Há duas formas de olhar para a sociedade. Uma é vê-la como um conjunto de seres diferentes, complementares, com capacidades diversas, olhares diversos, opiniões diversas, interesses diversos, conceções diversas do mundo.
Outra é encará-la como um ‘coletivo’ em que os indivíduos são tendencialmente iguais, com interesses iguais, visões do mundo iguais e até sexos iguais (ou, pelo menos, pouco diferenciados).
Este modelo de sociedade que reduz os homens a bonecos sem identidade própria é o que existe nos sistemas totalitários. Vimo-lo retratado nas gigantescas paradas militares na Alemanha nazi ou nos grandiosos desfiles da Rússia soviética; e vemo-lo hoje nas imensas manifestações de massas na Coreia do Norte.
Tal não acontece por acaso. Os seres humanos são naturalmente desiguais. Assim, num sistema democrático, as diferenças manifestam-se, revelam-se, têm oportunidade até de se acentuar. As pessoas mostram as suas distintas capacidades.
Ora, se o objetivo for tornar os homens ‘mais iguais’, esbatendo ou apagando as diferenças entre eles, a democracia não serve. Será necessário um Estado forte, um sistema repressivo, uma espécie de rolo compressor que tudo uniformiza. Por isso, o caminho para a igualdade imposta de cima acaba inevitavelmente em ditadura.
Entre os seres humanos, a diferença mais radical é a que tem a ver com o sexo (agora diz-se ‘género’). Quando sabemos que alguma pessoa conhecida está grávida, a primeira pergunta que fazemos é:
«É menino ou menina?».
Há quem sustente que os meninos e as meninas não são tão diferentes como isso – e que os estereótipos da sociedade é que contribuem para os diferenciar. Ora, quem tem filhos (ou netos) rapazes e raparigas sabe que isto é um completo disparate. Para lá das diferenças físicas, há interesses diferentes, conversas diferentes, brincadeiras diferentes, sensibilidades diferentes.
Ao recomendar à Porto Editora a retirada do mercado de livros de exercícios distintos para meninas e meninos, o Governo enveredou pelo caminho de ignorar as diferenças. De considerar que ser menino ou menina já interessa pouco.
Claro que eles podem dizer que o objetivo não é apagar as diferenças entre rapazes e raparigas mas sim não as estimular, não as ampliar.
Isto faz-me lembrar uma história.
Durante muito tempo, os especialistas em marketing político tentavam minorar os pontos fracos dos políticos que aconselhavam. Se um político tinha dificuldade em discursar, insistia-se nesse ponto para o melhorar. Se um político tinha dificuldade nos contactos de rua, fazia-se o mesmo. E assim por diante.
Até que se percebeu que, com esta estratégia, os políticos tendiam a ficar iguais uns aos outros. Eram políticos ‘de plástico’, com muito pouco de genuíno. Então, começou a olhar-se para o tema de outra forma. Hoje, tenta valorizar-se ao máximo o que um político tem de bom, ‘esquecendo’ o que tem de mau. Se é muito bom a discursar (como acontecia com Soares, por exemplo), potencia-se ainda mais essa qualidade e multiplicam-se os comícios. Se tem uma imagem de autoridade (como Eanes ou Cavaco), puxa-se por essa característica, reduzindo-se ao mínimo as situações em que o político possa revelar as suas fragilidades noutras áreas.
Com os rapazes e as raparigas, devia passar-se o mesmo.
O segredo seria valorizar ao máximo as potencialidades diferentes de raparigas e rapazes, desenvolver o mais possível as suas características específicas, tirando o melhor de ambas.
Mas a ideologia do politicamente correto não quer isto. Porque isto conduziria a que rapazes e raparigas se diferenciassem – e o politicamente correto quer que se aproximem, que façam as mesmas coisas, que tenham as mesmas brincadeiras, que desenvolvam as mesmas capacidades. O objetivo é ter seres indiferenciados, que não se distingam nem se complementem. Nem se atraiam, porque a atração decorre da diferença…
Como isto contraria a natureza, vão movimentar-se forças brutais para o impor. Forças que partilham uma conceção totalitária da sociedade e que tentarão calar as vozes contrárias. Forças que contarão com uma militância histérica, de modo a atemorizar os que pensam diferentemente. Com polícias do pensamento a denunciar os ‘hereges’ e a ‘desmascará-los’. A apontar-lhes o dedo – insultando-os e chamando-lhes os piores nomes.
Infelizmente, sei bem o que isso é.
E é muito triste termos um Governo cúmplice deste processo. O Governo deveria garantir a liberdade de opinião – e não estar ao lado dos que querem impor uma nova cartilha de pensamento único, retirando do mercado o que não convém, como aconteceu com os livros.
Por este caminho, onde é que isto irá parar?