Alimentação. Afinal, o leite faz assim tão bem aos ossos?

Nos últimos anos vários documentários têm vindo a questionar o que sabemos sobre a alimentação e saúde e a levar milhares a adotar novos estilos de vida

Nos últimos anos multiplicaram-se os relatos de intolerância à lactose e a indústria alimentar acompanhou os receios da população com uma panóplia de “laticínios” à base de cereais. Porque bebemos leite? Será que faz mesmo bem? As opiniões parecem dividir-se e a resposta está cada vez mais longe de ser unânime. A ideia de que o leite poderá não só não fazer bem como até fazer mal aos ossos é uma das afirmações polémicas de documentários sobre alimentação. Em “Cowspiracy” (2014) e “Forks over Knives” (2011), alguns médicos reconhecem que o leite está cheio de vitaminas, mas reforçam que estas não se destinam aos humanos. Porquê? Porque a sua função é apenas uma: transformar um bezerro num animal grande e saudável o mais depressa possível. Assim, quando os humanos bebem essas vitaminas, pode haver mais desvantagens que vantagens. 

Em “Forks over Knives”, um dos médicos entrevistados refere um estudo que demonstrou que quanto mais elevado é o consumo de leite e derivados, maior é o índice de osteoporose (doença que afeta os ossos e os deixa mais frágeis), isto é, nos países onde o consumo de leite é maior, a taxa de fraturas ósseas também é maior. Alguns estudos têm explorado essas contradições. Um trabalho publicado em 2014 na revista “BMJ”, com base em 61 mil mulheres e 45 mil homens seguidos na Suécia durante um período de 20 anos, concluiu que um maior consumo de leite estava associado a uma maior taxa de mortalidade e que não havia uma diminuição no risco de fraturas, embora os investigadores recomendassem mais investigação. Quanto à tese de que aumenta o risco de fraturas, a teoria é que o leite, quando ingerido, liberta ácido que desequilibra o pH corporal, desencadeando uma resposta biológica: voltar a equilibrar o nível de acidez. Para isso, o nosso organismo vai libertar cálcio, por se tratar de um neutralizador. Como este está armazenado nos nossos ossos, a estrutura óssea acaba por ficar fragilizada. Outra agravante, reclamam os documentários, é o facto de o leite, depois de pasteurizado, se tornar um alimento processado; assim, a sua composição química é alterada e a acidez torna-se ainda maior. Em “Cowspiracy”, alega-se mesmo que o leite pode aumentar o risco de tumores nas mulheres, podendo ainda inchar o útero e causar fibroides. Perante tão variadas informações, o que fazer? António Vaz Carneiro, médico e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e que tem procurado desmontar mitos no Centro de Medicina Baseada na Evidência, protagonizou este verão um vídeo para o site Saúde Online, bastante partilhado nas redes sociais. Na opinião do especialista, é preciso cautela quanto aos resultados científicos, que ainda não foram decisivos. Alguns estudos têm apontado, de facto, para que o leite possa ser prejudicial para os ossos, mas os ensaios clínicos não o confirmaram. “Neste momento não existem bases científicas que nos permitam dizer que o leite faz mais mal que bem à saúde”, disse António Vaz Carneiro, que ajuda a desmontar um dos argumentos mais comuns: o facto de sermos a única espécie que bebe leite na idade adulta não permite concluir nada. “Há gatos que comem cozido à portuguesa ou peixe grelhado”, questiona. Por princípio, diz o médico, é um excelente alimento e pode contribuir para uma dieta equilibrada. Deverá ser evitado por pessoas com deficiência em lactase e que não o toleram, tendo sintomas como muitos gases, cólicas e diarreias. Condição que, isso sim, não parece ser mito: estima-se que afete uma em cada duas pessoas, nuns casos com mais intensidade do que noutros. 

O que dizem os peritos

Para a médica Isabel do Carmo, não se colocam dúvidas: “O leite é benéfico” por ser um alimento muito completo e rico e, portanto, é necessário. A especialista em endocrinologia exemplifica mesmo que os países que durante uma parte do ano não têm tanta luz solar, e por isso têm falta de vitamina D, são os que “bebem mais leite e são também aqueles em que a esperança de vida é mais longa”. Já para Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas, também não há razões para fugir do leite por causa dos ossos, mas fica a ressalva: a saúde óssea é influenciada por diversos fatores: genética, ambiente, estilo de vida, alimentação e exercício físico. “Numerosos estudos demonstram a importância da ingestão adequada de cálcio para a saúde óssea, principalmente durante a infância, encontrando-se descrito que, durante a vida adulta, essa ingestão poderá ter um efeito mais reduzido na perda óssea.” E deixa uma ideia central: “A alimentação deve ser completa, variada e equilibrada.”