Leituras nacionais das autárquicas sempre existiram: foi por causa de uma derrota em eleições locais que António Guterres se demitiu, em dezembro de 2001, do cargo de primeiro-ministro. Este domingo, no Largo do Rato, pode acontecer um fenómeno diametralmente oposto: o primeiro-ministro que o eleitorado derrotou para governar sozinho nas legislativas de 2015 pode conseguir enfim a legitimação (e eventual aclamação) do povo.
Em Lisboa, a dúvida é apenas se Fernando Medina – a quem as sondagens não fustigaram mesmo depois de conhecidas as condições em que comprou o seu apartamento – tem ou não tem maioria absoluta. Mas a Universidade Católica veio introduzir no xadrez político a possibilidade de o socialista Manuel Pizarro vencer o segundo concelho do país ao independente Rui Moreira. Fica por explicar a ira de Costa na entrevista à Rádio Renascença, quando inopinadamente terminou uma entrevista no momento em que o jornalista fez perguntas sobre Manuel Pizarro. É verdade que, desde o princípio, Costa apoiou a recandidatura de Rui Moreira – um apoio anunciado no congresso de 2016 e que só foi adiado por causa da oposição interna na distrital socialista. Depois, tudo acabou mal, quando Moreira descartou o apoio do PS e Manuel Pizarro se viu obrigado a avançar sozinho.
Na altura do anúncio da candidatura de Pizarro, as esperanças socialistas não eram muitas. Mas não só Pizarro surpreendeu como Moreira teve problemas como o caso Selminho e a sua já mais do que evidente arrogância, e o amor que o eleitorado demonstra pelo governo PS pode eventualmente ajudar a alterar o rumo das coisas. Mas as sondagens são como os prognósticos no futebol, que um famoso jogador, João Pinto, dizia só interessarem no fim do jogo: só valem depois das 20 horas de domingo – e, mesmo assim, a essa hora ainda há direito a equívocos. O terceiro concelho do país, Sintra, deverá continuar também em mãos socialistas, com Basílio Horta na presidência. O erro do PSD em não apoiar há quatro anos Marco Almeida mostrou que nem sempre emendar a mão a posteriori funciona. Perdeu-se o momentum. Lisboa, Sintra, Coimbra – é difícil que o PS perca estes concelhos. Se se juntar um bom resultado global do PS, superior ao de 2013, que já foi só por si histórico, Costa fica com uma coisa de que precisava: à legitimação institucional do seu governo, apoiado pelo PCP e Bloco de Esquerda no parlamento, junta a legitimação popular. E isso é um dado político relevantíssimo para o homem que teve menos votos que Pedro Passos Coelho em 2015.
PSD em maré baixa
A campanha autárquica não fez Pedro Passos Coelho inverter a “lei de Murphy” a que está sujeito desde que não conseguiu formar governo nas legislativas de 2015. Apesar da combatividade demonstrada pelo líder na estrada, nada corre bem. E até a combatividade se torna incompreensível para o eleitorado quando, perante cada boa notícia para a economia portuguesa (e elas têm sido aos molhos), Passos resmunga.
O CDS está mais contente: se Cristas, como dizem algumas sondagens, ficar à frente do PSD, a noite está ganha, e a sua liderança consagrada.
A CDU vai ter um teste fundamental nestas autárquicas: também é o seu apoio ao governo que vai a votos. A coligação liderada pelo PCP conseguiu 11% nas últimas autárquicas – qualquer perda substancial neste resultado tem reflexos na vida interna do PCP e na “paz” dentro da solução de governo. A discussão do Orçamento do Estado pode ser mais fácil ou mais difícil consoante o resultado de domingo.
E há o Bloco de Esquerda, que conta, desta vez, passar a ter representação autárquica – não tem uma única câmara e da última vez teve um número residual de votos.