Marcelo Rebelo de Sousa deu ontem ao país a sua melhor lição de humildade, de sensibilidade, de cristandade até, mas sobretudo de política! Citando-o, impunha-se. Ou melhor, e como bem disse o Presidente da República, “impõem-no milhões de portugueses, mas impõem-no, sobretudo, os mais de 100 portugueses que tanto esperavam da vida no início do verão de 2017 e não chegaram ao dia de hoje”. Porque, perante a tragédia de Pedrógão e destes últimos dias, “quem não entenda isto, humildade cívica e rutura com o que não provou ou não convenceu, não entendeu nada do essencial do que se passou no nosso país”.
Uma lição. Como lição foram: a confissão de um “peso enorme na consciência”, que contrasta com a “consciência tranquila” que António Costa afirmara na véspera; o pedido de desculpas aos portugueses, que o primeiro-ministro foi incapaz de fazer; o reconhecimento do “peso enorme” que estes mais de cem mortos representam para sempre como marca do seu mandato presidencial, contrastando com o “particular à-vontade” como António Costa diz sentir-se nesta matéria por tudo o que fez enquanto ministro da Administração Interna há uma década e enquanto primeiro-ministro agora; a exigência de um “novo ciclo, que inevitavelmente obrigará o governo a ponderar o quê, quem, onde e quando melhor serve esse ciclo”, contrastando com a leveza da desresponsabilização de António Costa (e com a infeliz declaração deste de que “falar de demissões é uma infantilidade”); com o apelo “olhem para esta gente, para o seu sofrimento, com maior atenção ainda do que aquela que merecem os que têm os poderes de manifestação pública em Lisboa”. Ou ainda: “Reconhecer que portugueses houve que não viram os poderes públicos como garante de segurança e de confiança.”
Uma lição para o governo, uma lição para o primeiro- -ministro e para todos quantos (em particular na geringonça) procuraram “minimizar ou banalizar” a trágica realidade, com a “frieza destes tempos, cheios de números e chavões políticos, económicos e financeiros”. Marcelo foi claro: “É a última oportunidade para levarmos a sério a floresta e a convertermos em prioridade nacional, e com meios para tanto.” Todo o discurso e o compromisso assumido perante os portugueses para o resto do seu mandato presidencial tiveram apenas um “se” a mais. Para Marcelo, “se houver margem orçamental”, que se dê prioridade à floresta e à prevenção dos fogos. Ora, se estes mais de 100 mortos são uma “interpelação política” e se, “na vida como na política, o fundamental é o que vai na alma de cada um dos portugueses”, tem de haver margem orçamental.
Se Marcelo “espera do governo que retire todas, mas todas as consequências da tragédia de Pedrógão e que não se esqueça daquilo que nos últimos dias confirmou ou ampliou as lições de julho”, que se dane o défice. Ou melhor, que se negoceie com Bruxelas meio ponto percentual de défice garantidamente aplicado na reforma da floresta e dos meios de prevenção e combate. Para que a Europa não seja hipócrita e não volte a ter as suas bandeiras a meia haste por vítimas de incêndios em Portugal, nem Portugal volte a ter mais área ardida do que todos os outros Estados-membros juntos. E para que, em Portugal, haja esperança num futuro que mais 100 portugueses já não podem ter.