O ex-presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, reapareceu ontem, na Universidade de Verão do PSD, para em 50 minutos dar uma aula de realidade a governos como o de António Costa, que começam com “devaneios revolucionários” e acabam a receber lições da realidade.
“Os governos dos países da zona euro, ao chegarem ao poder, podem começar com alguns devaneios revolucionários, mas acabam por perceber que a realidade tem uma tal força” que “acabam sempre por conformar-se com as regras europeias de disciplina orçamental”, afirmou Cavaco Silva. Porque “a realidade acaba sempre por derrotar a ideologia”.
Numa aula que se prolongou por 50 minutos e onde chegou a dizer que “na política, não há certezas”, Cavaco Silva falou de fake news – “as notícias políticas falsas não existem apenas na América do senhor Trump” –, alertou que “é muito perigoso nós deixarmo-nos levar pelo efémero”, mas, sobretudo, falou da geringonça sem nunca a nomear.
Para o ex-chefe de Estado, a realidade tem “tal força contra a retórica dos que, no governo, querem realizar a revolução socialista, que eles acabam por perder o pio ou fingem apenas que piam, mas são pios que não têm qualquer realidade e refletem meras jogadas partidárias”.
Numa “conversa informal e despretensiosa” denominada “Os jovens e a política quando a realidade tira o tapete à ideologia”, o ex-presidente atirou-se aos “devaneios ideológicos” do ex-chefe de Estado socialista francês François Hollande – aproveitando para elogiar a política de comunicação do atual, Emmanuel Macron – e referiu-se “à bazófia inicial” do primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras.
Liberto das amarras presidenciais, tendo deixado passar um certo tempo desde que abandonou o palácio de Belém, Cavaco Silva ressurgiu agora na vida política com vontade de exercer o seu direito de crítica.
Uma delas, embora velada, foi ao seu sucessor no cargo, Marcelo Rebelo de Sousa, quando afirmou que “em França, não passa pela cabeça de ninguém que Macron telefone a um jornalista para lhe passar uma notícia ou uma informação”. A contenção verbal do chefe de Estado francês foi elogiada, por ser “uma estratégia que contrasta com a verborreia frenética da maioria dos políticos dos nossos dias, embora não digam nada de relevante”.
No entanto, o alvo preferido do ex-presidente foi mesmo o governo de António Costa, de quem sugeriu estar a pôr em causa a qualidade da democracia ao vetar três indicações do Banco de Portugal e do Tribunal de Contas para o Conselho de Finanças Públicas.
Para Cavaco Silva é um “retrocesso da transparência da nossa democracia” se “o poder político conseguir controlar estas entidades”. Porque é muito simples, no seu entender, “a qualidade da nossa democracia depende muito do respeito do governo pela independência de entidades e organismos de supervisão e regulação.