“Deviam era chamar a Paula Teixeira da Cruz, já que foi ela que fez as listas.” A ressaca da turbulenta feitura de listas do PSD de Lisboa para estas eleições autárquicas continua a dar dores de cabeça a alguns. Sofia Vala Rocha, candidata a vereadora em quinta posição (o PSD elegeu três em 2013), chegou a fazer parte do pódio da lista à câmara. No entanto, à última hora, Margarida Saavedra, de quem foi colega na assembleia municipal nos últimos quatro anos, subiu para o terceiro lugar e Vala Rocha caiu para quinto. Até agora em silêncio acerca da despromoção interna, Vala Rocha optou por lançar críticas no último fim de semana antes da ida às urnas.
Nas redes sociais, a autarca escreveu que “vão chamar os pesos-pesados Santana [Lopes], [Paulo] Rangel, [Marques] Mendes e [Morais] Sarmento para ajudar a campanha autárquica de Lisboa”, considerando ela que “deviam era chamar a Paula Teixeira da Cruz, já que foi ela que fez as listas para a vereação e assembleia municipal, para além de gizar a estratégia da campanha”. “Isso é que era”, disparou Sofia Vala Rocha, já tendo noticiado o i que Teixeira da Cruz, próxima de Margarida Saavedra, teria estado próxima da sua salvaguarda na lista à câmara. Quem não gostou – e agora o mostrou – foi Vala Rocha, que afirma assim que Teixeira da Cruz mantém considerável influência nos destinos do aparelho do PSD lisboeta, não tendo ficado por aí.
Em alegórica reação à convocatória da “velha guarda” – Santana e Mendes, por exemplo, para a campanha autárquica –, Vala Rocha gastronomizou.
“A política parece-se bastante com a culinária. Há 30 anos, os portugueses habituados a bacalhau com todos, ou a roupa-velha, descobriram o bacalhau com natas, com as ditas ou aldrabado com molho bechamel. Foi a revolução sociológica”, introduziu. “Lisboa é a capital, com o maior rendimento per capita do país, cidade aberta e cosmopolita. Não lhes tentem impingir receitas com 30 anos, ingredientes, métodos e chefes de há 30 anos. O bacalhau com natas teve a sua glória. Agora é intragável.”
Qual dos “chefes” do PSD de “há 30 anos” considera Vala Rocha “intragável”? Não foi especificado. Paula Teixeira da Cruz não será, certamente, o seu prato preferido. A ementa antiquada é que começou a ser servida ontem. E merece degustação.
História velha, avenidas Novas
A picardia entre os anciãos do PSD e o PSD de Pedro Passos Coelho não é recente, antes pelo contrário. Manuela Ferreira Leite foi a voz mais crítica, dentro dos senadores do partido, do governo liderado por Passos Coelho entre 2011 e 2015, talvez só ultrapassada por José Pacheco Pereira. Mas há mais e estão em crescendo. O único nome assumido para disputar a liderança com Passos no congresso do próximo ano é outro antigo quadro: Rui Rio. E foi este verão que ressurgiu outro senador social-democrata como pedra no sapato do passismo, quando Morais Sarmento se lançou à distrital de Lisboa contra o nome de Passos para a estrutura, Pedro Pinto.
Volvido esse tempo e estando as expetativas para o congresso hibernadas por respeito às autárquicas, o velho PSD chegou-se ao novo. Rui Rio tem estado muito presente no Porto, roubando até alguma atenção ao candidato independente (Álvaro Almeida) e, ontem de manhã, Ferreira Leite entrou na campanha em Lisboa, ao lado de Teresa Leal Coelho.
Se Passos já deixara passar que outros dois críticos internos, mas da ala mais jovem – Pedro Duarte e José Eduardo Martins –, liderassem as listas às assembleias municipais do Porto e de Lisboa, respetivamente, não deixou de ser peculiar ver Ferreira Leite fazer campanha numa junta de freguesia – as Avenidas Novas – onde a família Gonçalves foi proscrita este ano pela direção de Passos.
Os Gonçalves, uma das alas de maior dimensão dentro da concelhia da capital, não entraram em nenhuma lista deste ano e ascenderam precisamente ao poder quando Ferreira Leite e António Preto eram poder em Lisboa. Este ano, o nome para as Avenidas Novas é outro (Pedro Proença), mas Manuela Ferreira Leite não deixou de aparecer e o caldo não azedou.
Talvez seja Paulo Portas quem viu melhor o filme – ou o menu da refeição autárquica – ao recordar, este ano: “Tempos houve em que eu costumava ironizar que um outro partido, o PSD, tinha um problema e uma qualidade. O problema, parecia-me, é que passava anos em lutas, fações e divisões. A qualidade, às vezes surpreendente, é que na hora da verdade, ou seja, na hora das eleições, juntavam-se todos como uma rocha a defender o emblema e, através dele, o país.”
Ou, neste caso, Lisboa.