No ano passado o défice baixou para 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB), algo que foi louvado pelo Governo como um grande feito. Este ano parece ter deixado de estar no centro da política do Executivo, apesar de este continuar a afirmar que as metas são para cumprir. Uma situação que levou a que a Comissão Europeia (CE) endereçasse uma carta ao ministro das Finanças a pedir informações novas que clarifiquem o cumprimento das regras europeias. Bruxelas considera que os défices de 2017 e 2018 correm risco de «desvio significativo».
Durante a semana, após o anúncio das medidas de resposta aos incêndios, António Costa anunciou que haverá margem orçamental para as acomodar sem que tenham impacto no défice, ao mesmo tempo que afirmava que blindar as metas definidas para a derrapagem das contas públicas «tem que ser a última das preocupações neste momento», mas ressalvando que «manter a trajetória de consolidação orçamental» é uma imposição.
Só que esta consolidação, no entender de Bruxelas, está aquém do definido. «Escrevemos-lhe para pedir clarificações sobre o cumprimento do esforço orçamental planeado por Portugal para 2018 em linha com as exigências do braço preventivo do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC)», lê-se na carta assinada pelo vice-presidente da CE responsável pela Estabilidade Financeira, Valdis Dombrovskis, e o comissário europeu dos Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, enviada a Mário Centeno.
No Orçamento do Estado, o Governo prevê uma redução do défice estrutural de 0,5% do PIB entre 2017 e 2018. Mas, de acordo com a metodologia acordada entre todos os Estados-membros, o cálculo de Bruxelas fica-se pelos 0,4%.«Apesar de significativo, este esforço está abaixo da meta de uma correção de pelo menos 0,6% do PIB exigida pelo acordo mútuo de ajustamento fixado».
Outra preocupação da CE é a despesa. De acordo com a carta, as projeções do Executivo para o crescimento nominal da despesa primária líquida «excedem a taxa recomendada de 0,1%, o que aponta para um desvio de 1,1% do PIB em 2018». Já este ano há desvios importantes, na ordem «dos 0,5% e 1% do PIB, tendo em conta o saldo estrutural e a meta de despesa, respetivamente».
Assim, Bruxelas conclui que «de acordo com a análise preliminar da Comissão, isto aponta para o risco de um desvio significativo do esforço conjunto exigido em 2017 e em 2018» e pede «mais informação» sobre a composição detalhada do esforço estrutural de consolidação orçamental do Governo.
Última preocupação
A CE, que se coloca à disposição para apoiar o Executivo no processo, termina a carta colocando um prazo para o recebimento das clarificações pedidas: até ao final do dia 31 de outubro, terça-feira. Centeno terá assim de responder em vésperas do início no debate na especialidade do Orçamento do Estado para 2018 e depois de António Costa ter reiterado que «a última preocupação» do Governo é «discutir uma décima ou menos uma décima» de um Orçamento que é «feito de prioridades, que vão para o défice» mas também para outras áreas,
E são estas outras áreas cujo impacto orçamental ainda tem de ser avaliado. O ministro das Finanças mantém, por agora, a meta de 1% do PIB para o défice, mas diz que ainda está a avaliar o impacto orçamental das medidas de apoio às áreas ardidas e às populações decididas no último Conselho de Ministros.
A meio da semana, no Parlamento, o governante afirmou que «todas essas medidas que já estavam previstas e estavam ser negociadas com a Comissão Europeia para a sua não consideração para efeito de avaliação esforço estrutural pela Comissão Europeia antes da entrega do OE», o que teria sido já aceite por Bruxelas.
Mas a carta com o pedido de esclarecimento de Bruxelas sobre o esforço de consolidação orçamental, com data de ontem, é posterior a estas medidas e ainda anterior ao «conjunto das despesas que serão feitas e que terão efeito no défice» decidida no último Conselho de Ministros.
Para as contas públicas do próximo ano terá também impacto a decisão do Banco Central Europeu (BCE) de reduzir para metade os estímulos monetários a partir do próximo ano. Em vez dos 60 mil milhões de euros mensais vai passar a comprar obrigações da zona euro numa base mensal de 30 mil milhões até setembro, quando o programa termina.
Poupança com juros
A previsão dos analistas é que a decisão em nada altere os juros da dívida, algo que ajuda a política do Governo. As estimativas incluídas no Orçamento do Estado para 2018 apontam para poupanças de 300 milhões de euros com os encargos no serviço da dívida.
Os juros da dívida portuguesa a dez anos estão a cair abaixo dos 2,3%, depois do anúncio do BCE, que deixou ainda a porta aberta para mais aquisições de dívida pública depois de setembro « caso necessário».
A instituição irá também reinvestir em títulos o dinheiro que recebe de volta quando os ativos que comprou atingem a maturidade e manter as taxas de juro de referência em mínimos recorde.