São dois dos principais rostos da modalidade em Portugal e aterraram há pouco vindos de Racice, República Checa, local onde foram disputados os Mundiais de Canoagem de velocidade.
Ao i, o limiano Fernando Pimenta e o bracarense Emanuel Silva, desvendam a vida para lá das conquistas. Esforço, dedicação, persistência e (muitas) privações são apenas alguns dos fatores que resultam nos ambicionados pódios. Mas antes do hino começar a tocar…
Entretanto, Fernando Pimenta, que ainda está naturalmente a recuperar de todas as emoções vividas depois de ter conquistado a tão desejada septuagésima medalha internacional, atende o telefone. “Sem dúvida que é um momento fantástico conseguir duas medalhas. É um feito inédito, duas medalhas nos Mundiais, e uma delas o título de campeão do mundo [K1 5000 metros]. Aquela receção super calorosa das pessoas no aeroporto [Franscisco Sá Carneiro, Porto] e depois em Ponte de Lima para mim é um momento de extrema felicidade e de muito orgulho no trabalho que tanto eu como o meu treinador [Hélio Lucas] temos vindo a fazer. É sem dúvida um dos momentos altos da minha carreira”, confessou o canoísta que tem o seu nome inscrito em cinco dos 8 títulos conquistados em Campeonatos do Mundo de canoagem de velocidade.
“Mesmo com 0 graus vamos para o rio” Com três treinos diários “e em alguns dias quatro”, Fernando Pimenta descreve a sua rotina sem qualquer dificuldade. “Acordo, tomo um bom pequeno-almoço, preparo as coisas para o treino e logo de manhã faço duas sessões. Depois descanso, almoço, e à tarde volto ao treino e faço mais uma ou duas sessões dependendo da época. Finalmente janto e vou recuperar para o dia seguinte”, resume o atleta que descobriu a modalidade em 2001 “nas férias desportivas do Clube Náutico de Ponte de Lima”. Ficou “fã” e nunca mais largou a canoa apesar da água ser desde cedo um habitat natural para o desportista nato que havia praticado natação “durante 8 ou 9 anos”. Entre braçadas, que ainda hoje fazem parte dos trabalhos de Pimenta, regressamos ao tema da preparação física. “Fazemos um treino no rio que é complementado com treino de cardio, corrida, bicicleta e natação”, detalha.
O Inverno não é exceção e o ritual repete-se: “quer estejam 0 ou 2 graus temos de ir para o rio e tentar superar essa adversidade. Não podemos abdicar do treino… todos os atletas de todo o mundo treinam”.
Fala com orgulho e com “uma grande ambição de querer mais e melhor para a canoagem portuguesa e para o desporto português”, mas, e como em tudo, na canoagem nem tudo é um mar de rosas. “Passo muito tempo longe de casa e da família o que torna as coisas mais complicadas. Felizmente a minha família tem sido muito compreensiva e tem-me apoiado muito nesta minha andança na alta competição de canoagem. É a primeira a apoiar-me nesta minha decisão de treinar e competir ao mais alto nível”, desabafa o jovem de 28 anos que almeja continuar na alta competição ”pelo menos” até aos 40.
Fechado o primeiro ciclo olímpico, “por agora é tempo de descansar e de planear a temporada 2018”. “Ainda estamos muito longe dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Eu e o meu treinador gostamos muito de trabalhar de objetivo em objetivo e de prova em prova”, conclui.
“Estou anos sem ver a minha filha” Aos 31 anos, Emanuel Silva, medalhado olímpico e europeu, está “150 a 160 dias por ano em estágio”. “A certa altura estamos constantemente longe de casa em estágios da equipa nacional. Nos Jogos Olímpicos de Londres2012, um dos anos mais fortes em que houve bons resultados [Fernando Pimenta e Emanuel Silva ficaram em segundo lugar na final de K2 1000 metros] foram 195 dias de estágio, ou seja, mais de meio ano”, lembra. “Para se ter uma pequena ideia, se for a somar desde 2006 [ano do nascimento da sua filha] os dias que estive em estágio estou anos sem a ver… Anos!”, acrescenta, num momento em que esclarece não lamentar a vida que escolheu, mas que a ausência da família é inegavelmente a maior privação que a sua carreira impõe. “Não estou arrependido, mas isso é uma das coisas que nós atletas nos privamos. Seja de passar tempo com as nossas famílias, abdicar de festas, de tempo com os nossos amigos, e de muitas outras coisas que jovens da nossa idade preferiam estar a fazer”, declara.
Para o atleta do Sporting Clube de Portugal “treinar ao mais alto nível, ter cuidado com a alimentação e com exageros, descansar bem e andar sempre focado nos objetivos” são os ingredientes principais para se ser “bem sucedido”. “Se formos aos pormenores são 13 a 14 sessões de treino por semana, cerca de quatro horas por dia, em que se descansa à quinta-feira e ao domingo da parte da tarde”. Por todos estes motivos, o atleta que treina no Clube Fluvial de Merelim, pertencente ao concelho de Braga, não encontra justificação para os fracos resultados, não só nos recentes Mundiais de velocidade como nas competições em geral.
“Seleção não é o Fernando Pimenta” “É preciso perceber que os atletas de alta competição só o são se atingirem medalhas e finais. Quando tal não acontece são fracos resultados. Já fui campeão do mundo, vice-campeão olímpico, nos últimos Jogos terminei em quarto lugar e agora nem cheguei às finais. Algo se passa aqui certo? Não se pode camuflar os resultados da Federação Portuguesa de Canoagem (FPC) com o excelente resultado do atleta Fernando Pimenta. A seleção portuguesa de canoagem não é o Fernando Pimenta, mas todo um grupo de atletas envolvidos”, atira Emanuel Silva que acredita que a FPC tem de chegar a uma conclusão nos aspetos que falharam.
Em tempo de “arrefecer um bocadinho os ânimos”, como o próprio quarto classificado olímpico no Jogos do Rio considerou é hora de “passar um bom largo período de tempo com a minha família e, depois, realizar um bom plano para atacar o próximo ano”. Para isso, Silva espera “mais apoios por parte da Federação e estratégias coerentes e sensatas para atacar as provas internacionais da melhor forma possível”. E, antes do fim da conversa, deixa uma questão por ser respondida: “porque é que os outros países conseguem ter tão bons resultados e Portugal não está a conseguir? Porquê?”.
“Têm tudo aquilo que um atleta de alta competição deve ter” Vítor Félix, presidente da Federação Portuguesa de Canoagem, refuta as afirmações de Emanuel Silva e garante ao i que “de modo algum se pode considerar que o resultado foi mau”. Contudo, Félix clarifica a situação e acredita que com as mudanças de canoístas no barco onde competiu Emanuel Silva [K4] é preciso haver um período de adaptação. “Nos outros JO, o Fernando Pimenta integrava o K4. Agora, o Fernando fez uma preparação à parte só para o K1 [embarcação monolugar].
No entanto foi possível renovar o barco [K4] e entrou um elemento novo, o David Varela. Portanto é preciso naturalmente dar tempo. Estamos a falar do barco que foi aos JO do Rio de Janeiro em 2016 e que tem 5/6 anos de maturidade. Não se pode é dizer logo no primeiro ano que está tudo perdido ou que não vale a pena. Estamos no início do ciclo olímpico, essa embarcação ficou em 6º no campeonato da Europa e só por não ter alcançado a final não podemos pôr em causa todo um projeto e todo um planeamento que foi feito pela direção da FPC”, elucida, mostrando-se, todavia, compreensivo com o atleta natural de Braga.
“Eu percebo o Emanuel Silva, é um atleta muito experiente, esteve presente em quatro Jogos Olímpicos, onde inclusivamente foi medalhado, já foi campeão do Mundo e da Europa e por isso compreendo a sua frustração por ter de percorrer novamente um caminho com vista a tornar este barco cada vez mais forte”. O dirigente vai mais longe e asseverou que “não tem faltado nada aos atletas, na sua grande maioria profissionais”. “O Emanuel Silva e a maior parte dos atletas que estiveram na República Checa estão no projeto de preparação olímpica com vista a Tóquio. Eles recebem uma bolsa mensal consoante o nível de classificação que obtiveram. O Emanuel, por exemplo, está no nível dois e só de bolsa mensal ganha cerca de 1100 euros. No caso do Emanuel, além de receber esta bolsa [1100 euros] ainda é atleta do Sporting Clube de Portugal onde também recebe um salário mensal. Quando estão em estágio, em preparação, em competição eles não gastam dinheiro nenhum. Têm tudo aquilo que um atleta de alta competição deve ter”, concluiu.
Tudo em aberto para os JO Para Vítor Félix “em três/quatro anos muita coisa pode acontecer”. Com a possível entrada de novos atletas não há nomes de canoístas garantidos nas Olimpíadas de Tóquio. “Só no último ano antes dos JO [2019] será o apuramento e aí se verá quem são os atletas que irão participar”, afirma.