Pedro Santana Lopes comoveu-se. Foi, muito provavelmente, o seu último ato público enquanto provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. O social-democrata inaugurou uma unidade da instituição dedicada ao cuidado e residência de pacientes tetraplégicos, na capital. Acerca do projeto, salientou a sua importância e a ambição de o ver “germinar” noutros lados do país.
A placa da cerimónia ainda tinha o seu nome, coisa que Santana, já demissionário e rumo à corrida para a liderança do PSD, não desejava. “Eu já estou emérito”, brincou, ao lado do sacerdote católico que abençoou o local. “Emérito”, mas com a São Caetano e não Castelo Gandolfo como destino. E foi “destino” uma das palavras que Santana Lopes mais usou no seu breve discurso. A meio, em pausa, vieram-lhe as lágrimas aos olhos enquanto se despedia da equipa que com ele trabalhou nos últimos seis anos. Foi o provedor mais tempo em exercício na história da Santa Casa. “Vou ter muitas saudades”, disse, depois, ao i. “É um trabalho extraordinário e uma grande escola. Se nos dedicarmos de corpo e alma, dá para fazer bem a muita gente.”
Ainda no discurso, sem papel, assumiu que estas semanas finais, a dizer adeus ao cargo, “não têm sido fáceis”. A sua ideia de “sociedade intergeracional”, que já vinha de trás, encaixou que nem uma luva nos projetos que desenvolveu na Santa Casa e isso deu-lhe muito gozo.
Os reflexos do tempo ao leme da Misericórdia de Lisboa na sua personalidade política não são segredo. Em entrevista a meio do primeiro mandato chegou a admiti-lo, reafirmando-o agora ao i. “Moldou-me enquanto político. Mas, mais que isso, mudou-me”, confessa. “Na vida não é fácil mudar, somos o que somos, mas esta é uma experiencia de impacto enorme.” O político recorda o tempo de crise económica como exemplo da diferença entre a perceção e o quotidiano. “Há um contraste entre o que se discute no dia-a-dia e aquilo que é a realidade de muitas famílias em Portugal.” Sobre o que motivará esse limbo, Santana é diplomático. “Existe muito. Não são só os políticos – há bons e maus como tudo na vida, não entro nesse jogo –, a política pode é ser muito absorvente e, às vezes, os que estão nela perdem o contacto com o que é real.”
Na política tem de se fazer um esforço para não desfocar da realidade
A referência não era para ninguém em especial; a lição é que ficou. “Quem está na política tem de fazer um esforço interior para não desfocar da realidade. Na Santa Casa aprende-se isso. Dá-nos um olhar diferente”, concluiu.
Ainda ao i, optou por não comentar as perdas trágicas confirmadas ao longo do dia, vítimas dos fogos, mas nessa manhã não deixou de dar uma palavra de apoio nas redes sociais: “Todos estamos devastados com esta tragédia e solidários com tantas famílias atingidas. Tenho estado em contacto com presidentes de câmara, e outros responsáveis, transmitindo a minha disponibilidade para ajudar no que for preciso”, escreveu no mesmo dia.
A equilibrar a emoção do ato final enquanto provedor, que alastrou à sala, Santana ajudou a descomprimir como anfitrião. No fim, depois das palmas, sorriu e perguntou: “Muito bem. Há lanche?”
“Vou ter muitas saudades. É um trabalho extraordinário e uma grande escola. Se nos dedicarmos de corpo e alma, dá para fazer bem a muita gente”