Foram divulgados esta semana os dados da DGO que apontam para um crescimento da receita acima da despesa, mas à custa do programa PERES. Qual é a expetativa até ao final do ano?
Sou a favor da regularização das dívidas fiscais porque ela permite às pessoas que estão em incumprimento entrar no sistema e, ao mesmo tempo, evita falências quer das pessoas individuais quer das empresas. Quanto ao crescimento da receita, sempre defendi que o que é fundamental é gerar crescimento económico. A coisa que mais cria receita num país é o crescimento económico, e se nós conseguirmos induzir as pessoas e as empresas a produzirem mais e a investirem de forma a gerar maior crescimento económico, a receita fiscal dispara. Esse é o caminho a seguir e é também mais positivo.
Mas não é esse o caminho que tem sido seguido…
Nos últimos dez anos, o aumento das receitas tem sido proveniente de receitas extraordinárias. Neste momento, devido ao trabalho que foi feito pelo governo anterior e também pela mensagem positiva que este governo está a transmitir, a economia portuguesa está efetivamente a crescer um pouco mais, mas isso depois de quase 15 anos de estagnação económica. No entanto, o que seria necessário fazer era estimular as empresas a investirem mais, e isso é uma das áreas em que não se tem apostado.
E o que poderá ser feito?
Temos de pensar em duas áreas: nas pessoas e nas empresas. Em termos de IRS, por aquilo que percebo e por aquilo que tem sido dito, porque ainda não vi a proposta do Orçamento do Estado para o próximo ano, as alterações previstas vão beneficiar os contribuintes. É um sinal importante porque não faz sentido que o Estado fique praticamente com todo o rendimento das pessoas que trabalham e criam riqueza.
Mas o alívio fiscal vai-se refletir sobretudo na classe baixa…
Todos os trabalhadores são pessoas, todos têm despesas e todos têm necessidades. Por isso, o que faz sentido é que haja um desagravamento fiscal em todos os escalões.
E está prevista a criação de novos escalões…
Não sei o que vai ser proposto. Mas sei que criar muitos escalões agrava a complexidade da aplicação do imposto. Não sei até que ponto é que criar mais escalões é uma medida positiva. E se forem criados escalões mais elevados, então é grave e vai levar à fuga de cérebros de Portugal, pondo em causa o crescimento económico do país.
O último escalão paga atualmente 48% de IRS. Devia descer para quanto?
Devia baixar no mínimo dez pontos percentuais. Conheço muitas pessoas que tinham dois e três empregos, trabalhavam de manhã à noite, mas essas pessoas, com o agravamento dos impostos nos últimos anos, pura e simplesmente passaram a ter apenas um emprego. Estão mais tempo com a família, o que é ótimo, mas deixaram de produzir toda essa riqueza. Claro que, hoje em dia, ganham metade ou um terço do que ganhavam, mas também deixaram de pagar tantos impostos.
E do lado das empresas, o que deveria ser feito?
Continua a não ser dado um sinal positivo para as empresas e este pode ser dado de várias maneiras. Pode ser dado, por exemplo, através de uma descida de IRC, como foi proposto pela CIP e é o que está a acontecer com a Grã-Bretanha, o que está ser proposto nos Estados Unidos e é aquilo que Macron está a fazer em França e o que a Alemanha já faz. E essa redução tem um efeito multiplicador de crescimento na economia. Outra medida que poderia ser implementada era que as empresas que aplicassem os seus lucros em aumentos de capital próprios não deveriam ser tributadas, uma vez que isso daria maior saúde às empresas e também aos bancos. Por exemplo, até 50% dos lucros que fossem aplicados em capital próprio durante dez anos não seriam sujeitos a tributação. Outra medida que poderia ser positiva era equiparar os empréstimos dos sócios a um empréstimo bancário, para que as empresas deixassem de privilegiar tanto o endividamento bancário e procurassem outras formas de financiamento que não fragilizem tanto a empresa e não criem uma dependência e uma fragilidade para o sistema bancário. Deviam também ser implementadas medidas que são básicas, que era procurarmos fazer aquilo que fizemos no regimento de residentes não habituais para captar estrangeiros para cá no setor empresarial. E a explicação é simples: o regime de residentes não habituais traz-nos pessoas com know–how ou pessoas com muito dinheiro que acabam por investir no país e acabam por gastar mais dinheiro em restaurantes, o que se traduz numa enorme receita de IVA, a adquirir casas e, com isso, a receita do IMT (transmissão onerosa de imóveis) disparou, e fazem todo o tipo de despesas ligadas à saúde, advogados, técnicos oficiais de contas, gestores, etc. Isto significa que, além dessa medida para residentes não habituais, devíamos fazer uma outra semelhante, mas para atrair empresas. E essa medida não é nova. Foi o que fizeram vários países, como a China e a Índia, que fizeram disparar o desenvolvimento tecnológico, os EUA ou a Irlanda. Mas para isso teria de ser criado um regime com uma taxa de tributação muito baixa.
A ideia era fazer o que se pensou em governos anteriores ao implementar os projetos classificados como PIN (potencial interesse nacional)?
Preferia um regime que pudesse ser aplicado a todos. Um dos problemas que existem em todos os governos é que os contratos de investimento podem dar para algumas coisas de investimento estrangeiro, mas depois dão para quem tem bons contactos no Estado. Na maior parte dos casos, não dão para as empresas que merecem, e o que precisamos em Portugal é que as pequenas e médias empresas, que são 300 mil, invistam mais, evoluam mais tecnologicamente e empreguem mais e com maior qualidade. E se não é possível fazer contratos com as tais 300 mil empresas, então o que é preciso é premiar quem merece mais. Por exemplo, quem fizesse um investimento progressivo deveria ter um prémio a nível de IRC, e quem empregasse mais pessoas deveria pagar menos imposto. Mas isso deveria ser um sistema transparente, e que todas as coisas se percebessem e não estivessem dependentes da administração fiscal. Caso contrário, uns têm e outros não têm. Era preciso criar um regime transparente.
Mas para isso é necessário ter uma maior folga orçamental do que aquela que existe?
Não é verdade, porque esses benefícios iriam implicar um maior crescimento económico. Não há nada que crie maior riqueza fiscal do que o crescimento económico. Além de que, ao crescer-se economicamente, a dívida reduz-se relativamente ao produto interno bruto. Isso significa que medidas deste género contam com uma série de efeitos virtuosos. Ao mesmo tempo, resolvia os problemas da banca, porque ao haver maior crescimento económico também há uma maior solidez da banca e também maiores oportunidades – uma situação bem mais favorável do que sermos obrigados a injetar do nosso dinheiro de impostos milhares de milhões de euros para a banca. Esta é a forma mais óbvia de resolver o problema da burocracia, da falta de eficiência da justiça e muitos outros problemas graves que temos em Portugal, transmitindo uma mensagem direta que os investidores reconhecem, que é a redução de taxas. Além disso, precisávamos de simplicidade na matéria fiscal, pois há hoje em dia um enorme arbítrio nas inspeções fiscais, há um sistema altamente complicado de declarações que tem de se fazer todos os anos, há um enorme tempo de espera das decisões quer no seio da administração fiscal quer nos tribunais administrativos e fiscais. Tudo isto são fatores de insegurança e de dúvida e que prejudicam os investimentos em Portugal.
Daí as empresas queixarem-se da instabilidade fiscal. Os impostos mudam consoante os governos e até mesmo consoante o Orçamento de Estado de cada ano…
Infelizmente, esse é um problema transversal a todos os governos. Ainda assim, este governo fez uma coisa positiva que foi prometer que as leis vigoram, pelo menos, durante seis meses. Ou seja, só altera no mês de junho e no mês de dezembro, e isso já é uma evolução. Ainda não é bom, mas é melhor do que aquilo que se passava anteriormente, e acaba por criar uma maior segurança jurídica. Mas continua a existir alguma incerteza fiscal. Por exemplo, criou-se o regime de residentes não habituais, que está a ter atualmente um sucesso enorme, mas já se começa a falar em alterar. Então está a crescer imenso o investimento no imobiliário, o Estado está a receber mais IMT, está a receber mais IMI, e agora vai perseguir o imobiliário? Não faz sentido, principalmente porque competimos nesta matéria com Itália, que tem um sistema melhor que o nosso, com Espanha, Luxemburgo, Suíça, Alemanha, Bélgica. Desta forma, se agravarmos o nosso regime, eles começam a ir para outros países porque têm melhores condições, e com isso Portugal deixa de ser atrativo. O que temos de fazer é conseguir criar estímulos para as pessoas, e isso cria-se de duas formas: reduzindo o imposto quer sobre as pessoas quer sobre as empresas. E isso, mais uma vez, só é possível se tivermos crescimento económico. Por outro lado, temos de ter muito cuidado com a despesa. Portugal continua a ter um elevado nível de despesa pública e agora está a dar passos no sentido de criar alguma folga orçamental para aumentar os salários na função pública, para subir as reformas, etc. Mas isso tem de ser feito com conta, peso e medida, isto é, não se pode dar um passo maior do que a perna para depois não termos de tirar dos salários 10%, 15% ou mais. Tem de haver bom senso, o que não deve ser fácil no seio de uma coligação.
E aí entra a pressão dos partidos de esquerda que apoiam o governo, e isso é visível, por exemplo, nas reivindicações no que diz respeito ao descongelamento das carreiras?
Acho que o primeiro-ministro tem bom senso. Mas, mais uma vez digo, não deve ser nada fácil gerir uma coligação com o Bloco de Esquerda e com o Partido Comunista. Até agora, as medidas que o governo tem tomado, algumas das quais devido à pressão dos partidos de esquerda, têm sido razoáveis. Mas se cair na tentação de aceitar medidas radicais – porque tanto o Bloco como o PCP têm noção que se trata de medidas radicais -, o país não vai aguentar, a dívida pública não vai aguentar e teremos mais uma intervenção do FMI. Uma dança a três não é nada fácil, mas até agora tem sido razoável.
E inicialmente ninguém previa que a coligação durasse tanto tempo…
Sim, mas se o Bloco de Esquerda ou o PCP tirarem o tapete ao atual governo, é possível que o PS venha a ter maioria absoluta e, a partir daí, não precisa deles para nada. Por isso mesmo, acredito que haja algum bom senso por parte dos partidos que apoiam o executivo.
Mas também para o próprio PS é mais fácil governar em coligação do que contar com a forte oposição dos partidos de esquerda…
Não sou político, mas sei que com um governo com maioria absoluta é possível executar um plano de governo e em que se acredita com mais facilidade. Como estamos agora faz-se uma gestão governamental, uma espécie de navegação à vista, e não é a forma mais eficaz de se chegar ao que quer que seja. Não estou com isto a dizer que o governo devia cair e avançar-se para eleições antecipadas. Mas acho que é muito difícil governar em coligação quando há partidos que são muito extremistas e, neste caso, o Bloco de Esquerda parece-me o mais extremista dos dois. O PCP parece-me mais razoável e conservador em muitas coisas. Não faço ideia como serão as negociações, mas acredito que sejam difíceis.
Voltando ao Orçamento do Estado: com este alívio dos impostos diretos prevê um aumento dos impostos indiretos, como aconteceu no ano passado?
Se houver bom senso no Orçamento do Estado, não vai ser preciso aumentar mais impostos, devido ao crescimento económico. Mas grande parte do crescimento económico que se está a verificar ainda não se deve a uma recuperação empresarial. Vai começando a existir algum investimento, mas isso está relacionado sobretudo com o turismo e com a vinda dos residentes estrangeiros para Portugal.
Acha então que há margem para descer impostos indiretos, como o imposto sobre produtos petrolíferos (ISP) ou o imposto sobre veículos (ISV)?
Acho muito mais importante descer o IRS e o IRC do que descer os impostos sobre o consumo. O consumo é uma manifestação da nossa capacidade contributiva. Por exemplo, eu tenho um carro com 14 anos e não me parece grave andar com um carro com esses anos. Mas retirarem-nos diretamente o dinheiro que recebemos com o nosso esforço de trabalho ou com o nosso esforço de investimento numa empresa é muito mais violento.
Concorda então com a tributação sobre os refrigerantes e bebidas açucaradas?
Vejo com melhores olhos esse tipo de medidas. Este ano também se prevê que volte a existir um agravamento do imposto sobre bebidas açucaradas, e isso não me parece grave. Hoje em dia, os países nórdicos quase que proíbem o consumo de açúcar e comparam o consumo de açúcar à cocaína, devido à dependência e às doenças que causa. Por isso, o agravamento progressivo do imposto sobre o açúcar e bebidas açucaradas não me parece grave, como também não o é a manutenção do imposto sobre os automóveis. Não é que eu goste dos automóveis caros, mas é uma alternativa a outro tipo de impostos. Até defendo uma subida muito progressiva do gasóleo porque, de facto, é mais poluente, e um desagravamento do imposto sobre a gasolina. São medidas que fazem sentido e, aliás, já está previsto serem aplicadas pelos franceses. Agora, se me pergunta se faz sentido o leite com chocolate pagar imposto de 23%, digo que não. Não acho aceitável, mas já acho que faz sentido agravar o imposto sobre as bebidas açucaradas, batatas fritas, gomas. Mas para isso têm de desonerar as sandes e as opções saudáveis.
Ainda assim, não acha que o imposto sobre o açúcar ficou aquém do que estava previsto?
Não cumpriu meta nenhuma. Foi uma medida que foi aprovada meramente para arrecadar receitas. Mas para ser alvo de novos aumentos, estes devem ser progressivos, ou seja, dizer que em até cinco anos vão aumentar x para que as empresas do setor possam adaptar-se à situação e possam oferecer, se assim o entenderem, produtos mais adaptados à política do governo, não é passar do zero para os cem como fizeram com os sacos de plástico.
E este ano tudo indica que haverá mais novidades nesta matéria, já que o governo não descarta a ideia de avançar com uma nova taxa sobre os produtos alimentares com elevado teor de sal ou gordura saturada, a chamada junk food…
Vai no mesmo sentido. Mas é importante que sejam consideradas alternativas, ou seja, que esteja prevista, ao mesmo tempo, a redução do imposto na alimentação saudável.
Mas depois temos as empresas a acusarem o governo de criar taxas e taxinhas…
Isso também não está correto, porque temos taxas e taxinhas aos milhares pelo país porque são estruturadas de forma a serem pouco transparentes. Não seguem uma estratégia fiscal. Os países mais de-senvolvidos são mais desenvolvidos porque têm uma estratégia fiscal para atrair cérebros, para atrair investimento, para captar e premiar os que trabalham e produzem mais. Nós não temos um sistema fiscal, temos um sistema de financiamento do Estado. Não temos uma estrutura fiscal pensada para a produção e estímulo de riqueza do trabalho.
Há pouco disse que o crescimento económico se deve, em grande parte, ao aumento do turismo. Este também é um setor que pode vir a ser agravado do ponto de vista fiscal?
Mais uma vez, é preciso ter muito senso no que se faz. Já foi agravado o imposto do alojamento local e, por isso, não se devia fazer mais nada, agora, nesta área. Não se pode esquecer que o turismo é um dos elementos que sustentam a economia portuguesa e muitos esquecem-se que o turismo é o que permite ter o trabalho que têm e viverem como vivem. Seria positivo era baixar o imposto sobre as rendas porque é demasiado elevado o imposto de 28%, porque já pagam IMI e mais umas 15 taxas municipais. E com uma tributação de 28%, ninguém arrenda neste país. Por outro lado, há outra medida importante que deveria ser implementada a quem arrendar a um prazo razoável e que passaria por agilizar os despejos. Por exemplo, se as pessoas não pagam ao fim de duas semanas, têm de sair. Os franceses têm isso, os suíços também, e o mesmo acontece com outros países. Esse despejo podia ser feito pela polícia ou por um representante municipal, ou por quem quer que seja. E ao mesmo tempo, quando as pessoas arrendam uma casa e a destroem, têm de pagar. Isso já acontece noutros países e são coisas muito simples como, por exemplo, o senhorio entrar com o inquilino e filmar o interior. E isso serve para efeito de prova. Se destrói o que lá está, isso é crime e terá de pagar uma indemnização enorme.
Mas a caução serve para isso…
A caução funciona para pessoas civilizadas mas, infelizmente, nem todas são. Como tal, tem de existir um mecanismo legal simples e eficaz para acautelar este tipo de situações. A ideia é implementar medidas simples que todos percebam: inquilinos, senhorios e o Estado. Quando se avança com medidas altamente complexas, os inquilinos e os senhorios não percebem e o Estado passa a ter um enorme problema em aplicar a lei.
Em relação às offshores, o Ministério Público abriu inquérito ao “apagão” dos nove mil milhões.
Acho muito bem que se investigue. Não consigo perceber como é que nove mil milhões de euros desaparecem. É fundamental que o Ministério Público perceba o que se passou porque não desaparecem nove mil milhões do sistema bancário mundial. Nove mil milhões é muito mas muito dinheiro.
E o que deve ser feito para evitar este tipo de situações?
Desde que se chegue à conclusão que há responsabilidade criminal, é prender as pessoas. Acredito que isso seja uma medida dissuasora e esta procuradora tem feito um excelente trabalho para combater a corrupção e todo este tipo de fenómenos por criar uma maior confiança no sistema. Antes não apareciam praticamente casos nenhuns de corrupção, não foi de repente um fenómeno paranormal em que todos os casos de corrupção aparecem no seu mandato. O que acontece é que está a ser feito um esforço grande no combate a este tipo de situações. Espero que resultem daqui condenações no caso das pessoas que cometeram este tipo de crimes e, se forem graves, têm de existir penas duras que mostrem que a corrupção e este tipo de práticas são combatidos em Portugal.
Descarta então a falha técnica?
Não faço ideia do que se passou, mas acho que não desaparecem nove mil milhões de euros e que não são encontráveis. Até porque há uma maneira de encontrar essas coisas. Há detetives a nível internacional que são especialistas em encontrar essas verbas e recebem uma parte do dinheiro que encontram. O Estado português, como credor, devia recorrer a esse tipo de entidades. Não percebo porque não o faz. Acho que não há vontade política para o fazer, desde os partidos de esquerda aos partidos de direita.