Quando estava demasiado atarefado ou concentrado na edição de um texto, não queria sequer que lhe dirigissem a palavra – ‘agora não posso’, dizia secamente. Mas normalmente estava disponível para nos esclarecer dúvidas ou para trocar algumas impressões. Embora tivéssemos alguma diferença de idade e convicções bem distintas – no dia do casamento de uma colega nossa, por exemplo, encontrei-o à porta do local onde se celebrava a cerimónia, porque, segundo me disse, se recusava a entrar numa igreja… – quando o trabalho não era tão urgente gostávamos de conversar um pouco.
Foi esse colega quem me falou pela primeira vez de John Simpson. «Aquele tipo da BBC, não sabes?». Não sabia, por isso fiz uma pesquisa na internet e encontrei alguma informação e alguns livros por ele escritos. Nesse mesmo dia mandei vir pelo correio o mais barato que encontrei, e que me pareceu ser uma síntese da vida e carreira deste jornalista britânico. Chamava-se Twenty Tales from the War Zone – The Best of John Simpson e custou-me dois ou três euros.
Nascido em 1944, Simpson trabalhou toda a vida na BBC, como apresentador e editor da secção internacional. No seu primeiro de trabalho, o primeiro-ministro trabalhista Harold Wilson, irritado por o jornalista lhe colocar o microfone demasiado perto da cara, deu-lhe um soco na barriga.
Simpson esteve nuns 30 cenários de guerra e fez reportagens a partir de 120 países. Nem de perto nem de longe estão todos representados neste livrinho de 131 páginas. Ainda assim, ele oferece um olhar para os pontos altos da sua carreira, como o dia em que conheceu Bin Laden ou aquele em que conversou com a princesa Diana no palácio de Buckingham. O capítulo mais insólito, no entanto, trata de uma visita a Jean-Bédel Bokassa, o excêntrico e infame Presidente da República Centro-Africana, que teve 17 mulheres, se fez coroar imperador numa cerimónia faustosa e deixou o seu país minado pela corrupção e à beira da ruína. Começa assim o capítulo sobre Bokassa: «Ao longo dos anos conheci imensos reis, rainhas, presidentes e primeiros-ministros. Mas só conheci um imperador, e apenas um chefe de estado acusado de cometer canibalismo. E eram a mesma pessoa».
Simpson entrevistou Bokassa durante o exílio deste em Paris. Antes de começar a conversa, o jornalista disse a um membro da sua equipa para ‘empatar’ o anfitrião na sala, enquanto ele ia à cozinha inspecionar o frigorífico do alegado canibal. «Estava bastante assustado. E se estivesse realmente alguém lá dentro? O que faria? O congelador era de um modelo em forma de arca, com a tampa em cima, um pouco como um caixão. Assim que toda a gente passou para a outra sala, pus os dedos debaixo da tampa e levantei-a». O que encontrou Simpson no interior da arca congeladora do canibal? Os mais curiosos que me perdoem, mas não quero estragar a surpresa.