DCIAP culpa Costa por arquivamento de inquérito

Numa nota divulgada ontem, DCIAP indica que não pôde ir mais longe na investigação sobre a atuação das secretas porque o primeiro-ministro indeferiu pedido de levantamento do segredo de Estado

Foi arquivado o inquérito do Ministério Público sobre a legalidade da atuação dos serviços de informações em Portugal. Num comunicado sobre o despacho de arquivamento, emitido ontem, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) responsabiliza o primeiro-ministro pelo desfecho, deixando a nota de que a investigação não pôde ir mais longe porque António Costa recusou um pedido para levantamento do segredo de Estado.

Em causa estava uma investigação iniciada a partir de uma certidão extraída do caso das Secretas, que resultou na condenação do ex-diretor-geral do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) por acesso ilegítimo agravado, abuso de poder e violação do segredo de Estado. No âmbito deste processo, Silva Carvalho denunciou a existência de práticas ilegais nas secretas, nomeadamente o acesso a dados de telecomunicações. Recorde-se que o facto de Silva Carvalho ter pedido a João Luís, ex-diretor operacional do SIED, para aceder à fatura detalhada do telemóvel do jornalista Nuno Simas, na altura no “Público”, foi um dos crimes dado como provado pela justiça, com Silva Carvalho a declarar tê-lo feito “na convicção de que era preciso fazer”.

Já João Luís, também condenado por abuso de poder, revelou a existência de escutas. Já depois da condenação, numa entrevista à “Sábado”, Silva Carvalho insistiu que 90% da atividade das secretas pode ser ilegal, ideia que tinha transmitindo durante o julgamento, alegando que o segredo de Estado serve para proteger este modus operandi que inclui, nas afirmações de Silva Carvalho, vigiar, fotografar e filmar pessoas. Durante o julgamento, cuja sentença foi lida em novembro do ano passado, veio a público a existência de um manual de procedimentos para os espiões, confirmada após um levantamento parcial do segredo de Estado autorizado por António Costa. Ainda assim, o documento não foi disponibilizado na íntegra.

No comunicado emitido ontem, o DCIAP informa que o inquérito agora arquivado investigava a eventual adoção, pelos Serviços de Informação da República Portuguesa, “de procedimentos operacionais de interceções telefónicas de telefones fixos e móveis, registo de som ambiente, nomeadamente conversações, bem como interceção de emails, vigilâncias áudio e realização de fotografias de terceiros fora do espaço público”. Havia factos suscetíveis de integrarem “os crimes de abuso de poder e de instrumentos de escuta telefónica”.

“No decurso do inquérito foram efetuadas diversas diligências, desde logo, a inquirição de testemunhas que optaram por não responder às perguntas colocadas, invocando a classificação como segredo de Estado das matérias em questão”, diz o MP, informando que com vista a proceder à investigação solicitou ao primeiro-ministro o levantamento da classificação como segredo de Estado. “Tal pedido foi indeferido”, continua o comunicado. “Face a este indeferimento, o Ministério Público viu-se impossibilitado de realizar outras diligências investigatórias, uma vez que, necessariamente, viriam a colidir com aquela classificação. Assim, por se revelar não ser possível prosseguir as investigações, foi determinado o arquivamento dos autos”, conclui o comunicado, que surge em pleno período de campanha eleitoral.