Não pareceu nada surpreendido com o bom resultado de Assunção Cristas. O que lhe indicava que ia correr tudo bem? De onde vinha o otimismo?
Eu há duas semanas que dizia – e confesso que era uma voz isolada – que o CDS e que a Assunção Cristas iriam ter uma votação entre os 20 e os 25%. Isso derivava de uma leitura das sondagens, sim, mas sobretudo de uma leitura da rua: as pessoas estavam com ela, estavam connosco.
Foi isso que o motivou desde o início?
Veja bem, eu sou autarca nesta cidade há 20 anos, participei em todas as campanhas locais e legislativas desde aí. Mas este ano percebia-se claramente que havia algo diferente.
O quê?
O mérito da candidata, de toda a equipa em torno da candidatura. O Diogo Moura, presidente da concelhia, foi fundamental. A Assunção consegue penetrar no eleitorado e criar uma empatia com o eleitor que vai muito além do CDS. A prova disso é o resultado destas eleições, confirmando uma estratégia que vem sendo delineada há bastante tempo, desde o tempo em que lhe lancei o desafio. Acreditei que a sua personalidade e forma de fazer política eram claramente um ativo que funcionava bem em Lisboa. Da parte dela veio também algo que eu não conhecia, mas que se foi revelando: tem um gosto enorme em fazer política local, terá imenso gozo em ser autarca. Serão quatro anos em que será vereadora e em que o CDS manterá a liderança na oposição a Fernando Medina.
Que tipo de oposição?
Não seremos uma força de bloqueio permanente. Seremos uma oposição responsável, construtiva, fiscalizadora e muito dura, como fomos nos últimos quatro anos.
Quando diz que não será força de bloqueio está a remeter para o facto de o executivo de Medina ser hoje minoritário e necessitar de acordos.
(pausa) Há uma leitura que tem de ser feita destas eleições. Têm vários derrotados. Do ponto de vista nacional, e com consequências, o PCP. Perdem praticamente um terço das câmaras do país e só mantêm o resultado em Lisboa. Eu tinha ouvido João Ferreira ambicionar um terceiro vereador e isso não se verificou, antes pelo contrário. Depois, Fernando Medina, que politicamente tem uma enorme derrota: perde a maioria absoluta que tinha herdado de António Costa, perde mandatos e perde votos.
E o PSD…
Sim… que levou até à saída do seu líder, não podendo eu deixar de aqui dizer isto: respeito muito Pedro Passos Coelho e o que fez pelo país como primeiro-ministro.
Mas o grande derrotado é o PSD como partido ou Teresa Leal Coelho como rosto?
Há um contexto específico. Tenho amizade por Teresa Leal Coelho e penso que ela não terá tido as condições normais para fazer uma candidatura. Isso tem a ver com problemas internos que não vou estar a comentar. Quem vê de fora, e poderão discutir isso no congresso que têm à porta, vê que o problema do PSD é muito mais estrutural que uma liderança.
Em Lisboa tiveram a concelhia a virar as costas à liderança nacional…
Faça uma analogia antes com o CDS. Nós estivemos unidos na estratégia, na visão e na vontade. Falámos a uma só voz e com uma campanha diferente: bem-disposta, proativa. Tivemos uma Juventude Popular como alma da campanha. Tivemos dirigentes a contribuir diariamente. Há muitos anos que faço campanhas e não me recordo de tão bom ambiente e de tanta mobilização.
As diferenças entre a direção e alguns setores do partido foram mitigadas por isso, em Lisboa?
Quem achar que o CDS, antes ou depois de qualquer eleição, não tem visões diferentes dentro de si está muito enganado. O partido sempre foi plural.
O que estas eleições provam, e isso é outro ponto, é a consolidação da liderança de Assunção Cristas.
Foi uma operação de legitimação interna, de certo modo.
Qualquer ato eleitoral tem consequências, isso é inevitável. Se correr mal, acaba em congresso (basta olhar para o PSD). Se correr bem, que foi o que se passou, acaba em termos um partido melhor. Nós temos uma liderança consolidada, que respeita o legado que lhe foi entregue e projeta o partido para o futuro. Assunção e quem esteve com ela em Lisboa têm liberdade para isso precisamente por serem profissionalmente independentes. Não precisam da política para viver e isso marca uma diferença: podem arriscar. As pessoas perceberam isso, a opinião pública percebeu isso: havia uma diferença.
Quem está na política a tempo inteiro tem mais anticorpos a lideranças independentes?
Quem é independente pode arriscar mais porque não tem nada a perder. Eu não critico ninguém que esteja a 100% na política, mas a liberdade de quem não está refém da atividade política permite fazer outras coisas.
O objetivo de assumir um eleitorado que não estava antes com o CDS não pode desvirtuar a sua identidade partidária?
Não, por uma questão de autenticidade. Esta candidatura foi buscar muito daquilo que é o legado da gestão do engenheiro Krus Abecasis: as pessoas estarem primeiro, uma dinâmica humanista. Isso é o CDS, isso é a democracia cristã.
Foi a referência?
Como autarca é a maior referência, claro.
E essa agenda é transponível para a política nacional?
Claro que é. As pessoas estão fartas de crispação, querem compromisso. O CDS tem de estar disponível para isso.
É mais fácil ter um programa em torno da ação social quando não se vai governar. Não têm responsabilidades orçamentais…
Não, não. A nível nacional, o CDS não é nem nunca foi contra o Estado social. Tem-se preocupado com essas matérias, inclusivamente quando esteve no governo. A economia tem de funcionar bem, ativa e a crescer, para financiar o Estado social.
Isso é o discurso do governo.
Não sei se é ou não é do governo. Se é, temos alguma coisa em simultâneo, o que não tem qualquer problema. O Estado social tem de ser justo e disciplinado: quem recorre a ele tem de necessitar dele. Mas é a economia que o alimenta. Quando me diz que a questão das pessoas é “muito bonito porque não vamos governar”, eu digo: não, nós estamos disponíveis para governar – afinal, somos um partido do arco da governação.
Incluindo na Câmara de Lisboa?
Não, na Câmara de Lisboa não estamos disponíveis para governar com Fernando Medina. Assunção Cristas está disponível para ser presidente da câmara e governar a cidade.
Daqui a quatro anos, outra vez?
Quatro anos é uma eternidade em política…
Se o executivo de Medina é minoritário e o CDS não pretende ser “uma força de bloqueio”, o que farão se o presidente falhar um acordo à esquerda?
O que eu ouvi Fernando Medina dizer foi uma exclusão da direita. Quis montar um governo na cidade com base nas esquerdas unidas. Com base nessa intenção, ele que siga o seu caminho. Nós estamos confortáveis e respeitamos a sua decisão. Quem fechou a porta a qualquer entendimento foi ele.
Tem mantido algumas picardias públicas com nomes do PSD que acusam Assunção Cristas de ter recusado uma coligação de direita, oferecendo a câmara a Fernando Medina. Teriam ganho com a direita unida?
Eu acredito que a Assunção teria condições para ganhar nessa circunstância, sim.
As exigências que fizeram ao PSD não inviabilizaram o acordo?
Sem querer fugir à questão: o CDS fala de futuro, eu não estou agarrado ao passado. Não foi por falta de vontade do CDS e de alguns protagonistas do PSD que não houve um entendimento. Em momentos diferentes, o PSD teve posições diferentes. A última posição que tive do então líder concelhio (Mauro Xavier) e do então líder distrital (Miguel Pinto Luz) dava as bases de um acordo como fechadas.
Se as bases estavam fechadas, não houve acordo porquê?
Eu quero falar de futuro, não de passado. Hoje é evidente que foi o CDS que retirou a maioria absoluta a Fernando Medina. É muito positivo alargarmos a nossa base a esse ponto. Se não há uma maioria absoluta na cidade de Lisboa, isso deve-se ao CDS.
O dia 1 de outubro mudou o padrão da gestão socialista na cidade de Lisboa. E nós vamos crescer.
Conviveu de perto com António Costa nos tempos em que ele esteve na câmara. Medina beneficiou do legado do atual primeiro-ministro?
Claro que beneficiou da popularidade de António Costa, que encarou as eleições autárquicas como eleições nacionais. O resultado histórico do Partido Socialista tem muito do seu empenho. As várias câmaras que foram ganhas ou mantidas pelo PS beneficiaram disso. Medina também, mas levou um cartão vermelho evidente. Perdeu três vereadores, quando o CDS ganhou três vereadores. Veja as juntas de freguesia. Nas Avenidas Novas, onde executou a sua “grande obra do Eixo Central”, o nome mais votado para a câmara foi Assunção Cristas. As obras que foram feitas para o entronizar como presidente da câmara fizeram-no perder votos nas freguesias em que foram feitas. Só reforça as críticas que o CDS fez, na altura, a obras que transformaram Lisboa num autêntico inferno. É unânime que a única oposição que foi feita ao executivo socialista foi feita pelo CDS.
Que erros identifica e que correções faria?
Quem ler o programa eleitoral de Fernando Medina entende que ele não aprendeu nada: quer que Lisboa seja um estaleiro nos próximos quatro anos. Não faz sentido fazer uma guerra aos automobilistas quando não se criam alternativas viáveis nos transportes públicos. Eu vou ter agora um quarto filho e é impossível lá em casa não usarmos um carro. Houve muita gente que não é de direita e votou na Assunção Cristas por estar indignada com isto. Encontrámos eleitores do Partido Socialista que nos diziam que a decisão era não ir votar ou votar na Assunção, porque eram incapazes de votar em quem lhes tinha tirado lugares de estacionamento e feito chegar a casa uma hora e meia mais tarde: Fernando Medina.
Ganhar mais uma câmara chega para dizer que o resultado nacional foi positivo?
O CDS cresceu em número de câmaras, teve um resultado absolutamente histórico em Lisboa e, neste distrito, teve um substancial aumento do número de mandatos. Mesmo que retirássemos o concelho de Lisboa, nos outros 15 concelhos do distrito aumentámos o número de autarcas. Lisboa distrito foi um contribuinte líquido para a moção que Assunção Cristas levou a congresso: aumentar o número de autarcas. O balanço geral é muito positivo.
Se tivéssemos um mapa autárquico no dia 2 de outubro e retirássemos a distrital de Lisboa, ainda se falaria em sucesso?
Claro que sim. Ganhámos mais uma câmara. Também tivemos um fantástico resultado na Covilhã, do Adolfo Mesquita Nunes, que prestou um enorme serviço ao partido e ao país. O caminho é passo a passo. O CDS deve fazer uma reflexão interna sobre estas eleições, sobre o seu futuro a partir daqui. A arena autárquica tem sempre efeitos nacionais. O partido tem de manter uma estratégia a 12 anos no plano local. E este é o momento para pensá-la com tempo.
A política autárquica vai ser um refúgio do CDS face à hegemonia do governo de António Costa?
Não. O que digo é que o CDS só poderá verdadeiramente assumir-se no plano nacional através de uma rede autárquica. Regressar às origens também é isso. Durante quatro anos foi feito um trabalho em larga escala, do centro aos bairros sociais.
E levou calças de ganga? (risos)
Às vezes calças de ganha, às vezes calças de fato… (risos) Deu-me um imenso gozo criar uma rede alimentar na cidade de Lisboa que está reconhecida pelas Nações Unidas. Antes havia um bocadinho aquela lógica de os autarcas serem o parente pobre do CDS. É preciso reconquistar a rede autárquica. E é preciso pensá-lo agora. O trabalho para 2021, para 2025 e para 2029 começa hoje.