António Costa falou ontem à noite aos portugueses. E repetiu exatamente o que tem dito ao longo destes quatro meses dramáticos que começaram em junho em Pedrógão Grande e se repetiram domingo em Leiria, Coimbra, Viseu, Guarda e Castelo Branco. Muitas palavras, muitas reformas florestais, muitos relatórios, muitas condolências e elogios, e nunca uma palavra de desculpa aos portugueses pelo falhanço do Estado e do governo que lidera.
António Costa também manteve a recusa em assumir responsabilidades políticas. Para o primeiro-ministro, que se afirma de consciência tranquila apesar de ter contratado há dez anos o SIRESP, que não funciona, e de ter aprovado o modelo de proteção civil que falhou em toda a linha, a única responsabilidade do governo é implementar as medidas propostas pela comissão técnica independente.
Costa na hora da tragédia
O primeiro-ministro apareceu na Proteção Civil na madrugada de segunda-feira e logo aí repetiu não só o discurso de sempre como se mostrou profundamente irritado com os jornalistas. A uma pergunta da jornalista da SIC sobre a possível demissão da ministra atirou, irritado, “Minha senhora, não me faça rir a esta hora”, além de a criticar por não ter noticiado como o governo queria a reforma florestal.
E continuou o irritado Costa: “Se a ministra não tivesse condições para ficar, eu não estava aqui ao lado dela. É infantil pensar que consequências políticas significam demissões.”
Mais dias negros
Além de recusar as responsabilidades políticas, e não só, do governo, António Costa lembrou aos portugueses que o sistema de proteção civil pode voltar a falhar: “Desastres como o de Pedrógão, em que morreram 64 pessoas, e o de hoje vão continuar a acontecer.” Para o primeiro-ministro, os portugueses, porque são adultos, percebem “que os governos não têm varinhas mágicas”. E foi ainda mais longe: “Não há soluções mágicas e não vale a pena iludir os portugueses sobre um problema que se acumulou durante décadas.”
António Costa aposta forte na reforma florestal, aprovada à pressa depois do incêndio de Pedrógão, e no Conselho de Ministros de sábado, que irá analisar o relatório da comissão independente e, provavelmente, o que foi divulgado ontem, encomendado pelo governo – uma reforma florestal que o seu ministro da Agricultura, Capoulas Santos, classificou como a maior desde a que D. Dinis pôs em prática com a plantação do Pinhal de Leiria, pinhal esse destruído em 80% no incêndio de domingo.
A culpa é dos portugueses
Mas o discurso do governo sobre os incêndios mudou de rumo e vira-se agora contra os portugueses. O secretário da Administração Interna, Jorge Gomes, deu o mote quando afirmou que “não podemos ficar todos à espera que apareçam os nossos bombeiros e aviões para nos resolver o problema”. E a ministra da Administração Interna fez questão de apelar “à resiliência dos portugueses” depois de milhares de pessoas terem, sem qualquer ajuda, lutado dia e noite para salvar as suas vidas e os seus haveres.
António Costa garante que a reforma da floresta e o Conselho de Ministros extraordinário de sábado vão alterar o estado das coisas em matéria de incêndios. Para o primeiro-ministro, “depois deste ano, nada pode ficar como dantes”. Resta saber se esta frase não foi o anúncio da demissão da sua ministra.