreia do Norte nos pode dar para sinalizar que está disposta a falar é acabar com estes testes de mísseis”, disse Tillerson em Manila, num encontro em que está também o ministro norte-coreano dos Negócios Estrangeiros e o homólogo chinês. “Quando existirem as condições certas, podemos sentar-nos e dialogar sobre o futuro da Coreia do Norte”, disse, sugerindo até “outros canais de comunicação” que, sem os detalhar, indicou que estão já abertos.
Condições?
O regime de Kim Jong-un recusa entrar em negociações que ponham em causa as suas armas nucleares e fez sabê-lo uma vez mais esta segunda-feira pelo seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Ri Yong-ho. “Não vamos pôr o nosso dissuasor nuclear de defesa própria em cima da mesa e nunca tomaremos um passo atrás na procura de fortalecer a nossa grandeza nuclear”, afirmou Ri num discurso, quase nas mesmas palavras da KCNA.
Ambos apontaram o dedo aos Estados Unidos pela degradação da estabilidade na Ásia e Ri, à parte, comunicou ao governo sul-coreano que o Norte rejeitava o seu convite de meados de julho para negociações por considerá-lo “insincero”, como dizia a BBC, citando um responsável de Seul.
Acusações e ameaças à parte, o clima desta segunda era de avanço diplomático. Assim afirmava o ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, ao explicar que “a minha perceção é a de que o Norte não rejeitou completamente as propostas referidas pelo Sul”. Pequim, há muito um defensor de negociações, dá indicações de uma postura mais severa contra o regime irmão, que sustenta quase por completo com o seu comércio, o que pode facilitar concessões de lado a lado.
Também esta segunda-feira, o jornal oficial em língua inglesa do Partido Comunista Chinês publicava na sua primeira página um comentário em que se defendia a aplicação de sanções não necessariamente cruéis para o povo norte-coreano, mas importantes e cirúrgicas: “Um impacto preciso é essencial para as sanções", lia-se.