O assassinato da jornalista que liderava a investigação aos Panama Papers em Malta, no passado dia 16, chocou a opinião pública ocidental, não só pela brutalidade do crime – o carro de Daphne Caruana Galizia foi armadilhado com uma bomba –, mas também porque o mesmo parece indicar um claro ajuste de contas relativo ao trabalho que aquela vinha realizando. O facto de o homicídio ter ocorrido num país da União Europeia, regido pelo Estado de Direito e pela liberdade de expressão, só agrava o cenário.
De facto, os Estados-membros que compõem a organização comunitária encontram-se no topo da lista dos locais mais seguros para os jornalistas exercerem a sua profissão com independência e levarem a cabo as suas investigações, em segurança e liberdade. Mas a realidade da UE não acompanha a tendência de algumas zonas do globo, particularmente nas últimas décadas.
Organizações não-governamentais como o Comité para a Proteção de Jornalistas (CPJ), com sede em Nova Iorque, ou os Repórteres Sem Fronteiras (RSF), de Paris, têm liderado a promoção da liberdade de imprensa e o combate à censura, e, para além disso, têm contribuído para sensibilização dos governos e da sociedade civil sobre a violência operada contra a classe jornalística em todo o mundo, através da divulgação de pormenorizadas bases de dados, que agregam toda a informação sobre profissionais dos media mortos, desaparecidos, torturados ou silenciados.
Segundo os registos do CPJ, entre 1992 e 2017 foram mortos em trabalho 1856 profissionais da comunicação social, sendo que em 494 desses casos desconhecem-se os motivos que levaram à prática dos crimes. Números que assustam, principalmente se se tiver em conta que as mortes por ano aumentaram substancialmente a partir de 2006, em comparação com os anos anteriores – com 112 óbitos, o ano de 2007 foi o mais nefasto para a classe, seguido de 2012 (106 mortos), 2006 (103), 2009 e 2013 (ambos com 101). Já nos primeiros dez meses deste ano, o número de jornalistas mortos situa-se nos 50. Iraque, Síria, Filipinas, Somália, Paquistão, Argélia, Rússia, Colômbia e México encontram-se no topo da lista dos países mais mortíferos para a profissão das últimas décadas.
Esta realidade não está, naturalmente, desassociada do facto de muitos dos países referenciados terem sido palco de conflitos armados nos últimos anos – particularmente nos primeiros dois da lista –, mas isso não significa que os perigos da guerra estejam na origem da maior parte dos casos. CPJ e RSF acusam entidades estatais e militares, grupos de crime organizado e movimentos extremistas islâmicos de, com maior ou menor dose de secretismo, orquestrarem golpes homicidas para silenciar repórteres responsáveis por investigações incómodas, particularmente aqueles que inquirem sobre política, guerra, corrupção e direitos humanos. As ONGs apontam Filipinas, Paquistão, Rússia, Índia, Iraque e Síria como os principais países onde a morte de jornalistas advém de ordens emitidas por autoridades relacionadas com o Estado e veem no México, Brasil e Afeganistão um número crescente de homicídios encomendadas por cartéis de droga ou traficantes de armas. O Daesh, na Síria e Iraque, o Al-Shabaab, na Somália, ou o Boko Haram, na Nigéria, são os principais homicidas de profissionais dos media, no campo dos grupos extremistas islâmicos.
A gravidade destas atuações criminosas contra a imprensa não ficam por aqui. De acordo com os dados de 2016 do relatório anual do CPJ, relativo aos assassinatos de jornalistas ainda por resolver, dos casos em que o autor do crime foi identificado, apenas 13% redundou em acusações judiciais. Pior: só foram logradas condenações consideradas justas e adequadas às perdas de vidas humanas em 3% dos homicídios.