Steve Bannon opera na sombra. Desde o dia em que aceitou desenhar a estratégia da campanha de Donald Trump para as eleições presidenciais ou desde que entrou na Casa Branca com todos os poderes e mais alguns, sem qualquer experiência em cargos públicos, que assim é. A sua discrição e postura recatada permitem-lhe deixar para os outros – leia-se o presidente, os membros do seu governo e os assessores de imprensa – a intrincada missão de justificar algumas das medidas mais controversas do magnânimo plano, por si concebido, de tornar os Estados Unidos numa potência nacionalista, protecionista e antiglobalista.
Por isso, sempre que o reconhecido filósofo da alt-right – um suposto movimento alternativo de direita que pisca o olho a supremacistas brancos, antissemitas e neonazis – e ex-diretor do site noticioso de propaganda xenófoba e misógina Breitbar News, fala à comunicação social, a América (e o mundo) escutam com redobrada atenção – como quando catalogou a imprensa norte-americana como o verdadeiro “partido de oposição” e a aconselhou a “manter a boca fechada”.
Para além do seu conteúdo surpreendente e, em alguns pontos, contraditório com o que tem vindo a ser apregoado pelo próprio e pela administração que serve, a entrevista à “American Prospect”, publicada na quarta-feira à noite, tem ainda maior interesse, uma vez que não foi pedida por nenhum jornalista ou meio de comunicação. Diz Robert Kuttner, co-editor e co-fundador daquela revista norte-americana de esquerda, que a iniciativa partiu de Bannon, numa altura em que a América debatia a tragédia de Charlottesville.
Os confrontos aterradores do passado fim de semana naquela pequena localidade no estado da Virgínia liderados por neonazis assumidos – que resultaram na morte de uma ativista de direitos civis, por atropelamento, e no ferimento de dezenas de pessoas – e, principalmente, a forma como Trump não os condenou com a veemência e a tenacidade que se esperava do mais alto responsável político de uma das maiores democracias livres do mundo, trouxeram o debate do racismo de novo para o centro da opinião pública dos EUA e mereceram um comentário sombrio do conselheiro do presidente.
Para Bannon, a administração republicana só tem a ganhar enquanto aquele tema continuar a tirar o sono à oposição, uma vez que permite à Casa Branca dedicar-se ao seu projeto económico protecionista e superiorizar-se ao Partido Democrata. “Quero que eles [democratas] falem de racismo todos os dias. Se a esquerda estiver focada nas políticas da raça e da identidade, e nós prosseguirmos com o nacionalismo económico, vamos conseguir esmagar os democratas”, explicou Bannon.
Questionado sobre os supremacistas brancos, membros do Ku Klux Klan (KKK) e fanáticos da alt-right que viajaram dos quatro cantos dos EUA para semear o caos em Charlottesville, sob o pretexto irrisório de estarem simplesmente a protestar contra a retirada da estátua do general Robert E. Lee, um dos símbolos da fação esclavagista que desafiou os Estados do norte do país na guerra civil americana do século XIX – esta quinta-feira Trump recorreu ao Twitter para lamentar que com a remoção daquele tipo de monumentos, está-se a retirar a “beleza das cidades, vilas e parques” americanas – Steve Bannon rotulou-os como “irrelevantes” e defendeu que o “etno-nacionalismo” que professam fazem deles autênticos “falhados”. “Estes tipos são um bando de palhaços. São um elemento marginal”, afirmou.
Impossibilidade coreana e certeza chinesa
A entrevista telefónica à “American Prospect” serviu igualmente para Bannon esclarecer os seus pontos de vista sobre alguns temas, nomeadamente aqueles relativos às estratégias da administração para as relações com a China e a Coreia do Norte. Numa altura em que a sua continuidade na equipa presidencial estará a ser repensada pelo presidente – a resposta evasiva recente de Trump quando questionado diretamente sobre o assunto (“Vamos ver…”) não deixou ninguém esclarecido – o conselheiro demonstrou, na conversa com Kuttner, que não tem problemas em contradizer o chefe de Estado.
Ao contrário do que sugerem as constantes ameaças de Trump de poder vir a despejar “fogo e fúria” sobre a Coreia do Norte, Bannon defende que “não existe uma solução militar” a utilizar contra o regime de Pyongyang e diz que a postura da China na equação é apenas uma forma de bater o pé aos EUA, no grande jogo das próximas décadas: a guerra económica entre Washington e Pequim. “Estamos em guerra económica com a China. Está tudo na literatura deles. Um de nós será hegemónico em 25 ou 30 anos e serão os chineses se continuarmos por este caminho”, lamenta Bannon.
É precisamente por isso que o conselheiro quer manter os democratas ocupados com o racismo, ao mesmo tempo que convence os membros mais céticos da administração – que estarão a “fazer xixi pelas pernas abaixo”, segundo o próprio – e o presidente, a aprofundarem o protecionismo e o nacionalismo económico, encostando a China à parede.