De férias longe de Lisboa, tenho acompanhado as notícias à distância. Na semana passada fui surpreendido por uma estranha polémica. Foi anunciada uma manifestação nos EUA contra a decisão de remover a estátua de Robert E. Lee – um general sulista favorável à escravatura. A manifestação (ao que parece, legal) era organizada obviamente pela extrema-direita.
Adiante-se que, desde abril do ano passado, já nove estátuas de generais confederados haviam sido removidas.
As figuras dos manifestantes eram sinistras, com capacetes e símbolos nazis. Pessoas junto aos passeios assistiam ao desfile. A certa altura, porém, surgiu um grupo de contramanifestantes que começou a bater nos outros, seguindo-se uma batalha campal.
Donald Trump teve uma reação algo hesitante e errática. Fez três declarações sobre o assunto, cujo resultado final foi a condenação dos dois lados: dos racistas, primeiro, dos esquerdistas que os tinham atacado, depois.
Achei a declaração correcta. Num acontecimento como este não há culpados e inocentes. Ainda por cima, tinha sido a extrema-esquerda quem tomara a iniciativa de atacar os participantes na manifestação, desencadeando a violência.
No entanto, a posição de Trump gerou um enorme burburinho, com a imprensa a acusá-lo de defender o racismo. E várias revistas internacionais de grande prestígio, como a Time e a Der Spiegel, colá-lo-iam ao Ku Klux Klan e ao nazismo.
Repito: pelo que vi, não percebi a polémica. Quando dois jogadores de futebol se travam de razões, o árbitro mostra o cartão amarelo a ambos… Mas poderia não estar a ver todo o problema, dada a distância a que acompanhava a questão.
Entretanto, ouvi Miguel Monjardino, um comentador equilibrado, dizer basicamente o que eu pensava. Afirmou que Trump considera que a comunicação social tem dois pesos e duas medidas – é muito agressiva em relação à extrema-direita e complacente em relação à extrema-esquerda – e quis equilibrar a situação, criticando os dois lados da barricada.
Mas nos EUA, mesmo entre republicanos, não era feita esta leitura. Um congressista republicano dizia que «não se pode tratar do mesmo modo os racistas e os anti-racistas». Ora, a meu ver, os que atacaram a manifestação não eram apenas anti-racistas – eram militantes da extrema-esquerda que actuam como tropas de choque. Aliás, o comportamento selvagem que mostraram no derrube de algumas estátuas de confederados mostra a sua índole violenta.
Um século após a Revolução Soviética e mais de 80 anos depois da ascensão de Hitler ao poder, muita gente continua a considerar aceitável a violência da extrema-esquerda mas intolerável a da extrema-direita. Hoje, podem dizer-se todas as barbaridades à esquerda, inclusive defender a Venezuela e a Coreia do Norte, mas ai de quem defenda políticas abertamente de direita. Pode celebrar-se Estaline mas ninguém pense em elogiar Hitler.
E a partir daqui cria-se um ambiente de condicionamento da opinião, em que as pessoas com posições diferentes da maioria acabam por ter medo de as exprimir e recuam. Curiosamente, Miguel Monjardino, três dias depois do comentário referido atrás, já atirava para Trump todas as culpas do incidente…
É claro que Trump é um homem desequilibrado. A instabilidade que instalou na Casa Branca é terrível para o exercício do poder, para a imagem da América e, em última análise, para ele próprio. É impossível sobreviver politicamente assim. Um Presidente tem de ser um referencial de equilíbrio e bom senso, e Trump é o oposto disso. A sua imagem física de figura de banda desenhada corresponde exactamente à sua substância.
Mas é preciso também não esquecer a coragem que mostrou ao enfrentar o ‘politicamente correcto’ – uma ‘ideologia’ que abominavelmente tende a tornar-se única. E esse difícil combate trouxe-lhe imensos inimigos, quer à esquerda quer à direita. Daí as críticas vindas de sectores conservadores.
Trump, repito, é um homem desqualificado para o cargo que exerce. Mas as poderosas forças que lutam contra ele, na economia, na política, na imprensa, contribuem também imensamente para esse clima de instabilidade que hoje se vive nos EUA.
Veja-se este exemplo: aquando da manifestação em Charlottesville, um carro supostamente guiado por um elemento da extrema-direita investiu sobre a multidão e matou uma pessoa. Imediatamente, todos os supremacistas brancos foram apelidados de assassinos. Uns dias depois, uma carrinha conduzida por um muçulmano invadiu uma zona de peões em Barcelona e matou 13 pessoas. Ora, de seguida, veio dizer-se que era precisa calma e não se podiam fazer generalizações…
Há, de facto, na análise da realidade, dois pesos e duas medidas. E esta duplicidade vai fazer crescer a extrema-direita na Europa. Porque as pessoas mais cedo ou mais tarde perceberão que a informação não é isenta – e reagirão aderindo ao apelo dos extremistas.
Eu próprio me sinto muitas vezes incomodado com a falta de isenção de boa parte dos media. E considero-me uma pessoa tolerante e moderada.