Os dois mais importantes e fratricidas movimentos palestinianos deram esta segunda-feira um passo fundamental para a reconciliação ao fim de dez anos em conflito aberto. O primeiro-ministro do governo da Cisjordânia, Rami al-Hamdallah, chegou à Faixa de Gaza para se ocupar de um governo de unidade que substituirá o comando do grupo islamista Hamas no território empobrecido. Hamdallah foi recebido por centenas de palestinianos em celebração e por uma guarda de honra do Hamas, que no mês passado, para surpresa e ceticismo, anunciou que desejava sarar as feridas com o inimigo cisjordano da Fatah. Se a transição correr como o esperado e o governo de unidade aguentar, os dois territórios podem ir em breve a eleições e regressar a uma só liderança.
O ceticismo não se dissipou por completo, mas o clima de esta segunda-feira em Gaza parece ter vida própria. Hamdallah foi recebido em ambiente de euforia num território onde mais do que nunca se deseja uma reaproximação. A eletricidade está parcialmente interrompida desde março, os números de desemprego estão em patamares recorde, a pobreza extrema é generalizada e por estes dias não há sequer a ajuda do Qatar, que entretanto se viu em bloqueio económico e diplomático. Se é verdade que se tentaram seis processos diferentes de paz entre Hamas e Fatah só nos últimos dez anos, também é verdade que a situação se alterou desde então.
“Voltamos a Gaza para concluir a reconciliação e a unidade nacional, e acabar com os impactos dolorosos da divisão”, lançou esta segHamdallah, que tem ligações à Fatah mas é visto como uma figura independente. O primeiro-ministro da Autoridade Palestiniana, chefiada por Mahmoud Abbas – esse, sim, a grande figura da Fatah –, anunciou que a partir de hoje assumirá controlo dos assuntos administrativos em Gaza e, ao longo das próximas semanas, comandará também a máquina de segurança, o controlo das entradas e saídas e as fronteiras. Não é claro que pastas do novo governo de unidade vai dividir-se, mas sabe-se que o plano é integrar três mil homens da Fatah, vindos da Cisjordânia, no vasto comando de segurança do Hamas em Gaza. Em todo o caso, os assuntos militares, pelo menos na prática, continuarão muito dependentes dos 25 mil homens do movimento islamista.
Dúvidas
Ninguém sabe ao certo no que dará o mais recente processo de reconciliação. Não falta, por exemplo, quem defenda que o Hamas está sobretudo interessado na aparência de aproximação para aliviar o fosso económico em que se encontra Gaza. De facto, a reaproximação nasce de uma crise iniciada em março pelos islamistas, ao anunciarem um comité administrativo que, aos olhos da Cisjordânia, não passava de um governo sombra. Abbas contestou com mão invulgarmente pesada, cortando os subsídios de eletricidade para Gaza e aos seus homens em prisões israelitas. Reduziu também o envio de material médico e fez um corte drástico nos funcionários.
O Hamas cedeu há um mês, anunciando que iria dissolver o comité administrativo e aceitar eleições que terminem com o conflito iniciado em 2007, ano em que os dois grupos entraram em conflito, resultado da vitória eleitoral do movimento islamista. O Hamas, contudo, mudou de liderança em maio e os dois novos líderes – um formado nos braços armados do movimento – estão a contrariar as expectativas que apontavam para uma nova vaga de conflito e parecem mostrar-se mais pragmáticos do que o esperado. “É um dia de Eid, é feriado nacional”, dizia esta segunda-feira Abdel-Majid Ali, em declarações à Reuters. “Esperemos que desta vez a reconciliação seja real.”