«A vida está cheia de uma infinidade de absurdos que nem precisam de parecer verosímeis porque são verdadeiros»
Luigi Pirandello
Não sou uma pessoa que tenha por hábito partilhar acontecimentos da minha vida pessoal e familiar, pública e notoriamente. Antes pelo contrário, contam-se pelos dedos das mãos as ocasiões em que o fiz, e foi sempre por razões de força maior. Vou fazê-lo mais uma vez, excecionalmente, porque o considero pertinente. Para que sirva como alerta público.
Alerta que tem que ver com a necessidade de termos cuidado com estabelecimentos de saúde privada, abertos e autorizados para prestarem cuidados de saúde, mas que cometem erros perigosos. E porque faço este alerta? É simples. Porque senti na pele a prestação de deficientes serviços de saúde por parte de um estabelecimento privado. E aqui vai o que se passou e como se passou. Três dias depois de iniciar uns dias de férias, com várias gerações da família, o meu pai, octogenário, teve uma queda grave. E levei-o ao local mais perto de casa para ser observado. Um estabelecimento de saúde privado, com bom nome na região, com boas referencias, boas instalações, agradável de se ver e de se estar. Bem apetrechado em maquinaria de diagnóstico e de tratamento, etc.
A coisa começou mal, logo que lá cheguei. O meu pai, quase não conseguia andar. Com 82 anos, ficou na fila. Quase três horas. O tal atendimento prioritário para idosos e crianças não se concretizou. Apesar de várias vezes ter chamado a atenção, os serviços disseram sempre o mesmo – que espere pela sua vez. Mesmo que na dita fila, urgente, estivessem pessoas para mudarem os pensos aos dedos das mãos ou para outro tipo de tratamentos muito menos urgentes.
Chegada a vez do meu pai, o médico, simpático, inteirou-se do que se tinha passado. Expliquei tudo enquanto o meu pai mal se mexia e conseguia falar. Após vários tipos de diagnósticos, decidiram fazer outros exames e os indispensáveis raios x. Para saber se tinha ou não partido alguma coisa. Foi mais uma hora. Ao fim de outra hora veio o diagnóstico complementar. Não tinha nada partido. ‘Pode estar descansado’. Ia ter dores por uns dias, mas depois tudo passava. Saí a muito custo, deixei o meu pai no carro e fui à farmácia tratar de comprar os medicamentos receitados. E fomos para casa. Passou um dia, dois, três, quatro, cinco, uma semana. E o meu pai na cama, cheio de dores, quase sem comer nem dormir. E nós a dizermos que estava a exagerar, estava a ser medicado, que tinha de se mexer, etc.
Uma semana depois de ter ido ao médico e ao hospital, pediu para ir lá outra vez. Que não aguentava. E assim se fez. Outra vez espera demorada. Nova consulta. Novos diagnósticos. Novos raio x. Tudo igual. Nada partido. E em nenhuma parte do corpo. Eu insisti. Por insistência minha, lá lhe deram uma injeção para as dores. Só de olhar para as agulhas, coitado, quase ia tendo um ataque cardíaco. Fomos para casa. O pior veio horas depois, quando passou o efeito das tais injeções. As dores aumentaram. O meu pai já nem dormir conseguia. Quase chorava. As férias e a família em transe. A queda já tinha acontecido há mais de 15 dias. Os diagnósticos, os exames, os raios x, os medicamentos, os veredictos médicos. Eis que o meu único irmão chegou. Lamechas, o meu pai desabafou com o seu filho mais velho. E o meu irmão pediu-me para lhe explicar tudo. E pediu-me ainda os exames, os raios x e a lista do que o nosso pai estava a tomar. Expliquei-lhe e dei-lhe tudo isso. Falou com um amigo, médico e especialista em ortopedia, que por coincidência também estava de férias, a dez minutos da nossa casa. No dia seguinte, levou lá o nosso pai. Qual o veredicto? O nosso pai tinha costelas partidas! Sim, costelas partidas e uma delas num sitio complexo, para uma pessoa daquela idade. Tinha de ser tratado. Tinha de mudar alguma medicação.
O estabelecimento de saúde privado tinha errado. Não uma mas duas vezes. E nem os próprios exames e raios x tinham conseguido interpretar! Senti-me culpado, porque fui eu quem levou o meu pai àquele estabelecimento, para o poupar a uma viagem ao Hospital de Faro, mais longa e dura. E para que não fosse para as filas intermináveis, onde na última década e meia tantas vezes tivemos de esperar para tratar dos nossos três filhos.
Partilho tudo isto como alerta. Porque se o meu irmão não tivesse o tal amigo, não descobriríamos logo. Talvez continuássemos a dizer que o meu pai estava a exagerar e era lamechas.
O mais curioso disto tudo é que o médico ortopedista que fez o diagnóstico correto é especialista num dos principais hospitais públicos de Lisboa. E esta? Não se diaboliza a saúde privada em geral, mas ainda há muito para fazer nesta área. E, na família, a experiência que temos com a saúde pública é boa, para não dizer excelente. Daí que faça sentido que diga alto e publicamente: cuidado com alguma saúde privada.
olharaocentro@sol.pt