A crise atual do PSD é autenticamente uma brincadeira de meninos comparada com as verdadeiras e grandes crises que o partido atravessou até Cavaco Silva chegar ao poder em abril de 1985. Reuniões dramáticas, entrevistas explosivas, ruturas, abandonos e regressos espetaculares, aconteceu de tudo um pouco ao partido mais português de Portugal, que só tarde entrou numa organização partidária internacional.
Sá Carneiro foi o grande protagonista das crises e ruturas. Não era homem para consensos e meias palavras. Fundador do PSD, zangou-se de imediato com Miller Guerra, seu companheiro da ala liberal da Ação Nacional Popular de Marcelo Rebelo de Sousa. Desapontado com o peso dos comunistas nos militares e na sociedade, Sá Carneiro abandonou a liderança depois do 11 de março de 1975 e andou por Madrid e Londres, entre a doença e a pouca vontade de estar num Portugal vermelho. No seu lugar ficou Emídio Guerreiro, ex-membro da LUAR.
Primeiro regresso
Depois do 25 de novembro de 1975, regressou a Lisboa e voltou à liderança do partido. Mas as guerras continuaram fortes com a ala eanista do partido. Saiu em novembro de 1977 e para o seu lugar entrou Sousa Franco. Mas Sá Carneiro andou sempre por aí e nunca se eximiu de criticar a deriva do partido que fundou e os amores por Ramalho Eanes da chamada ala progressista do PPD. Sousa Franco não resiste e abandona a liderança em abril de 1978 já com Sá Carneiro a preparar o seu regresso ao partido.
Opções inadiáveis
Dois meses depois, em junho, 42 deputados do PSD assinam o manifesto “Opções Inadiáveis”, um claro desafio à estratégia de Sá Carneiro a um mês do congresso de Lisboa que iria consagrar o seu regresso à presidência. O manifesto estava assinado por Sousa Franco, Magalhães Mota, Marques Mendes, Cunha Leal, António Rebelo de Sousa, Rui Machete, Sérvulo Correia e Nandim de Carvalho. Mas figuras como Jorge Miranda e Pinto Balsemão também apoiavam essa estratégia.
O congresso de Lisboa marca o regresso definitivo de Sá Carneiro à liderança do PPD e marca também a rutura com alguns históricos do partido que o abandonam em definitivo. São os casos de Sousa Franco e Magalhães Mota, com este fundador do PPD a formar a ASDI, Ação Social Democrata Independente, que em 1979 e 1980 concorreu às legislativas coligada com o PS e a UEDS de Lopes Cardoso.
Aliança Democrática
Sá Carneiro entra em rutura total com o presidente Ramalho Eanes, força eleições intercalares e alia-se ao CDS de Freitas do Amaral e Amaro da Costa para formar a Aliança Democrática. Os resultados não podiam ser melhores: obtém a maioria absoluta em 1979 e repete o resultado um ano depois, em 1980. Mas a última batalha de Sá Carneiro foram as presidenciais desse ano. O líder do PSD e então primeiro-ministro lança o general Soares Carneiro contra Ramalho Eanes e nas vésperas da sua morte, no dia 4 de dezembro, lançou um aviso aos portugueses: se Eanes fosse reeleito saía do governo e abandonava a política. A queda do avião em Camarate matou o líder que marcou e ainda marca o maior partido português. Um homem grande que enfrentou tudo e todos pelas suas ideias e pelo amor da sua vida, Snu Abecassis, que morreu com ele em Camarate.
O Bloco Central
Com a morte de Sá Carneiro e a derrota nas presidenciais, o partido entrou de novo em convulsão. Balsemão foi eleito presidente e assumiu a chefia do governo. Não foram tempos fáceis com o partido e com Freitas do Amaral, seu parceiro de coligação. Com o país de novo a entrar em crise, Balsemão é obrigado a pedir a demissão. Eanes não aceita a continuação da AD no poder e marca eleições para abril de 1983. E no PSD ninguém se entende. A solução foi arranjar uma troika, com Mota Pinto, Nascimento Rodrigues e Eurico de Melo.
O PSD fica em segundo lugar nas legislativas ganhas sem maioria pelo PS de Mário Soares. Forma-se o Bloco Central, o FMI volta a Portugal e Mota Pinto, vice-primeiro-ministro, é eleito em 1984 líder do PSD. Mas a solução de governo não agrada a muitos setores do PSD, que passam os anos do Bloco Central a desancarem na liderança do professor de Coimbra. Os ataques, os conselhos nacionais dramáticos voltam a fazer parte do quotidiano dos sociais-democratas e Mota Pinto é obrigado a demitir-se da presidência do partido e do governo.
A chegada de Cavaco
Mais uma vez surgem as soluções provisórias e Rui Machete assume a liderança até ao congresso de abril de 1985 na Figueira da Foz. João Salgueiro chega à Figueira como o grande favorito mas de repente surge Cavaco Silva com propostas de rutura e o apoio a Freitas do Amaral como candidato presidencial. O congresso dá uma reviravolta e o ex-ministro das Finanças de Sá Carneiro é eleito líder. Pela primeira vez na sua curta história o partido entrou na ordem durante dez anos. Cavaco ganhou as legislativas de 1985 sem maioria, foi derrubado em 1987 por uma moção de censura e regressou triunfante com uma esmagadora vitória em 1987, feito que repetiu em 1991.
Volta a desordem
Quatro anos depois acabou a ordem e voltou a desordem com o célebre congresso no Coliseu de Lisboa, com sulistas e elitistas a levarem às lágrimas Luís Filipe Menezes e Santana Lopes a perturbar a ordem imposta por Cavaco sentado numa poltrona.
Fernando Nogueira ganhou mas foi esmagado por Guterres nas eleições de 1995. Marcelo foi o senhor que se seguiu até 1999, quando Portas desfez a AD e obrigou o atual presidente a regressar aos comentários políticos. Veio Barroso, foi para o governo e fugiu depois para Bruxelas. Santana Lopes foi despedido por Sampaio do governo e deixou Sócrates ganhar as legislativas de 2005 com maioria absoluta.
As lideranças de Marques Mendes, Luís Filipe Menezes e Manuela Ferreira Leite não ficaram para a História. A de Passos Coelho ficou. Ganhou duas legislativas, esteve quatro anos no governo e tirou o pais da falência. Com a sua saída, o velho PSD vai voltar à habitual desordem. É assim o partido mais português de Portugal.