«Em política a comunhão de ódios é quase sempre a base das amizades».
Alexis Toqueville
Em entrevista ao DN, a secretária de Estado socialista, Graça Fonseca, a propósito das matérias atinentes à imigração e às minorias étnicas, referiu que foi o PS, quando era Governo, quem criou em 1995 o Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas.
Impõe-se uma correção a tais declarações, porque não correspondem à verdade.
E são reveladoras de como vários governantes e dirigentes socialistas falam profusamente de coisas que, ou não conhecem, ou, quando conhecem, procuram desvirtuar, contrariando a realidade. E são exemplos de como o PS lida com a verdade e a coerência dos factos no espaço público.
Nem em 1995, nem em 2002, nem em 2004, nem em 2009, nem em 2015, o PS criou o Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME).
Quem criou ex novo o ACIME foi o PSD, mais concretamente, o Governo de coligação PSD/CDS-PP, liderado por José Manuel Durão Barroso, em 2002. E a herança que esse Governo encontrou foi pouco mais do que zero. Aliás, a herança socialista foi, em alguns aspetos, vergonhosa.
Neste caso concreto, a herança foi uma folha A4 e as chaves de umas salas do faustoso e sumptuário Palácio Foz, com computadores com todos os registos apagados. Foi isto que, após muitas insistências, encontrámos na passagem das pastas de um Governo para o outro. E o que existia era um alto-comissário (e não um Alto Comissariado), com um orçamento quase nulo, sem estrutura organizativa, sem meios, sem serviços e sem qualquer política pública, quer para a imigração quer para as minorias étnicas.
Foi esta a herança dos anos de festa socialista, da fartura e dos cofres públicos cheios, do período liderado por António Guterres. Tempos em que tiveram dinheiro para tudo. Fizeram obra pública à grande, muita com mão-de-obra imigrante, mas pouco ou nada acrescentaram em política de integração, como deveria ter acontecido. Com situações, no mínimo, caricatas – como é o caso de os imigrantes terem um palácio carregado de simbolismo e luxo (o dito Palácio Foz) como sede formal, de quem lhes tinha de dar atenção, apoio e tratar dos seus assuntos.
Foram, à época, muitos os dirigentes associativos e pessoal diplomático que demonstraram a sua insatisfação ou indignação com esta situação.
Recordo-me de uma reunião no meu gabinete da Presidência do Conselho de Ministros em que o embaixador de um país africano, com uma comunidade presente em grande número em Portugal, pediu para esta deixar de ser tratada como minoria étnica – assumindo os seus membros como imigrantes.
Um imigrante é um imigrante – e um membro de uma minoria étnica não é propriamente um imigrante. Já à época, o esforço para ter o discurso político mediático correto sobre estas matérias era (como hoje deve ser ainda mais) muito importante.
Volvidos mais de 15 anos sobre o tempo em que Portugal começou a construir, solidificar e implementar uma verdadeira política pública de imigração, não faz mal termos memória, relembrando como tudo começou. Para não estragar o que custou muito a construir. E que tem sido positivo para Portugal e para os portugueses. E não só para os estrangeiros, imigrantes, asilados, refugiados e membros de minorias étnicas.
Aliás, é curioso constatar que o Governo de Durão Barroso, que tinha Manuela Ferreira Leite como ministra das Finanças e Nuno Morais Sarmento como ministro da Presidência, era o Governo ‘da tanga’ – mas que gastou como nunca com a política de imigração. Ao contrário dos governos socialistas anteriores, que tinham dinheiro para tudo. Até para coisas dispensáveis.
Gostem ou não dos lembretes e do modo de avivar a memória, foi o PSD que criou a política de imigração que temos desde 2002 (alvo, apenas, de algumas mudanças inoportunas em 2013 e 2014).
Foi o PSD quem, servindo os superiores interesses do país, criou o ACIME (mais tarde ACIDI e atual ACM, que pessoalmente acho mais limitado do que o ACIME e o ACIDI), os CNAIS, os CLAIS, o Observatório da Imigração, a Linha SOS Imigrante, o Gabinete de Apoio de Reconhecimento de Habilitações e Competências, o Programa Escolhas alargado a todo o país, o aumento das parcerias com as associações de imigrantes, o COCAI, etc. Tal como foi o PSD que criou as melhores condições para Portugal ser reconhecido como o segundo país com melhor política pública de imigração, a seguir à Suécia.
No seu futuro, Portugal vai precisar ainda mais de imigração e de imigrantes. Num tempo coletivo exigente, complexo, em que as sociedades contemporâneas inclusivas e plurais têm de priorizar as políticas públicas das migrações, um país como o nosso necessita ainda mais. Fiel à sua história. Em nome da defesa do humanismo e da dignidade da pessoa humana. Do personalismo. Em nome da cultura e da genética do povo português, que se fez identitariamente numa relação de séculos com povos e culturas dos quatro cantos do mundo. O PSD tem sido isto. O país também. E é justo dizer que, no Governo ou na oposição, todos deveremos contribuir para que o consenso sobre estas matérias não imploda.
Os moderados têm esta herança. De combater o populismo e a demagogia. Até porque o ‘efeito papão’ das extremas-direitas é irmão gémeo do ‘efeito chamada’ das extremas-esquerdas. Veja-se o que sucedeu a esse propósito nas últimas eleições presidenciais francesas.