“Pela primeira vez em muitos anos tivemos em Portugal um líder político e o líder político do maior partido da oposição, a ensaiar um discurso racista e xenófobo, à semelhança do que vemos noutros países, em França, nos Estados Unidos”. João Galamba, porta-voz do Partido Socialista, classificou assim o discurso com que Pedro Passos Coelho abriu a temporada política do PSD na Festa do Pontal. As comparações internacionais iam, pela lógica, para Donald Trump e Marine Le Pen.
Galamba referia-se ao que Passos dissera na véspera sobre as alterações que a maioria parlamentar de esquerda – mais conhecida como ‘geringonça’ – fez à lei da imigração.
Disse Passos: “Queremos ter um país ainda mais aberto ao exterior do que temos hoje, mas com segurança, sem cedência ao radicalismo de esquerda”. E para o presidente do PSD as alterações feitas por PS, Bloco de Esquerda e PCP tratam-se de “cedências” a um “radicalismo”.
“Vejam as alterações que foram feitas à lei dos estrangeiros que permitem que qualquer pessoa possa ter autorização de residência em Portugal desde que arranje uma promessa – uma promessa, reparem bem – de ter um contrato de trabalho”, sugeriu Passos, dizendo que “o Estado deixará de ter condições para expulsar alguém que possa, sendo imigrante, ter cometido crimes graves contra a sociedade portuguesa”. À data das alterações à lei, o i ouvira juristas que clarificavam que “a ‘promessa de um contrato de trabalho’ não é uma coisa verbal, mas um contrato que promete um contrato de trabalho, sendo já vinculativo”. Mas o líder da oposição discorda e aponta a consequências para a segurança nacional: “Porque é que não discutem na sociedade portuguesa as implicações para a segurança do país, a médio e longo prazo, que isto pode trazer?”, tornou a sugerir Pedro Passos Coelho.
“O que é que vai acontecer ao país seguro que temos sido se esta nova forma de ver a possibilidade de qualquer um residir em Portugal se mantiver?”, inquiriu. “É por isso que o PSD se mantém como um partido que não cede à facilidade, à demagogia e ao radicalismo”, respondeu. Para Galamba, todavia, as afirmações do ex-primeiro-ministro mostram que André Ventura “foi um balão de ensaio para um discurso nacional”. Ana Catarina Mendes, número 2 do Partido Socialista, considerou que o PSD “continua muito à direita do seu lugar” e o presidente dos socialistas, Carlos César, avançou que “Sá Carneiro, se fosse vivo, corava de vergonha com o PSD que hoje temos”. Fonte próxima da comissão permanente dos sociais-democratas nega que haja “qualquer viragem”.
Escutado pelo i, André Ventura deixou claro: “Revejo-me totalmente nas declarações de Pedro Passos Coelho. Não há uma ponta de racismo ou xenofobia, há a necessidade de decidirmos se queremos ou não ser um país de estúpidos. Já não é uma questão de politicamente correto, é uma questão de aceitarmos ou não que estrangeiros condenados por tráfico de droga passeiem nas ruas de Lisboa”. Ventura, que viu Passos ser acusado de “xenofobia e discriminação” quando lhe manteve o apoio à candidatura à Câmara de Loures, nega também que o facto de as alterações à lei da imigração derivarem de uma diretiva europeia sirva de argumento, pois esta “só estabelece metas”, não obrigando “a conteúdos iguais”.
Quando Passos manteve o apoio a André Ventura, em julho, salientou que o partido está “tranquilo” quanto à sua “posição não racista e não xenófoba”. Ontem, a esquerda voltou a questionar isso; não sobre Ventura, mas sobre os imigrantes que Passos referiu no Pontal. A temática securitária não é habitual nas intervenções do político e isso também foi estranhado em alguns círculos no PSD. “Não é costume dele explorar o tema”, analisa um antigo membro do seu governo. “Não acredito que signifique o que lhe parecem querer atribuir”, diz outro quadro que integrou o executivo da coligação PàF. “Os discursos têm é que ser melhor preparados”.
Dentro do grupo parlamentar, há menos choque. “Passos tem que começar a dizer aquilo que as pessoas verdadeiramente sentem. Tem de ser polido a dizê-lo, mas deve fazê-lo”, considera um deputado ‘laranja’. “99% das pessoas não sabem do que ele estava a falar. Já eu não percebo porque foi falar nisso”, ironiza outro, que não deixa de concluir que o ponto de Pedro Passos Coelho tem “a sua razão, apesar da gritaria”.
Um membro do Conselho Nacional que presenciou o discurso diz ser “curioso que num discurso de 50 minutos que fala em Saúde, Educação e Proteção Civil, a esquerda só consiga responder a estes vinte segundos”, enquanto outro lamenta o sucedido: “Um país só para os que são de cá? O que lhe deu?”.
Não há, então, unanimidade nas opiniões sobre a polémica migratória no PSD. E, sabe o i, Passos não tenciona nem esclarecê-la nem aprofundá-la.
Foram só vinte segundos. E não passaram ao lado de ninguém.